Banco de couro, por que seu sumiço? (Parte 2)


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Antes de falar sobre os revestimentos que imitam couro, que assim, pela lei 4887, não se podem designar, é preciso passear por conceitos adjacentes como os de vegano e veganismo. No início dos anos 1990, quando o então Príncipe Charles e Lady Di visitaram o Brasil, a Ministra Zélia Cardoso de Mello participou da recepção usando um vistoso casaco de pele de onça pintada – possivelmente, uma imitação. O fato é que o traje chocou a princesa, que era avessa ao uso de roupas oriundas de exploração animal.

O termo “vegano” ainda não era difundido como hoje. Os jornais não a apontavam como vegana, o que talvez fosse o caso. As coisas mudaram, e chamar o material que reveste estofamento dos automóveis de couro ecológico passou a ser argumento de venda. O fato é que os estofamentos revestidos com couro animal estão sumindo, apesar de ser inegável que sejam os mais bonitos, duráveis e confortáveis do mercado.

Além do argumento da exploração animal, o couro natural é acusado de poluir ambiente pelo uso de metais pesados. De fato, durante os primeiros tempos da industrialização, usou-se largamente o arsênico para precipitar o tanino nos curtumes. Por ser extremamente venenoso, passou-se a usar o cromo, também um metal pesado capaz de contaminar o entorno dos curtumes. O tanino é um excelente antioxidante e é o principal inibidor de podridão no couro cru.

Existem plantas como a árvore do nim, também conhecida como neem, cuja casca tem uma concentração significativa desse comporto orgânico, mas ele pode ser encontrado também na casca de frutas como uvas, bananas e caqui, recebendo o nome popular de cica. Ele deixa o gosto amargo e a textura adstringente, ou “agarrando nos dentes”, como diz o povo. É que a Natureza é sábia e usa esse composto para evitar que as plantas sejam ingeridas antes de estarem maduras. Pelo fato de as fontes de tanino serem muito variadas e abundantes, há muito que se deixou de usar qualquer tipo de metal pesado no curtimento do couro, restando a exploração animal como argumento contra seu emprego.

O uso do tanino como antioxidante permite que outros materiais de origem não animal ganhem durabilidade. Nenhum outro uso pode ser mais severo do que o revestimento de bancos de automóveis. Se deixados ao sol, a temperatura excede facilmente os 50°C. Além disso, por estarem em constante contato com a pele, estão sujeitos ao suor, rico em sal e ácido úrico, além das migalhas de biscoitos que as crianças vão largando pelo caminho, líquidos derramados, pólen, bactérias e fungos suspensos na atmosfera e por aí vai.

Por melhor que seja o tecido, e por mais lavável que ele possa ser, é impossível que, viajando-se com as janelas abertas, ele não se venha a deteriorar pela contaminação por tudo o que está em suspensão no ar. A facilidade de limpar somente com um pano faz dos estofamentos menos porosos os preferidos do consumidor. Restam dois tipos de materiais, os polivinílicos e os derivados do látex aplicados sobre um tecido resistente de base. Mas, como evitar que se tornem quebradiços ou que esfarelem? Usando o mesmo tanino que se emprega para curtir couro.

Na verdade, é a volta aos estofamentos de plástico tão comuns nos anos 1960 e 1970, porém, com um tratamento antioxidante, ao mesmo tempo em que a texturização busca deixa-lo o mais parecido com o couro animal que se possa conseguir. A diferença de preço é brutal: um groupon, que é a pele do lombo do boi depois de rebaixado para que a espessura fique uniforme, pigmentado com acabamento brilhante, custa R$930,00/m², contra valores que variam entre R$148,00/m² para os polivinílicos a R$357,00/m² para o courino estudado na matéria anterior.

Existe ainda a explicação microeconômica bastante relevante. No início do século passado, os economistas descobriram que o consumo não se pode explicar exclusivamente pela utilidade do bem, mas pela satisfação que traz ao consumidor. Todos os bens têm dois componentes que, somados, proporcionam a satisfação, a utilidade e a ostentação, também conhecido como o lado conspícuo do consumo. Um Iphone não faz mais do que modelos de outras marcas, mas ostentar um pode dar um ganho de satisfação ao seu portador. Ocorre que a sociedade está se tornando cada vez mais utilitarista e os itens que não acrescentam novos usos aos carros estão perdendo valor.

Para que o consumidor exija estofamento de couro legítimo, é preciso que o resto do carro seja equipado exuberantemente, o que se está tornando cada vez mais popular, na medida em que eles se tornam verdadeiros celulares ambulantes. A qualidade da tela multimídia, por exemplo, certamente vem antes da qualidade do estofamento na escala de consumo, também conhecida por Escala de Marlow.
Assim, somando-se a decadência do lado conspícuo do consumo e a ascensão dos itens utilitários, aliando-se ao apelo vegano, o resultado não pode ser outro que não a substituição do couro legítimo pelo revestimento sintético ou semissintético tratado para ganhar durabilidade e beleza. Por tabela, que venha também um ganho de margem para os fornecedores.
