O carro elétrico e o apagão (parte 3/3)

(foto de abertura: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Resíduos

A teoria econômica mudou demais nos últimos quarenta anos e, como estou formado há quarenta e dois, sinto-me na obrigação de estudar constante e profundamente. Logo nas primeiras aulas do curso, víamos que a produção vem de três fatores: terra (recursos naturais), capital (trabalho cristalizado) e trabalho (esforço humano em modificar algo). Hoje, considera-se um quarto fator: os resíduos, que são o reflexo material de nossa ineficiência. Poderíamos dizer que a eficiência ambiental de um sistema econômico seria dada pelo peso dos resíduos dividido pelo PIB, ou seja, quantos gramas de resíduo são expelidos por unidade monetária de renda agregada num dado período.

Como, na Natureza, nada se cria, tudo se transforma, o que vai determinar se um recurso é renovável ou não depende de exceder ou não a expectativa de vida do ser humano. Se um tipo de lixo se incorpora à Natureza em vinte anos, é renovável; se demorar mais de oitenta, é não renovável. Aí vem a preocupação com as baterias dos carros elétricos. Reciclar resíduos não é novidade. O papel, por exemplo, era o resultado da maceração de tecidos, até que passasse a ser retirado da celulose primária.

A bateria dos carros elétricos: as grandes dúvidas entre seus insumos e descarte final (Foto: Audi/Divulgação)

Havia os trapistas que, desde a Idade Média, recolhiam trapos – quanto mais sebentos, melhor – e os cozinhavam até virar uma pasta para então ser calandrada, transformando-se em folhas para escrever. Quem tem mais de quarenta anos está acostumado com os compradores de garrafas e papel para reciclar vidros, enquanto empresas como a Gerdau nasceram da reciclagem do ferro.

O que determina o nível de reciclagem é o preço da matéria-prima, a ponto de os economistas dividirem as reservas entre naturais e criadas. Se o alumínio de latinhas recicladas ficar caro, minera-se, caso contrário, recicla-se. E essa concorrência entre os recicladores e os mineradores acaba por regular o preço da substância. Por que com as baterias de lítio isso seria diferente? É que, por enquanto, não se desenvolveu uma tecnologia capaz de recuperar o lítio a baixo custo, então caímos no mesmo caso das latinhas, sempre dependendo do preço da matéria-prima.

Na medida em que a demanda por lítio aumenta, seu preço tende a subir e a reciclagem tende a tornar-se viável. É claro que a demanda também incentiva a mineração em locais em que ela não era viável até então. Exemplo disso é mineração de petróleo em águas cada vez mais profundas, até chegar ao pré-sal. Ocorre que o petróleo, além de não renovável, não é reciclável, visto que não se pode transformar os resíduos em petróleo, sequer parcialmente, como se faz com o chumbo das baterias automobilísticas tradicionais. Mas o lítio, mais cedo ou mais tarde, permitirá o reuso, hoje tão propalado para a água.

Parte da matéria-prima das baterias comuns de carros já é reciclada (Foto: reprodução/internet)

Os materiais empregados para geração e transmissão de energia devem ser preocupação maior. A substituição do cobre pelo alumínio nas linhas de transmissão, seja pelo custo, seja pela incidência de roubos, é prova de que a tecnologia nem sempre caminha na direção da eficiência, haja vista que a condutividade do alumínio é mais de 30% pior que a do cobre, e este último é tão caro que sua mineração é medida em ppm (partes por milhão). E estamos falando de algo que se torna viável acima de 13ppm, ou seja, para tirar treze tonelada de cobre, movimentam-se um milhão de toneladas de minério, gerando uma enormidade de resíduos. Sim, no processo, obtêm-se minerais nobres, inclusive, o ouro, sempre em ppm, o que pode até agregar valor, mas não aumenta a eficiência.

Uma mina de extração de insumos, dentre eles o cobre (Foto: reprodução/ppi.gov.br)

Duas tecnologias podem ser o lenitivo para tão grandes preocupações: o grafeno e a fusão nuclear, sendo que a segunda depende do desenvolvimento da primeira. É que o grafeno, além de ser o material mecanicamente mais resistente que existe, ainda é 40% mais condutivo que o cobre. Na fusão nuclear, um grama de deutério fornece a mesma energia térmica que trinta milhões de toneladas de carvão, dez vezes mais que a fissão nuclear e sem gerar radiação, sem perigo de explosão. A fusão nuclear depende de um campo magnético fortíssimo para conter o plasma numa temperatura entre três e dez vezes maior que a do núcleo do sol, portanto, sem grafeno, sem fusão nuclear.

Os cientistas prometem que as duas soluções se tornem viáveis industrialmente lá pelo ano 2050. Infelizmente, não estarei aqui para ver isso. Mesmo assim, as usinas decorrentes serão termoelétricas que, por mais limpas que possam ser, não diferem do que já se conhece há mais de cento e cinquenta anos. Resumindo, não se fazem omeletes sem quebrar ovos.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.