Fórmula 1, sumidouro de tecnologia (parte 1/4)

A intenção inicial era fazer uma série de matérias contendo exemplos de tecnologias que, mesmo sendo insistentemente testadas e modificadas, não vingaram. Comecei pesquisando as mais variadas soluções para válvulas e seus comandos. Depois de ler uns cem artigos em revistas de universidades e outras especializadas, deparei-me com uma série de cinco matérias primorosas, feitas por André Dantas, no site AutoEntusiastas, entre dezembro de 2011 e fevereiro de 2012. Cheguei à conclusão de que não teria nada a acrescentar e meu espírito científico não se contenta em fazer resenhas. Estava ficando frustrado quando, naquela série de matéria, encontrei o mote para algo muito diferente e, possivelmente, original.

Acompanho a Fórmula 1 desde o início dos anos 1960, na crença de que as competições de automóveis, em geral, e a Fórmula 1, em particular, serviam para desenvolver tecnologias que, a seguir, seriam empregadas nos automóveis. A história recente, no entanto, tem mostrado que se dá justamente o contrário. As competições são progressivamente restritivas, muito mais proibindo do que permitindo. Parecem com corridas de cavalos, em que a natureza dá os limites físicos ao animal e corre-se dentro deles, restando classificar o estágio do ciclo de vida em que se encontram: até três anos sem vitórias, mais que três anos com uma vitória e assim por diante.

O resultado disso é que corridas de cavalos estão perdendo mercado e os Jockey Clube’s já quase não existem, tornando-se monumentos a passado, e até execrado pelos defensores dos animais. Será que a montanha de restrições não vai levar as competições de automóveis a resumirem-se em bizarrias como os enormes “monster cars” dos Estados Unidos? Até quando vai valer a máxima “Win on sunday and sell on monday”?

Esta série, do 2º ao 4º capítulo, vai mostrar que a Fórmula 1, desde a metade dos anos 1980, mais atrapalhou do que ajudou a desenvolver os carros de rua. No 2º capítulo, o foco será nos sistemas de transmissão; no 3º, os de suspensão e freios e, no 4º, os sistemas de admissão, considerando válvulas e respectivos comandos.

Antes, porém, é preciso separar a teoria dos contratos do que se entende como convergência tecnológica. Desde os anos 1930 que se vem estudando porque produtos concorrentes acabam por ficar muito parecidos entre si, e a teoria dos contratos foi a mais apta a explicar o fenômeno. Na medida em que o agente econômico se viu obrigado a escolher entre produzir por si mesmo, ou adquirir de fornecedor externo, foi-se tornando mais e mais dependente do que havia pronto no mercado. Se produzisse internamente, precisaria considerar a venda para concorrentes, a fim de maximizar a escala; se adquirindo de fora, a tendência era adequar seus projetos ao que já existe. Ora, trocando peças entre si, não há como os automóveis apresentarem soluções mirabolantes para venda ao consumidor final.

Alguns dos modelos da Tesla (foto: divulgação)

Ao mesmo tempo, os contratos de fornecimento passaram a requerer grande esforço na cadeia de suprimentos, obrigando a prazos cada vez maiores, cimentando a interdependência. Esta, por sua vez, passou a rejeitar tudo o que não fosse feito “fora de casa”. Resumindo, se não se fabricasse por um membro do seleto grupo de fornecedores de autopeças e partes, as portas estariam eternamente trancadas. Seria preciso uma empresa de fora, com fornecedores externos como a Tesla, para quebrar a fechadura. O melhor exemplo da teoria dos contratos é a fabricação de pneus e a sua padronização de medidas.

A convergência tecnológica é a tendência contrária, de o que se inventa para um produto poder ser aplicado a outro, não concorrente, aumentando a escala do primeiro e modernizando o segundo. A indústria bélica é a grande promotora desse fenômeno. Mísseis usam computadores, blindados lançam mísseis, nada mais natural que um imponha ao outro soluções conjuntas, aproximando as indústrias.

O avião alemão Stuka já contava com um sistema de injeção mecânica (foto: reprodução/internet)

Computadores foram desenvolvidos para a guerra, assim como a Internet nasceu de uma estratégia de defesa do exército americano, ao mesmo tempo em que os sistemas de injeção de combustível visavam a permitir que aviões tivessem uma razão de subida muito maior e não ficassem sem alimentação na transição entre subidas e descidas. Era de se esperar que, um dia, teríamos computadores dedicados ao sistema de injeção, que pode até ser atualizado pela internet. De novo, a fabricante Norte-Americana Tesla surge com a solução de empregar baterias de celulares para acumular energia para seus veículos.

Os dois fenômenos, teoria dos contratos e convergência tecnológica, caminham juntos, como veremos nos próximos capítulos.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.