Antigomobilismo: de renegados a queridinhos

O automóvel é uma paixão mundial, e como em qualquer área, possui aficionados que os utilizam para lazer, trabalho, ou mesmo como um hobbie.

Há quem prefira os veículos modernos, com tecnologia embarcada, mais segurança, mais economia, melhor eficiência e melhor ergonomia, mas há também os que prefiram os modelos mais antigos, que trazem também suas vantagens como imposto mais barato ou até mesmo isento (dependendo da idade e/ou estado em que o veículo está licenciado), mecânica mais barata de se manter, valor de aquisição mais em conta (pelo menos até pouco tempo atrás), além do fator “saudosismo”, muito importante para a maioria que escolhe este tipo de veículo.

A preferência pelos antigos também é grande (Foto: Chevrolet/divulgação)

A verdade é que o cenário está mudando, e algumas vantagens estão deixando de existir, como o valor de aquisição mais interessante e até mesmo o preço das peças.

O antigomobilismo tem contribuído para esta mudança

Definido como um estilo de vida, o antigomobilismo reúne apaixonados por carros do passado que, além de usufruírem de seus bens, auxiliam a preservação da história, em sua grande parte, conservando os modelos em sua forma original.

É verdade que o antigomobilismo sempre existiu, mas ganhou força com o advento da internet e dos programas de TV dedicados aos carros, onde este estilo de vida angariou ainda mais fãs.

Mesmo que o antigomobilismo sempre tenha existido, seu aumento expressivo se deu, principalmente, nos últimos anos (Foto: Lucca Mendonça)

Como reflexo disso, o preço dos carros antigos e de tudo que envolve o meio, sejam as peças, essenciais para manter o funcionamento dos antigos veículos, além das associações a clubes, revistas especializadas, entre outros, tem subido ano após ano. Os primeiros modelos a valorizarem foram os carros de luxo e esportivos, como Ford Galaxie/LTD/Landau, Ford Maverick, Dodge Dart/Charger/Magnum, GM Opala e VW Gol GTi.

Como exemplo, em 1997 um Ford Galaxie 500 com ar-condicionado ano 1969 era anunciado na sessão A&T Mercado da deliciosa revista Auto&Técnica edição 26 a R$ 3.000,00 (R$ 12.915,24 com a inflação atual). Hoje, um similar é encontrado por pelo menos R$ 130.000,00 em sites especializados.

Galaxie 500 em 1997: R$3 mil. Galaxie 500 em 2022: facilmente acima dos R$130 mil (Foto: Leonardo França)

Um Dodge Magnum 1979, completo, automático e com 67 mil km originais era anunciado na edição 27 da mesma revista a R$ 5.800,00 (R$ 24.969,46 atuais), sendo que no mercado moderno, um modelo similar não custa menos que R$ 140.000,00 (Isso se você achar um deles à venda).

Dodge Magnum com baixa quilometragem: Menos de R$6 mil também em 1997. Destaque para o Buick Regal 1974 pela mesma pechincha (Foto: Leonardo França)

Entre outros exemplos, em agosto de 1999 era possível comprar um VW Gol GTS 1992, completo e em excelente estado, por R$ 7.000,00 (R$ 27.752,76 de hoje*), conforme anúncio da revista “Vejo e Compro”, de distribuição gratuita na cidade de Uberlândia/MG àquele tempo. Hoje um Gol GTS do mesmo ano e em estado imaculado não sai por menos de R$ 74.000,00.

Da mesma forma, um VW Gol GTS poderia ser seu por meros R$7 mil em 1999. Hoje, só acima dos R$70 mil (Foto: Leonardo França)

Em julho de 2003, a revista de distribuição gratuita “Cidade do Automóvel” de Brasília/DF anunciava um Kadett GSi conversível, completo, por R$ 9.700,00 (R$ 27.093,85 hoje), sendo que atualmente, o entusiasta precisa desembolsar pelo menos R$ 57.900,00 para ter um bom exemplar na garagem.

Por R$9,7 mil, em meados de 2003, a opção de um Kadett GSi conversível. Metade do preço de um Fiat Palio usado (Foto: Leonardo França)

O suprassumo VW Gol GTi

Um dos modelos que mais inflacionou é o VW Gol GTi, principalmente o da primeira série, na cor azul Mônaco. Em 2009, cheguei a fechar negócio em um exemplar ano/modelo 1989, de única dona, com 166.000 km originais. Bastante íntegro, o carro estava com pouquíssimos detalhes de uso e anunciado por R$ 9.000,00, ou R$ 18.357,62 hoje, mas por conta de uma promoção no trabalho e a necessidade de viagens constantes, desfiz o negócio e optei por um VW Gol Special ano 2000 para meu uso.

Em 2009 cheguei a comprar um icônico GTi Azul Mônaco de única dona por R$9 mil. Hoje valeria algo em torno dos R$90 mil… (Foto: Acervo Pessoal/Leonardo França)

O Gol GTi teve uma ascensão muito forte graças a famosos colecionadores e negociantes de carros, além de matérias específicas do modelo como o “revival” do comparativo entre Gol GTi e Gol GTS na edição 13 da Revista 4 Rodas Clássicos em 2006. Desde então, os preços não pararam de subir.

Àquela época, um modelo em perfeito estado podia custar R$ 19.900,00, ou R$ 46.866,62 hoje. Em pleno 2022, vimos modelos similares atingindo R$ 119.000,00, como o GTi 1993 Cinza Spectruz vendido no 2º Leilão Online de Veículos Antigos de Belo Horizonte no ano passado. É sabido que, em grupos fechados, modelos similares e imaculados são negociados na faixa de R$ 300.000,00.

Vendido recentemente em um leilão por nada menos que R$119 mil, um Gol GTi em perfeito estado podia ser encontrado por menos de R$20 mil há cerca de dez ou doze anos (Foto: reprodução/internet)

O reflexo disso é a alta procura pelo modelo, que sobe de preço ano a ano devido à escassez de exemplares conservados, inflacionado também modelos não tão conservados. Tente comprar hoje um Gol GTi para reforma com menos de R$ 20.000,00…

Ao tempo que a falta de alguns modelos antigos queridinhos atinge o mercado, outros similares em categoria passam a ter maior procura, e consequentemente também inflacionam. Como bons exemplos, VW Gol GTS, VW Passat GTS Pointer, Ford Escort XR3, GM Kadett GS/GSi, GM Monza Hatch SR, Fiat Uno 1.5R/1.6R/Turbo, Corsa GSi entre outros.

O Uno Turbo, um dos principais esportivos da década de 90, foi um dos modelos que viu seus preços dispararem (Foto: Fiat/divulgação)

Com o passar os anos, a moda atingiu a todos os carros das décadas de 70, 80 e 90, e GM Monza, VW Santana, Ford Del Rey, Fiat Tempra e cia. também tiveram alta procura, e, claro, aumento nos preços.

Todos valorizam, desde os ruins de mercado…

Mas, o interessante disso é que, principalmente nos últimos 3 anos, e mais especificamente após o início da pandemia, os modelos mais bem quistos desapareceram do mercado, seja pelo preço muito alto ou mesmo pela falta de oferta, e veículos antes renegados pelos entusiastas passaram a ter bastante procura, e consequentemente, alta em seus preços.

Há casos de carros que eram ruins de comércio mesmo quando seminovos e tinham baixa procura, seja por defeitos crônicos ou por terem ficado o pouco tempo em produção. Hoje, eles também são procurados como boa opção de ingresso ao antigomobilismo.

Até modelos “micos” de antigamente estão em alta hoje, à exemplo do Chevette Junior com seu pavoroso motor 1.0 de 50 cv (Foto: Chevrolet/divulgação)

Entre eles, destaco GM Monza Hatch nas versões “civis”, Chevette Hatch, Chevette Junior, GM Tigra, e frutos da Autolatina como VW Apollo, Logus, Pointer, Gol 1000, linha Gol com motor AE (vulgo CHT), VWs com motor a ar em geral, linha Ford Del Rey, Ford Versailles e Royale, Ford Verona, Escort nas versões “civis” (1.6, 1.8 e mesmo os Hobby 1.0 e 1.6), Escort Guarujá (versão 4 portas), Dodge Polara, linha Fiat 147, Prêmio, Elba, Tipo (este com os problemas de pegar fogo), Fiat Tempra (incluindo a carroceria 2 portas e o SW), entre outros.

…até os importados

Importados como linha Seat Cordoba, Audi A3 da primeira safra, VW Passat, Daewoo Espero, linha Lada (em especial o Samara), os Peugeot 106/205/306, os Citroën XM/XS/BX/Xsara. Ford Fiesta Espanhol (1995/1996), Mondeo e Renault Twingo, por exemplo, também tem tido boa procura. Na mesma toada vão alguns nacionais mais recentes, como a linha VW Gol 16v e Turbo 16v, linha Fiat Marea e Brava, os Peugeot 206 e primeiros 307, Ford Fiesta de 1996 a 1999 com motor Endura e até Fiesta Supercharger, que unia motor 1.0 com um compressor mecânico.

Nem mesmo os importados populares ficaram de fora dos aumentos de procura e preço. O Renault Twingo, por exemplo, que o diga… (Foto: Renault/divulgação)

Até mesmo modelos populares que foram muito vendidos e acabaram se tornando raros quando encontrados com baixa km sofreram dessa supervalorização, como por exemplo VW Gol Special, que inclusive comprei um exemplar 2001 com menos de 40mil km originais pelo preço de tabela Fipe em 2016. Hoje eles não saem por menos de R$ 25.000,00 nas mesmas condições, ou seja, bem mais que o dobro do valor de tabela (atualmente ao redor dos R$10 mil).

Cheguei a comprar um Gol Special 2001 com baixíssima quilometragem em 2016. O preço? Nada além do tabelado pela Fipe (Foto: Acervo Pessoal/Leonardo França)

Outros como GM Corsa Wind/Super, Celta da primeira safra, Fiat Mille, Ford Ka, Fiesta Street, Renault Clio (em especial séries Yahoo e o Boticário), e as Stations em geral, como Ford Escort SW, VW Santana Quantum, Renault Megane Grand Tour, Toyota Fielder também surfam na mesma onda da enorme procura e crescente valorização.

Carros de trabalho que nunca foram desejo de muitos devido ao uso severo, hoje, em qualquer estado de conservação, são bastante procurados e custam cada vez mais caro, como por exemplo Fiat Fiorino, Ford Pampa, GM Chevy 500, Corsa Pick-up, VW Saveiro e, principalmente, a senhora Kombi.

Outra muito procurada e valorizada: VW Kombi “corujinha”, principalmente pelos altos índices de exportação do modelo para o exterior, onde seu mercado só cresce (Foto: VW/divulgação)

Falando nela, uma Kombi “corujinha” (fabricada de 1957 a 1976) há poucos anos valia em média módicos R$ 4.000,00, e hoje em estado deplorável chega a valer R$ 35.000,00. Exemplares em excelente estado chegam (e até passam) das cifras de R$ 200.000,00, mas isso se dá principalmente por conta de um outro mercado: o de exportação de veículos antigos, com compradores ávidos na Europa, Ásia, EUA e outras partes do mundo.

Mercado multibilionário

O mercado de carros antigos movimentou R$32,6 bilhões na economia somente em 2019, conforme dados da Fédération Internationale des Véhicules Anciens (FIVA), entidade em que a Federação Brasileira de Veículos Antigos (FBVA) é a representante oficial no Brasil.

Um mercado multibilionário movido por serviços, restaurações, comércio de peças, armazenamento, seguro, eventos e por aí vai (Foto: Divulgação/AutoShow Collection)

Deste montante, R$16,1 bi foram em serviços, seguros, manutenção, restauração, armazenamento e combustível; R$12,3 bi em compra e venda de veículos históricos; R$3,5 bi em eventos de veículos históricos (incluem hotelaria, alimentação e inscrições/entradas); e R$ 768 mi em gastos indiretos (incluem mensalidades de clubes, revistas especializadas, souvenirs etc.)

Para quem considera exagero ou “antigoportunismo” cobrar tanto dinheiro por um carro já defasado tecnologicamente, sem tanta potência ou mesmo segurança, fica a dica: não há preço que se pague para reviver as lembranças da juventude, ou mesmo realizar um sonho antigo. E quem puder comprar, vai comprar, custe o que custar.

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Leonardo França é formado em gestão de pessoas, tem pós-graduação em comunicação e MKT e vive o jornalismo desde a adolescência. Atua como BPO, e há 20 anos, ajuda pessoas a comprar carros em ótimo estado e de maneira racional. Tem por missão levar a informação de forma simples e didática. É criador do canal Autos Originais e colaborador em outras mídias de comunicação.