Ford Corcel: uma história de sucesso que unia economia e conforto

A história do Ford Corcel não se iniciou no Salão do Automóvel de 1968, quando ele foi oficialmente apresentado ao público consumidor brasileiro. Na realidade, a história desse carismático carro, cujo logotipo era um cavalo selvagem, começou lá no início dos anos 60, quando a Willys Overland do Brasil, que tinha um contrato de parceria com a marca francesa Renault, e produzia alguns de seus modelos europeus por aqui. A Willys, juntamente com a Renault, iniciou, ainda na Europa, o projeto de um carro médio para os mercados de lá e da América do Sul.

O Renault R12, irmão do nosso Corcel (Foto: Renault/divulgação)

Esse tal projeto, batizado aqui no Brasil de Projeto M (de “médio”), ficaria conhecido no Velho Continente como Renault R12. O carro deveria, aqui no Brasil, ser lançado pela Willys no final de 1968. Acontece que, na América do Norte, a Ford adquiriu o controle acionário da matriz Willys-Overland America, e, consequentemente, a Ford acabou adquirindo também a Willys aqui do Brasil, com o Projeto M já bem maduro, quase pronto para ser lançado. Com relação ao Renault R12 europeu, nosso Corcel, que até então era da Willys e passou a ser da Ford, tinha uma carroceria com desenho 100% brasileiro, mantendo a mecânica original do carro francês (motor, câmbio, suspensões, freios, direção, e por aí vai).

No início de 1968, a Ford assumiu também esse projeto, dando a ele a personalidade que a marca guardava em todo o mundo: características de motor, comportamentos de suspensões e direção, além do conforto e silêncio ao rodar característicos da marca. E, claro, esse Projeto M foi batizado de Ford Corcel, uma clara alusão ao cavalo selvagem do seu logotipo, obviamente pegando carona no Mustang, outro sucesso mundial da marca com nome de cavalo.

O nome Corcel remetia a uma raça de cavalos selvagens, e, assim como o visual, remetia ao ícone Mustang (Foto: Ford/divulgação)

Inicialmente, o Ford Corcel foi apresentado ao modelo brasileiro apenas na carroceria de quatro portas, equipado com um moderno e econômico motor 1.3 de 68 hp e 10,4 mkgf de torque, que trabalhava em conjunto com um câmbio manual de 4 marchas. E ele ainda foi pioneiro em um componente mecânico: o Corcel foi o primeiro carro nacional equipado com vaso de expansão no sistema de arrefecimento, novidade que poupava o motorista de ficar colocando água no radiador quase que diariamente (o próprio sistema devolvia o excesso em um recipiente de vidro, aspirando novamente quando fosse necessário). Além disso, ele tinha como opcional os freios a disco nas rodas dianteiras, um item bastante inovador para a época.

O destaque do novo carro ficava por conta do silêncio e conforto ao rodar, além do baixíssimo consumo de combustível para os padrões da época. O sucesso do Corcel encantou o consumidor brasileiro, tanto que, em seu primeiro ano de produção (entre sua apresentação no fim de 1968 e o fim de 1969), foram vendidas quase 50 mil unidades. E a família continuou a crescer: em 1969 chegava a carroceria coupé de duas portas, com linhas bem graciosas e atraentes quando comparadas as do sisudo Corcel 4 portas. Agora, com duas opções de carroceria, o médio da Ford passava a fazer ainda mais sucesso.

Com as vendas em alta, a carroceria coupé não demorou para ser lançada (Foto: Ford/divulgação)

Ainda em 1969, aproveitando o lançamento da carroceria duas portas, chegava versão esportiva GT. Além dos adereços típicos dos modelos esporte, como faixas adesivas, teto em vinil, capô do motor pintado em preto fosco com uma imitação de Scoop, rodas de aço exclusivas e faróis de neblina, o interior também era personalizado, com conta-giros na instrumentação e console com medidores adicionais. Na mecânica, o GT utilizava o mesmo motor 1.3 do restante da linha, mas com um carburador de corpo duplo Solex (feito na França), além de um novo coletor de admissão. Assim equipado, o 1.3 de origem Renault passava dos 68 hp para saudáveis 80 hp, com uma pequena melhora no torque máximo (de 10,4 mkgf para 10,6 mkgf).

O Corcel, até então, era sucesso em todas as suas versões, incluindo a esportiva. Falando nela, a GT recebeu uma dose de veneno adicional em 1972: o motor 1.3 de carburador duplo deu lugar a um novo 1.4, também com carburador de corpo-duplo, que rendia 85 cv. O brilho vinha mesmo no maior torque, o que garantia acelerações mais vigorosas. Com esse aumento da cilindrada do motor e ganho de potência, o Corcel GT (Gran Turismo) passava a ser chamado de Corcel GT XP (Grand Turismo eXtra Power). Agora, ele cumpria a prova de 0 a 100 km/h em cerca de 17 segundos, atingindo os 145 km/h de velocidade máxima. Números que atualmente são ruins até para os populares 1.0, mas que, na época, eram dignos de versões esportivas.

A família crescia com a chegada da versão esportiva GT, cheia de diferenciais e com visual exclusivo (Foto: Ford/divulgação)

No ano seguinte, em 1973, mais novidades na linha do modelo: chegava a hora da primeira reestilização visual, além de mudanças mecânicas. A frente graciosa e delicada dos primeiros modelos deu lugar a uma dianteira mais quadrada, agressiva e robusta, e a lanterna traseira cresceu, passando a clara impressão de um carro maior e mais maduro. Esse novo visual deu mais personalidade ao Corcel, que já completava seu quinto ano de mercado. A tecnologia do motor 1.4, antes exclusivo da esportiva GT XP, passou a ser comum a toda a linha, perdendo apenas o carburador de corpo duplo (esse mantido apenas na configuração esporte). Com carburação simples, o 1.4 passou a render 75 hp, e se transformou no motor padrão de toda a linha.

Primeiras novidades no visual vinham na linha 1973: frente mais quadrada, similar a do Mustang (Foto: Ford/divulgação)

O novo visual, somado ao motor mais potente, garantiu um bom fôlego ao Corcel, que se manteve inalterado por mais quatro anos, ainda conservando as qualidades que fizeram dele um sucesso: economia de combustível, conforto e silêncio ao rodar. Em novembro de 1977, na linha 1978, a grande novidade era a chegada do Corcel II. Agora maior e com uma carroceria totalmente nova, ele já enfrentava a dura concorrência de novos modelos no mercado nacional, como o VW Passat e Chevrolet Chevette.

A plataforma mecânica era praticamente idêntica a do Corcel I, com motorização, transmissão, freios, direção e suspensões apenas recalibrados para a nova carroceria, que estava mais pesada e agora disponível somente com duas portas. Sob o capô, se mantinha o propulsor 1.4, que perdeu 3 hp (agora com 72 hp), mas ganhou em torque (agora com 11,5 mkgf), para compensar a carroceria mais pesada. O câmbio ainda era o mesmo, manual de quatro marchas, agora com relações alongadas para aproveitar o maior torque do motor 1.4.

Corcel II renovava o visual por completo, mas a plataforma e mecânica ainda era a mesma (Foto: Ford/divulgação)

A grande pressão dos rivais obrigava ao cavalo selvagem da Ford correr ainda mais. Era primordial que se mantivesse os bons níveis de economia, mas era preciso melhorar o desempenho. Seguindo essa filosofia, a engenharia da Ford trabalhou, ao mesmo tempo, nos aperfeiçoamentos do motor e do câmbio. Assim, em 1979, nasceu o propulsor 1.6 com 90 cv e 13 mkgf (em medições atuais), inteiramente derivado do 1.4 (que se mantinha para a versão de entrada do modelo), e uma nova transmissão de 5 marchas, baseada na antiga e robusta caixa de 4 marchas. A equação estava, então, resolvida: o novo Ford Corcel 1.6 1979 gastava pouco como o 1.4 e tinha um desempenho superior com o novo câmbio manual de quatro marchas.

Um dos segredos dessa receita era uma quinta marcha que privilegiava as baixas médias de consumo, enquanto as primeiras quatro velocidades, ligeiramente mais curtas, faziam brilhar o desempenho do motor 1.6. Com esse novo conjunto, o Corcel comum passou a ter números de desempenho semelhantes do antigo esportivo GT XP: 0 a 100 km/h em 17 segundos e máxima de 150 km/h.

Em 1980, com a crise do petróleo, as maiores apostas foram na economia do motor a gasolina e a estreia do 1.6 a álcool (Foto: Ford/divulgação)

O ano de 1980 trouxe uma nova tecnologia da época para o médio da Ford: surge a versão 1.6 movida a álcool, com elogios de toda a imprensa especializada como um dos melhores carros com esse tipo de combustível que eram oferecidos em nosso mercado. Com o combustível de cana, o Corcel 1.6 rendia 67 hp e 12,2 mkgf, números inferiores aos da configuração a gasolina, mas ainda assim eficientes para um modelo de porte médio. Aproveitando a boa maré pela qual o modelo vinha passando, a Ford anunciou, em dezembro de 1980, a produção do Corcel de número 1 milhão, ou seja, doze anos depois do início da sua produção nacional, mais de 1 milhão de unidades do Corcel e sua versão perua Belina já tinham deixado as linhas de produção da planta de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.

No finalzinho de 1980 o modelo batia a marca de 1 milhão de unidades fabricadas (Foto: Ford/divulgação)

Mas a saga não terminou por aí: quatro anos depois, a engenharia de motores da Ford tanto trabalhou no motor do Corcel, que, de originais 1.3 litros de 1968, já estava na sua configuração 1.6, mantendo o bom desempenho, durabilidade e confiabilidade. Os técnicos, aí, começaram a desenvolver um novo cabeçote para esse propulsor, criando uma nova câmara de combustão ainda mais eficiente. A partir desse ponto, surge o motor batizado de CHT (Compound High Turbulence).

As tais câmaras de combustão permitiam que a mistura girasse no momento da compressão, dando mais eficiência a queima e melhorando ainda mais os níveis de consumo específico desse motor. O resultado foi tão promissor que esse propulsor foi utilizado tanto na Ford quanto na VW através da Autolatina, até que ele deixasse de ser fabricado em 1997, quando ainda era utilizado no Gol. Ponto para a engenharia da Ford.

Equipando primeiro o Corcel, os motores CHT duraram até o final da década de 90 e equiparam alguns Volkswagen (Foto: Ford/divulgação)

Já com suas vendas em baixa devido a grande concorrência de novos modelos, como o Chevrolet Monza, por exemplo, o Corcel não tinha mais como resistir. Mesmo assim, a Ford tentou uma última remodelação visual em 1985, que se estendeu para toda a família do modelo, então já composta pela perua Belina, picape Pampa e sedan Del Rëy. Mas o valente e selvagem cavalo Corcel deu o seu último suspiro no dia 21 de julho de 1986, quando teve sua última unidade fabricada, e, de maneira honrosa, saiu de cena. Mas, seu representante Del Rëy, uma versão luxuosa e maior do modelo, permaneceu por mais alguns anos, carregando o sucesso Corcel. Mas essa já é outra história, que deve ser contada mais pra frente…

A última reestilização veio em 1985, como o suspiro final do Corcel, que sairia de linha ano seguinte (Foto: reprodução/Ateliê do Carro)
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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.