Aquisições na indústria de automóveis, como será? (2/3)

 

Arbitragem do valor relativo de ações

 

A teoria dos jogos baseia-se em que indivíduos e grupos ora aliam-se, ora confrontam-se conforme interesses momentâneos. Elas podem guerrear entre si, mas também se podem transformar em grandes conglomerados. A Nissan, por exemplo, consumiu mais de vinte anos de pesquisa para desenvolver a transmissão com variação contínua com árvores toroidais. Ela só funcionou depois de se desenvolver um lubrificante que, isento de pressão, minimizava o atrito e, sob pressão, tornava-se momentaneamente sólido e aderente e capaz de transmitir torque. A transmissão toroidal mostrou-se cara demais perante os outros tipos de CVT com polias variáveis.

O chamado câmbio CVT Toroidal, desenvolvido pela Nissan (foto: divulgação/Nissan)

Esse lubrificante permitiu usarem-se transmissões continuamente variáveis em veículos virtualmente de qualquer potência. Carlos Ghosn viu negócio no óleo, e não necessariamente na transmissão toroidal. Sem esse conhecimento, provavelmente, a fusão com a Renault não teria acontecido. A Google comprou a Motorola, ficou com as patentes e vendeu a fabricação para outras empresas, separando o mercado de smartphones do de redes e itens profissionais. Empresas podem ser avaliadas pelo que tem, pelo que fazem, pelo que sabem e por como são entendidas pelo mercado. Usam-se as técnicas de valuation para estabelecer a razão de troca das ações nos processos de fusões e aquisições. Uma ação da companhia A pode valer duas da companhia B.

De forma simplificada, se for uma compra, cada acionista da companhia B receberá uma ação da companhia A para cada duas que já possua. Se for uma fusão, supondo que A e B contem com cem mil ações circulando no mercado, a nova empresa contará com cento e cinquenta mil, mantendo o valor de A + B. Naturalmente, o mercado pode enxergar a fusão de formas diversas, e o resultado poderá ser maior ou menor do que o valor nominal da nova empresa. Qual é esse valor nominal? É sobre isso que se debruçam contadores, economistas e executivos. Acionistas só têm acesso ao resultado.

O que a empresa possui não importa muito, porque terrenos, fábricas, máquinas e equipamentos não pagam contas. Carros prontos no pátio só importam se sua quantidade não exceder quarenta e cinco dias de vendas normais. Se o estoque estiver muito baixo, é ruim porque não haverá para entregar, sendo vendas perdidas; em contrapartida, se estiver muito alto, é sinal que o mercado não está escoando o produto. As vendas já feitas, ainda por receber, representam os riscos de crédito e moral.

Já a liquidez, que representa a capacidade de pagar contas, é de suma importância. Por causa disso, os balanços tendem à padronização e a apresentar as contas do ativo do mais líquido para o mais permanente; enquanto isso, as contas do passivo são apresentadas em ordem crescente de prazo, indo das de pagamento imediato para o não exigível, que corresponde ao capital social. Com base nesses dados, os investigadores calculam os índices de liquidez e os índices de risco do negócio, e arbitram um valor para as ações com base no que houver de material nela.

O segundo passo é avaliar o que a empresa faz, se o mercado não está saturado, tal que se avalie se a retirada de uma delas do mercado poderá reposicionar positivamente a outra, ou mesmo, a junção possa atacar mais eficientemente a concorrência. O terceiro passo é avaliar a empresa pelo que ela sabe e isso se mede pelo número de patentes registradas e, principalmente, pelos royalties obtidos a partir delas. Finalmente, avalia-se a empresa por como ela é vista no mercado, ou seja, o valor de sua marca. Isso ocorre mesmo nas marcas premium. A separação entre Citroën e DS ou entre Toyota e Lexus, por exemplo, provavelmente, alterou o valor das ações de suas detentoras.

Fábricas de automóveis compram-se e vendem-se entre si, de sorte que o quesito “fazer” não é alvo de avaliação. O setor automobilístico desenvolveu um cluster de produção altamente compartilhado, a ponto de, no Brasil, serem chamadas de montadoras. É só observar o padrão de suspensão dianteira McPherson e traseira por eixo de torção, por exemplo. Não há exclusividade alguma nisso. Assim, o quesito “saber” não importa muito porque, mal ou bem, todas sabem fazer.

Fabricar produtos conscientemente de qualidade faz a diferença pela mudança de imagem perante seu público, porém, o resultado do investimento em marketing é que dá fama aos produtos, mesmo que o produtor mude de mãos. Esse foi o caso da Jeep, que a Willys cedeu à Ford, que vendeu à Chrysler, e mesmo assim continua sendo uma marca de valor. Dessa forma, no setor automobilístico, empresas fundem-se ou compram-se por dois quesitos principais: o que elas têm e como são vistas pelo mercado.

No Brasil, as coisas são um tanto particulares, mas isso é uma outra história.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.