Um Fiat 147 que para ser uma bomba só faltava o pavio

Se você é leitor assíduo dessa coluna “Carros e Causos”, certamente vai se lembrar da história do Corcel que cuspia laranja por um furo de ferrugem na lanterna traseira. O tal Corcel, um LDO 1978, atacava laranjada em todo mundo que se atrevia a andar atrás dele. Um carro revoltado e agressivo que seu dono, meu amigo Hélio e sua esposa querida Nágila, resolveram vender em 1989, depois que os enormes buracos da carroceria faziam entrar água e sujeira pra dentro do carro. Não dava mais!

Quando Hélio colocou seu Corcel podrão a venda, por incrível que possa parecer, o carro ainda tinha uma mecânica em bom estado. Apareceram alguns interessados, mas de concreto mesmo foi a proposta de um chileno, que possuía um Fiat 147 L 1978 branco, com uma carroceria muito boa, sem buracos de ferrugem. E isso já animou meu amigo. A proposta do chileno era a de uma troca pau a pau, como se costuma dizer popularmente quando não há dinheiro envolvido.

Fiat/Divulgação

Hélio pensou: “ambos estão com 11 anos de vida útil e o Fiat, apesar de menor, está com uma carroceria conservada. Com minha esposa Nágila grávida, preciso de um carro mais seguro, por isso vou topar a troca!”. Assim foi feito. O chileno levou o Corcel II LDO 1978 podrão e Hélio ficou com o Fiat 147 L 1978. Feliz da vida, meu amigo logo marcou uma viagem para Ubatuba, no litoral-norte paulista, para testar o novo carrinho. Para ir, descer a serra e passear pela praia, todo o santo ajuda. Foi na volta que o 147 começou a mostrar porque era chamado de carro-bomba. Se a carroceria estava boa, vocês não imaginam a catástrofe da mecânica!

Na volta da tal viagem, veio a famigerada subida da serra: se para descer todo santo ajuda, para subir toda coisa ruim segura! Seu pequeno motor 1050 já estava pra lá de cansado, e fumava tanto que, na subida da serra, começou a sair fumaça até pela coifa da alavanca de câmbio, fedendo todo interior do carro. Já imaginaram o carro gemendo para subir e soltando fumaça até onde não podia mais? E Hélio já tinha percebido algumas falhas: a primeira delas é que ele não conseguia engatar a terceira marcha, sempre pulava de segunda para quarta e. Segundo ele, só a esposa Nágila conseguia engatar a tal terceira. Se ele estava sozinho, pulava da segunda para a quarta, e se estivesse com a esposa, ela engatava a terceira.

Além disso, uma voltinha no tal 147 resultava em um cheiro de gasolina terrível: era preciso lavar blusa, camisa, calça e até as roupas de baixo. E no banho era preciso caprichar lavando a cabeça e o restante, porque senão o fedor de combustível era fatal. A volta de Ubatuba, apesar de sofrida, permitiu que o casal chegasse em São Paulo. Mas Hélio, além de teimoso e aventureiro, gostava de se arriscar. Naquela época, em 1989, a mãe da Nágila estava morando no Rio de Janeiro, e o casal resolveu sentar no 147 bomba e rumar para lá. Como sempre, para descer para o Rio todos os santos ajudaram, e a Nágila estava presente para engatar a terceira quando era preciso. Pois bem, chegaram lá, passearam, se divertiram e aí chegou a hora da volta, o terror do 147, que era a subida da serra.

Fiat/Divulgação

Lembrando a todos que a Nágila já estava com um barrigão, esperando a chegada do filho Pedro, hoje Dr. Pedro Henrique Pina Silva, um proeminente veterinário equino na cidade de Bariri, no interior paulista. Na volta, não deu outra: o cheiro da gasolina, a fumaça que saia pela alavanca do câmbio e o vai e vem da subida da serra das Araras na Via Dutra causaram à gravida um tremendo enjoo, que ela carregou até voltar para sua casa em São Paulo. Além disso, um dos quatro cilindros do motorzinho do 147 parou de funcionar, e os três restantes insistiam em falhar. Bem mais lento, mais caminhando, o 147 branco, acreditem, conseguiu chegar a São Paulo.

Mas, Hélio sabia que não dava mais para conviver com o bonitinho, mas ordinário, 147. Ele não aguentava mais o repuxo de uma viagem e logo pedia arrego. E Hélio já estava cheio de tomar banho e trocar de roupa toda vez que dava uma volta no branquinho. A esposa Nágila então pegou um enjoo crônico do tal Fiatinho, que não podia nem chegar perto dela.

Hélio estava decidido: “vou vender essa bomba antes que ela exploda nas minhas mãos!”. Todos os compradores interessados achavam o carrinho bonitinho e simpático, mas quando davam uma volta para experimentá-lo, imediatamente desistiam da compra.

A cada dia, a bomba estava mais prestes a explodir. Que medo! Nesse ponto do desespero, veio a ideia brilhante: fazer uma rifa para se livrar do indesejado. Em que pese as trocas de padrão monetário que tivemos de 1989 para cá, Hélio acredita que fez uns 200 números, que vendia a cerca de 50 Reais, no dinheiro atual, cada um. Além disso, ele tomou como referência o resultado da loteria federal na época. Uma barbada para quem ganhasse, pois a aparência do carro era muito boa, e por um valor tão irrisório, meu amigo Hélio vendeu rapidamente os 200 números, arrecadando cerca de 10 mil Reais atuais.

A loteria correu em um sábado no final da tarde/inicio da noite, como tinha que ser. Hélio, nessa época, morava no bairro da Casa Verde, e neste mesmo sábado a noite, foi com a esposa Nágila visitar sua mãe no bairro da Freguesia do Ó. Pra quem não sabe, são localidades bem vizinhas na cidade de São Paulo. No transcorrer da visita, era cerca de oito da noite e bateram na porta da casa de sua mãe: acreditem, a moça que ganhou o 147 bomba estava lá reclamando o seu prêmio! Na realidade, a festiva ganhadora procurou Hélio em sua casa depois de ganhar definitivamente o 147, e não o encontrou. Ela conhecia o seu irmão e foi atrás dele, que contou que Hélio estava na casa da mãe deles.

Fiat/Divulgação

A alegre ganhadora não se fez de rogada, e como tinha um parente que a carregava de carro, rumaram para a Freguesia do Ó, pois ela queria o seu prêmio naquele instante. Nunca vi ninguém correr tanto atrás de uma bomba que estava prestes a explodir! Hélio, ainda assustado, encerrou a visita na casa da mãe, pegou o 147 naquela que seria a última viagem dos três juntos e foi para casa. Claro, acompanhados da nova proprietária, que não se afastava de perto do seu novo meio de transporte.

Retornaram a residência do Hélio no bairro da Casa Verde, e a moça quis imediatamente o seu prêmio. Hélio retirou tudo que era dele de dentro do carro, principalmente a esposa e o filho que estava chegando e, ali mesmo da porta do prédio onde morava, a moça partiu com 147 branquinho. Fico pensando como ela fez para engatar a terceira marcha sem a Nágila no carro. Mas também, pelo preço que pagou o carrinho da Fiat, ia reclamar de que?

Essa foi uma daquelas situações inusitadas que meu amigo Hélio ficou feliz em se livrar da bomba fedendo a gasolina, e a moça que levou o carro ficou feliz pelo seu novo bem, que foi comprado por um preço tão irrisório. Se todos saíram no lucro, é um claro sinal de que tivemos uma história com um final feliz. Apesar de trabalharem juntos na mesma empresa, tanto Hélio quanto a feliz proprietária do 147 nunca falaram sobre o carro. Sinal que, de fato, ela gostou do carro, e a história terminou bem!

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.