O consumo e a arte de medir: km/litro, litro/100 km, litro/hora, kg/hora

Noutro espaço, um articulista comparou a nossa forma de anunciar consumo com a que se usa na Europa. De fato, quilômetros por litro não representam consumo, mas produtividade. Já litros para cada cem quilômetros, como usam os europeus, indicam quanto de combustível foram consumidos no trajeto. Mesmo estando equivocado usar o termo consumo, como aqui ou nos Estados Unidos, cabe a praticidade.  

Apesar de o termo “consumo” não ser o mais adequado, assim como a medição de km/litro, seu uso é indicado pelo fator da praticidade. A palavra “autonomia” para se referir ao alcance com o combustível do tanque é outro exemplo (Foto: Lucca Mendonça)

Ninguém diz que são consumidos quinze minutos de torno para cada mil duzentos e cinquenta parafusos. Qualquer profissional, que trabalhe numa metalúrgica, diz que o torno produz cinco mil parafusos por hora. Então, o que está correto? A resposta é um cabal e inquestionável “depende”. 

Partindo do princípio de que carros foram feitos para andar e o caminho se mede em quilômetros, parece mais lógico usar quilômetros por litro (km/l). Se eu sei que meu carro está com um quarto de tanque e cabem 40 litros, com um carro fazendo 8 km/l, sei que minha autonomia esperada será de 80 km. Façamos a mesma conta no método europeu: meu carro consumirá 12,5 l/100 km e, com o mesmo quarto de um tanque de 40 litros (10 l), então tenho de calcular 10 x 100 / 12,5 = 80 km.  

O cálculo do consumo no método de km/l é, realmente, mais fácil e rápido de ser feito (Foto: Nissan/divulgação)

Não há quem duvide de que a primeira conta é muito mais intuitiva do que a segunda. Se intenção for planejar uma viagem, a balança pende ainda mais para o sistema que usamos, dos quilômetros rodados a cada litro consumido. Para uma viagem de 237 km, usando o mesmo carro, só de olhar, sabemos que serão necessários, aproximadamente, 30 l. Usando o sistema europeu, a conta fica 12,5 x 237 / 100 = 29,425 l. Sem calculadora, não dá. Dá para se acostumar? Claro que sim, da mesma forma com que americanos e ingleses se acostumaram com o fato de uma jarda valer três pés e que cada pé vale doze polegadas. 

Até pela interpretação mais fácil, e aferição por parte do motorista, praticamente todos os carros nacionais usam o método de km/l mostrado no painel de instrumentos. L/100 km? Só em alguns europeus (Foto: Lucca Mendonça)

Mantendo-se o raciocínio, em que o que vale é a praticidade, tratores, por exemplo, foram feitos para executar uma tarefa consoante os implementos que se lhe acoplaram. Um trator de 70 hp consome 8 l/h para puxar uma carretinha de 3 t. O mesmo trator, puxando uma grade de dezoito discos, consumirá 15 l/h. Mesmo que o ato de puxar uma carreta possa-se medir em quilômetros, o uso desse conceito não fará o menor sentido, porque o que importa não é a distância, mas a carreta que lhe foi acoplada.  

No caso dos tratore, seu consumo é medido em litros por hora trabalhada, aumentando confome os implementos que ele puxa (Foto: Unidas/divulgação)

No caso de uma grade, o sentido que pudesse haver em medir por distância se esvai, porque o tempo que o trator tomará para fazer a tarefa está afeto por outras variáveis muito mais significativas do que o trajeto. Dependerá do quão compactado está o solo, se existem curvas de nível e o tipo de plantio que se deseja fazer. A coisa só tende a piorar quando se engatam vários implementos a um só tempo num mesmo trator. 

O consumo da máquina também varia de acordo com o solo, trajeto e por aí vai (Foto: New Holland/divulgação)

Com aviões, que estão sujeitos a ventos contrários ou de cauda, altitude e peso transportado, também é muito mais lógico trabalhar com litros por hora nas aeronaves com motores a pistão, enquanto a medição de consumo funciona muito melhor em peso por hora nos aviões de grande porte. Um 737-Max consome algo como 950 kg de combustível por hora voada, sem contar que a decolagem pode multiplicar esse valor por três, dependendo da temperatura ambiente no momento, bem como da altitude em que se encontra a pista. 

A medição dos aviões? em quilos de combustível queimado a cada hora voada, dada a gigantesca capacidade de seus tanques (Foto: Aero Icarus/Flickr)

Há ainda os grupos geradores que não saem do lugar, os estacionários. Eles são cada vez mais comuns nos prédios de apartamentos, além de serem usados por grandes empresas para reduzir o valor da conta de energia nos horários de pico. É que, nesse último caso, seu uso reduz o fator de carga da instalação sem gerar multa. Na verdade, essa prática é até incentivada pelas distribuidoras de energia elétrica para reduzir a dimensão de equipamentos como transformadores e subestações. Também se usam litros por hora num ambiente muito menos sujeito a variações como nos demais exemplos, exceto pelo fato de que o combustível também está sujeito a deteriorar-se com o tempo, especialmente o diesel, muito higroscópico, podendo até mesmo ser substituído periodicamente. 

Os geradores estacionários a combustível líquido também usam a mesma forma de medição dos tratores: litros a cada hora de operação (Foto: CAT/divulgação)

O mercado de carros elétricos é que ainda não assumiu uma forma clara de medição de consumo. Por mais que este autor defenda o uso de kWh/km, ainda se usa somente a autonomia nominal devido ao medo de ficar na estrada, além da reiterada comparação com os veículos à combustão. Enquanto isso, os híbridos continuam tendo os dois tipos de medição, a das Américas e a Europeia. 

Instrumentos e multimídia fazem um bom par (Foto: Lucca Mendonça)
O padrão de medição de consumo de energia dos elétricos ainda varia: algumas fabricantes usam o padrão europeu com kWh/100 km, e outras já padronizaram o km/kWh (Foto: Lucca Mendonça)

O fato é que medir consumo é um eterno tema para discussão acalorada. Existe o certo e o errado? Conceitualmente sim, mas o que interessa é o resultado. 

A coluna Carro, Micro & Macro, bem como o conteúdo nela publicado, é de responsabilidade de seu autor, e nem sempre reflete os ideais e posicionamentos do Carros&Garagem.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.