Enchentes: quando as rodas atrapalham
As forças armadas têm, por função precípua, a defesa do território e, para isso, são necessários homens e máquinas. As máquinas se dividem em três categoria quanto à sua finalidade, destruição, transporte e salvamento.
Na categoria destruição, temos desde as armas brancas de uso pessoal até canhões e mísseis que podem arrasar cidades e eliminar civilizações inteiras. Na categoria transporte, estão de bicicletas e esquis até os aviões, helicópteros e hovercraft, passando por caminhões e uma variedade incalculável de variações e mesclas. Na categoria salvamento, encontram-se todas as de transporte, acrescidas pelos hospitais de campanha, o que transforma a categoria em parte da mescla, haja vista que as armas podem ser móveis, como são os casos dos blindados e dos bombardeiros.
Paradoxalmente, a engenharia de guerra contribui significativamente para o desenvolvimento da engenharia de paz, havendo casos em que a parafernália destinada à destruição se presta ao salvamento e vice-versa. É aí que entram as pessoas, pois são elas que criam as máquinas e decidem para o que serão usadas, se para construir ou destruir.
A inteligência há de ser a melhor arma, seja para a guerra, seja para a paz. Isso implica em que não são os exércitos numerosos que ganham as guerras, mas os mais bem equipados e os mais bem organizados. Em que pese o desvelo com que nossas três armas (exército, marinha e força aérea) atenderam ao chamado da hecatombe no Rio Grande do Sul, o evento pôs a nu uma consistente falta de equipamentos relativamente comuns no estrangeiro. Aqui consideraremos somente dois que poderiam acelerar sobremaneira o atendimento: hovercrafts e aerobarcos. Mas, vários outros são muito úteis.
Primeiro, é bom lembrar que uma enchente prima por largas extensões alagadas, cuja profundidade média é baixa e que as correntezas ou enxurradas são o maior problema. Isso leva os barcos a encalharem. Além disso, as embarcações tradicionais causam marolas que podem ser muito destrutivas. Em lugares em que já há um protocolo de atendimento a enchentes, como é o caso de Blumenau, onde é proibido ligarem-se os motores porque as marolas, entre outras coisas, podem destruir as vitrinas das lojas, portões, além de promover movimentação aleatória do que está submerso. Assim, os carros anfíbios usados pela marinha também ficam restritos em algumas situações.
Os hovercrafts, que flutuam sobre um colchão de ar, podem ser muito úteis em operações como as de desembarque anfíbio. É que, além de navegarem indiferentemente sobre terra ou água, não existem obstáculos como cercas e entulho para serem ultrapassados. Eles simplesmente passam por cima. Eles têm duas desvantagens: o elevado consumo de combustível e o ruído, que pode causar pânico adicional em pessoas ou animais. Além disso são limitados pela baixa manobrabilidade.
Porém, só o fato de não requererem pistas de pouso já é uma vangagem inconteste sobre as aeronaves nas situações de emergência. Além disso, não são limitados em capacidade de carga como os helicópteros. O desembarque na I Guerra do Golfo é prova disso. O problema é que nossas forças armadas não possuem um hovercraft sequer, e já houve desenvolvimento nacional desses aparelhos, como se pode ver nesta outra matéria.
Outros aparelhos que podem ser muito úteis em alagamentos são os aerobarcos como os usados nos banhados da Flórida, também conhecidos por Everglades. São verdadeiras pranchas flutuantes com hélices na popa, tal que não haja nada submerso capaz de causar acidentes ou obstar seu trajeto. Eles são limitados em carga, mesmo assim, capazes de levar algumas dezenas de pessoas como nos passeios nos EUA.
Os Everglades são mais manobráveis que os hovercrafts, mas não estão aptos a trafegarem fora de uma lâmina d’água de 30 cm, além de não poderem emultrapassar quaisquer barreiras minimamente elevadas. Assim, não são dois aparelhos concorrentes, mas complementares, compartilhando um único e sério defeito: nenhum está à disposição de nossas forças armadas.
Outra máquina que também serviria muito bem às nossas forças armadas são os girocópteros, muito usados nos estados do sul dos Estados Unidos como Texas, Alabama e Oklahoma. A vantagem deles, além do baixo consumo, é que podem voar em baixíssima velocidade, sendo capazes de fazer um voo quase pairado, perdendo pouquíssima sustentação. Ele decola como um avião e pousa quase como um helicóptero, permitindo ir aonde um avião não vai e, principalmente, fazer um voo baixo em velocidades inimagináveis para um aeroplano. Provavelmente ele não sirva para resgate, mas pode apontar onde e como os veículos adequados o farão.
Resumindo, a hecatombe pela qual o estado do Rio Grande do Sul está passando tem que ensinar ao país que, se quisermos ter uma defesa civil eficiente, com apoio efetivo das forças armadas, precisamos ter, antes de tudo, um grande investimento em equipamento e em treino para que se possam usar gente e máquinas com a maior inteligência. Aumento de salário e aposentadoria integral sem equipamento adequado é o mesmo que contratar um exército de cirurgiões negando-lhes o bisturi.
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