Plano Safra para automóveis

A MP 1.175/2023, que visa a incentivar a indústria de automóveis, era aguardada desde seu anúncio por Lula no dia da Indústria. A partir daí, a imprensa tida como especializada vem discutindo o assunto, geralmente, apontando suas falhas. Elas existem sim, mas há pontos muito positivos que podem ensejar atitudes perenes e não como a ideia de safra, que só se pode aplicar à agricultura.

O novo projeto de incentivos a indústria de automóveis, com o intuito de baixar o preço dos carros mais populares, até tem suas falhas, mas pontos muito positivos (Foto: Fiat/divulgação)

Sim, há uma ideia de safra porque a verba estipulada, respeitando o marco fiscal, põe o incentivo em número finito, ou seja, são R$1,5 bilhões cuja fonte é a antecipação dos impostos sobre o diesel, tal que o orçamento federal como um todo não se altere.

É justamente nessa fixidez que reside o maior problema. Cria-se uma tendência de a indústria limitar a queda de preços à desova dos estoques represados, seja pela pandemia, seja pela hecatombe econômica que se abateu sobre o país nos últimos sete anos. É que o valor destinado aos carros de passeio e veículos leves de transporte é de somente R$500 milhões que, imaginando uma correspondência de R$10 mil por carro, equivalem a cinquenta mil unidades, ou seja, 2,5% das vendas estimadas para este ano.

Em uma conta rápida, com média de R$10 mil de abono para cada unidade, são cerca de 50 mil carros integrando o programa, ou 2,5% da expectativa de vendas de 2023 (Foto: VW/divulgação)

Considerando-se o ritmo de retomada de nossa economia, até não é insignificante, porém, já provoca uma corrida às agências, pois as condições tendem a voltar às anteriores muito rapidamente. Pode ser que, considerando-se o número de carros vendidos para locadoras, essa percentagem torne-se mais importante. Não temos dados para corroborar ou negar a hipótese.

O valor destinado aos caminhões é maior que o dos carros, R$700 milhões, e, nesse caso, o intuito é diminuir bastante a idade da frota nacional (Foto: VW/divulgação)

Para caminhões e ônibus são, respectivamente, R$700 e R$ 300 milhões. A intenção é retirar veículos com mais de vinte anos de circulação, encaminhando os usados para reciclagem. Nesse caso, o alcance da medida é muito maior porque, na verdade, o Estado recupera parte dos valores obtidos a partir do desmanche, como em uma conta-corrente. Cabe lembrar que, em quase todo o Brasil, o limite para a idade dos veículos para transporte de passageiros é de dez anos, muito embora as empresas tendam a usar por períodos maiores via liminares intermináveis.

Ter uma frota de ônibus mais nova reflete diretamente na melhor qualidade do transporte, principalmente público. Todo mundo sai ganhando (Foto: Volvo Bus/divulgação)

O fato é que o transporte público de melhor qualidade, assim como o transporte de mercadorias por meios mais racionais influem positivamente na competitividade do país. Nesse caso, não é só o ambiente que ganha, mas toda a economia.

A ideia de atribuir pontos para que o subsídio seja concedido é bem interessante porque leva em conta a eficiência energética em mega joules por quilômetro rodado, como faz o INMETRO para a etiquetagem veicular de consumo. O joule é uma medida que se pode usar para qualquer fonte, portanto, sendo eficaz para ser usado até com eletricidade. Aliás, uma coisa é a eficiência energética dos sistemas elétricos, outra coisa é a eficiência energética do veículo, posto que ele tem que portar baterias pesadas que, dentre outras coisas, reduzem sua autonomia.

Também leva em consideração o quão renovável a fonte de energia seja. Isso implicou em separarem-se os veículos somente a álcool dos flex devido a especificidade de combustível otimizar o rendimento térmico, mesmo que não haja veículo algum em produção que só queime etanol. Como discutido em outro espaço, o fornecimento de álcool não é confiável, pois os usineiros tendem a dedicar-se ao açúcar quando seu preço sobe no mercado internacional. O mesmo se pode dizer do milho.

Mesmo não tendo nenhum carro movido só a álcool no Brasil, eles foram divididos dos flex. Lembrando que o fornecimento de álcool é pouco confiável por aqui (Foto: John Deere/divulgação)

Em vários países existe um incentivo à troca da frota via aquisição do material rodante obsoleto, o que, mais ou menos, equivale ao que se propõe a MP em questão. É que no nosso caso, o resgate do “pau velho” resume-se aos veículos de uso comercial e, mesmo entre eles, ficam os leves de fora. Se a intenção for perenizar os incentivos, será preciso trabalhar com verdadeiras linhas de desmanche, o que não é estranho à própria indústria, como já visto em outra matéria em outro espaço.

A medida tem grandes chances de trazer algo positivo a nosso mercado automotivo e indústria de carros, mas ela é temporária (Foto: Chevrolet/divulgação)

Como pontapé inicial, a medida pode trazer resultados interessantes, mas não de forma definitiva. Para isso, é preciso incentivar a engenharia nacional, alternando a forma com que o índice de nacionalização é calculado, passando dos componentes nacionais para o peso dos projetos brasileiros na constituição do veículo. Além disso, é importante deixar claro o papel do BNDES como exim bank, pois a necessidade de escala é sempre crescente.

 

A coluna Carro, Micro & Macro, bem como o conteúdo nela publicado, é de responsabilidade do seu autor, e não necessariamente reflete a opinião do Carros&Garagem.
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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.