O Fusca rico que espalhou dinheiro pela rua

Esse “causo” tem uma data precisa: junho de 1976. Sei disso porque eu, Douglas Mendonça, e meu Fusca 1500 1972 na cor amarela, mais popularmente conhecido como Fuscão, fomos os protagonistas deste episódio, alegre para muitos pedestres, mas não muito feliz para mim.

Em meados dos anos 70, era comum as famílias brasileiras irem acumulando moedas em cofrinhos, latas, vidros ou qualquer outro recipiente que tivesse uma fenda que permitisse a colocação delas. Para se livrar daquelas incomodas moedas que ficavam chacoalhando nos bolsos, as pessoas guardavam-nas e, depois de juntar um determinado montante, trocavam por dinheiro de papel . Não é preciso dizer, que em um breve período de tempo, aqueles recipientes precisavam ser esvaziados.

Como tínhamos centenas de moedas – ou milhares, dependendo do tamanho do depósito – recorríamos aos contadores de moedas existentes nas agências bancárias. Aquelas maravilhosas máquinas automatizadas que, em alguns poucos minutos, contavam as várias centenas de moedas, separando-as por valores e dando a quantia total que havíamos levado. Um belo dia, minha querida mãe, Maria Demétrio Mendonça, me avisou que eu tinha um belo saco de moedas para levar ao banco, passar na máquina milagrosa e fazer o depósito do saldo na conta da família. Era um saco plástico bem grosso que, certamente, pesava mais do que cinco quilos.

Peguei a economia em moedas da família e parti para minha missão de levá-la ao banco. Com cerca de 20 e poucos anos, tinha minha cabeça mais voltada ao mundo da lua e, principalmente, ao mundo dos automóveis, minha verdadeira paixão.

No mundo da lua

Fui ao Fusca com a minha carteira em uma das mãos e o tal saco de moedas na outra mão: para abrir a porta, coloquei o saco de moedas na capota do carro. Abri a porta, entrei, guardei minha carteira no porta-luvas, coloquei a chave no contato, liguei o possante, fechei a porta e saí. Você leitor deve estar me perguntando: “E o tal saco de moedas?” Pois bem, meus leitores, eu esqueci! Saí do prédio em que morava e, enquanto andava devagar, o tal saco de moedas, até pelo seu peso, permaneceu no teto.

Mas, meus amigos, quando fiz a primeira curva, ouvi um barulho de raspar (era o tal saco pesado escorregando pelo teto do carro) e logo depois um forte estouro que me pareceu metálico. Na realidade, quando ele começou a escorregar pelo teto, imediatamente me lembrei do saco de moedas, mas, nessa altura do campeonato, já era tarde demais.

Confesso a vocês que olhando pelo retrovisor, o espetáculo foi lindo: como era um bonito dia de sol e eu fazia uma curva para esquerda, o tal saco de moedas atravessou a capota e voou pelo lado direito… Vi de camarote a explosão dele na rua. A luz refletindo naquelas várias centenas de moedas se espalhando pela rua deu um brilho milionário àquele instante. Coisa linda de se ver.  Mas, espetáculos a parte, quando percebi a minha lambança, freei o Fusca com toda a minha força, desci do carro e larguei a porta aberta e saí gritando para o povo que se aproximava: “Por favor, não mexam, é tudo meu, acabei de deixar cair!”

Foto: Marco de Bari/Revista Quatro Rodas

Catástrofe!

Várias pessoas foram se aproximando e já iam recolhendo as moedas que ficaram espalhadas pela rua e calçada para meu desespero. Peguei o tal saco arrombado e fui recolhendo o que conseguia. Algumas pessoas me ajudavam a pegar e iam me devolvendo. Outros não eram assim tão cordiais, e simplesmente roubavam algumas moedinhas na cara dura.

Depois de estacionar melhor o meu Fuscão e contar com a ajuda de bastante gente, cerca de 30 minutos depois consegui resgatar o que foi possível. Derrotado, voltei a minha missão de ir ao banco. Apesar da catástrofe, acredito que recuperei pelo menos uns 70% do total. Uma parte ficou pela rua, e outra, claro, foi parar nas mãos dos ladrões de moedinhas.

Fui ao banco, a máquina fez a tal contagem, e fiz o depósito. Minha mãe, Dona Maria, estranhou que o valor tivesse sido bem abaixo de sua expectativa pois, mais ou menos, ela sabia quanto rendia um saco de moedas daquele tamanho. Ela jamais soube da minha trágica aventura com aquele saco de moedas na rua, até porque, se eu contasse a verdade, certamente ouviria muito por uns bons dias. Preferi me calar e omitir o que de fato havia acontecido.

No final, Dona Maria partiu dessa para melhor e nunca soube o motivo de tanta moeda ter virado tão pouco dinheiro.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.