Abastecimento: nem todas as variações são fraudes

Quando se fala em fraudes nos postos de gasolina, nem todos os fatores são necessariamente levados em consideração. Às vezes, o tanque se apresenta como cheio e a quantidade admitida é menor que a esperada. Outras vezes, parece que entrou mais combustível do que cabia no tanque. Pode não ser fraude e, para não ser injusto, o cliente deve ter algumas informações adicionais.

Nem todas as diferenças e inconformidades na hora do reabastecimento são fraudes (Foto: reprodução/Freepik)

Ainda em 2017, noutro espaço, esta coluna publicou uma matéria tocando num assunto pouco discutido nas mídias especializadas: volatilidade dos combustíveis. Entenda-se como volatilidade a possibilidade de evaporação para uma dada temperatura. Quanto mais alto for o ponto de ebulição, menor será a volatilidade e menor será também o coeficiente de dilatação.

Na outra matéria, criou-se polêmica quanto a maior chance de danos ao motor pelo uso do GNV, mas a pauta principal era a volatilidade dos combustíveis (Foto: Felipe Neitzke/Jornal A Hora)

Aquela matéria foi bastante polêmica, ultrapassando os duzentos comentários, na maioria desfavoráveis. É que ela citava o risco de o uso de GNV aumentar consideravelmente a probabilidade de danos no cabeçote e/ou pistões. Isso irritou muito os usuários do gás natural veicular, que não se conformavam com a possibilidade de terem assumido um risco desnecessário. É que a evaporação é endotérmica, ou seja, ela rouba calor do ambiente.

Por isso sentimos um “geladinho” quando pingamos Álcool ou gasolina na pele. Na verdade, esse fenômeno depende da segunda lei da termodinâmica, que não se discutirá aqui, mas se pode encontrar facilmente na Internet. A gasolina toma 390 kcal/kg, o álcool 980 kcal/kg e a água 3500 kcal/kg.

São nítidas as diferenças entre abastecer um carro em determinado dia, frio ou quente, e em diferentes altitudes com relação ao nível do mar (Foto: reprodução/Freepik)

Como essa expansão depende de temperatura e pressão, abastecer o carro ao nível do mar num dia frio, dá um resultado até 20% diferente do abastecimento do mesmo carro a 1.000 m de altitude num dia quente. Essa diferença é até gritante, tanto que as fábricas de motores aeronáuticos ciclo Otto não permitem o abastecimento com gasolina que leva álcool, independentemente de sua qualidade. É que, acima de 2.500 m de altitude, os dois combustíveis tendem a se dissociar porque a gasolina se dilata e perde densidade muito mais rapidamente que o álcool.

Para corrigir essa distorção, a ABNT emitiu a NBR 15594. Por elas, os fluxímetros precisam ser calibrados consoante o combustível que vão medir. Assim, uma bomba para gasolina não serve para álcool ou diesel e vice-versa. É que o fluxímetro precisa considerar combustível, temperatura e pressão no momento do abastecimento, numa curva que simule 20°C ao nível do mar. Isso causa discrepância em relação ao medidor embarcado que, geralmente, depende de uma boia que, por ter peso fixo, aumenta a distorção. É que ela está imersa num líquido cuja densidade é variável.

Motores de aviação do ciclo Otto a gasolina, como o Porsche PFM 3200, não podem ter álcool em sua mistura com gasolina, em hipótese alguma (Foto: Porsche/divulgação)

Isso pode acontecer quando se abastece o carro com GNV? Sim, por dois motivos. O primeiro é que o gás também se dilata em função da temperatura e pressão, e a medição é feita em metros cúbicos. Isso limita a quantidade de gás que passa do posto para o cilindro via tubo com encaixe por engate rápido. Essa limitação visa à contenção de vazamentos. Como se não bastasse, também pela segunda lei da termodinâmica, o cilindro esquenta durante o abastecimento por conta do acréscimo de pressão, levando mecanismo a desligar antes de ele estar realmente cheio. Se o usuário esperar esfriar e continuar o abastecimento, num cilindro de 23 m³ podem entrar até 5 m³ extras.

Em carros movidos a GNV, as perdas são inevitáveis: primeiro porque o gás dilata de acordo com a temperatura e pressão, e segundo porque o cilindro esquenta durante o reabastecimento (Foto: Lucca Mendonça)

Será então que, com os carros elétricos, o proprietário vai se ver livre desse inferno? Infelizmente não. É que os conectores e cabos também são fonte de perdas, sendo impossível criar um conector capaz de eliminar totalmente os vãos entre macho e fêmea. Isso resulta em variação de resistência ôhmica e temperatura, que realimenta a resistência. Aliás, a temperatura ambiente também deve entrar no cálculo.

Nos supercarregadores de corrente contínua, a perda pode chegar a 5%, ou seja, o consumidor paga por 100 A e recebe 95 A, consoante à qualidade de cabos e conectores. A ABNT e a SAR ainda não emitiram normas para a correção dessa distorção.

Cabos, conectores e possíveis adaptadores também são fontes de perdas na hora de recarregar carros eletrificados: ninguém está livre desse problema (Foto: Lucca Mendonça)

Sim, existem fraudes dos mais variados tipos. Elas podem ir desde o batismo da gasolina com solvente, ou do álcool com água, até as mais comuns pertinentes ao volume. Nâo se sabe se um dia vão tentar batizar a eletricidade. Talvez. Por enquanto, parece ser só possível fraldar a quantidade. Mesmo assim, o que parece fralde pode não ser.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.