Tecnologia e mercado, momentos de decisão (parte 1/3)

Thomas Kuhn (1922 – 1996), em “A Estrutura das Revoluções Científicas”, aproveitou seu conhecimento de Física, História das ciências e Filosofia para descrever como a ciência caminha. Ele criou o termo “paradigma” que pode ser uma descoberta, ou a assunção de um novo conceito. Paradigmas são mais ou menos como as ondas emitidas por um rádio, que se vão afastando em forma de círculos até se dissiparem. Isso se pode aplicar aos estágios do conhecimento humano, quando o conhecimento científico e a consequente tecnologia já não satisfazem e começa um período de turbulência.

É então que entra um novo paradigma em cena e a humanidade dá um salto para um novo patamar de conhecimento. Nesse período, continua-se avançando, porém, dentro de bases incontestes. Um belo dia, nota-se que aquele conjunto de saberes não satisfaz a necessidade de evolução e um novo paradigma entra em cena para dar início a um novo período de ciência normal. Por causa disso, falar em “quebrar um paradigma”, como se nos estivéssemos referindo à quebra de um tabu é a mais contundente mostra de desconhecimento da História das Ciências.

Falando sobre a indústria de automóveis, em que estágio estamos? Meu irmão mais novo, que é mecânico de automóveis, aos quatro ou cinco anos, ganhou um tratorzinho de pedalar muito bonito. Interessante é que, dos dois lados do cofre, havia um adesivo com os componentes mecânicos impressos. Sabe-se lá que fim levou. Nos anos 1960, quando esse brinquedo surgiu em casa, não havia dúvidas acerca da tecnologia. Fazer andar sem cavalos só poderia depender da gasolina ou do diesel. Qualquer outra tecnologia era prontamente descartada. Cilindros, pistões, árvore de manivelas e o resto do motor tão nosso conhecido formam um paradigma tecnológico.

De 1954, o Fiat Turbina que, como dizia o próprio nome, era movido por uma turbina a gás (Foto: Fiat/divulgação)

A Fiat, nos anos 1950 e a Chrysler nos anos 60 tentaram introduzir as turbinas a gás. A Chrysler chegou a vender meio milhão de carros com motores a combustão e sem pistões. Os profetas do passado põem a culpa na forma de conduzir, sempre dependendo de a turbina encher para iniciar o deslocamento. Mas isso teria solução, a partir de conversores de torque capazes de tirar o veículo da imobilidade, além de se ajustar a curva de aceleração, o que seria possível com a eletrônica. Na verdade, o que matou a iniciativa foi a exclusividade. Não havia uma cadeia de suprimentos capaz de fornecer todos os componentes em larga escala e, por causa disso, não se desenvolveram as pesquisas mais básicas, que iam da metalurgia à eletrônica. Para todos os efeitos, não havia discussão: carros só se movem com motores a pistão, como dizem os especialistas em aeronáutica. Estava-se num período de ciência normal.

Na década seguinte, era a vez do Chrysler Turbine, com a mesma concepção do Fiat (Foto: Chrysler/divulgação)

Nos anos 1980, a eletrônica intrometeu-se na mecânica e tudo começou a mudar, começando pelos processos industriais e chegando aos produtos tradicionais, passando por muita inovação. Mas, onde foi que a eletrônica provocou maior revolução? Nos métodos de controle. Em 1969, fui a um centro de processamento de dados com meu primo. Fiquei impressionado com os rolos de fita igualando-se, depois o da direita ficar mais cheio, depois mais vazio, depois mais cheio, sempre em intervalos menores, até parar.

Meu primo me disse que o computador estava procurando uma dada informação, daí ficar indo e voltando com enorme precisão. Nos anos 1970, já tínhamos gravadores com chaves eletrônicas e sensores de movimento, a ponto de podermos teclar o reverso enquanto a fita rolava para a frente, sem quebrar nada. A gente via a fita parar e só então se ouvia o relé do reversor ser acionado, tudo à base de circuitos lógicos.

Dalí para os tornos e prensas foi somente um passo, permitindo produzir a custo baixo peças cada vez menores e mais precisas, o que, por sua vez, facilitava a automação, num ciclo virtuoso que nunca mais parou.

Toda essa tecnologia chegava nos automóveis durante a década de 70 e 80. Na foto, o Orca Concept, da Italdesign (Foto: divulgação)

Como era de se esperar, esse enlace tecnológico chegou aos automóveis, sofisticando-os muito rapidamente. De forma igualmente rápida, a engenharia viu-se num beco, ou seja, a corda tecnológica já se tinha esticado ao máximo, deixando pouquíssima margem para a inovação. Tudo leva a crer que estamos entrando num período de turbulência, restado saber qual será o próximo paradigma. A necessidade de “limpar” o planeta é grande, mas tudo indica que é falta de opção dentro do paradigma atual que nos impele uma grande transformação que excede a inovação em produto, indo a tudo o que se refere a ela, inclusive, o mercado.

Na próxima quinzena, faremos um desfile de tecnologias, com seus prós e contras. Na quinzena seguinte, a discussão será acerca do paradigma mercadológico.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.