A história do Fusquinha batido sem o dono saber

Essa história ocorreu há cerca de meio século, mais especificamente em 1966. Nessa época eu tinha 12 anos de idade, mas já me virava muito bem atrás do volante do Fusquinha 1961 do meu pai, daqueles com o motor 1200 de 36 hp pelas medições da época, que hoje corresponderiam a mais ou menos 25 cv. Isso era o necessário para tirar o carrinho do lugar, mas nada muito além disso.

E olha que esse Fusquinha gemia quando aparecia uma ladeira e a família estava toda dentro: eu, meu pai João, minha mãe Maria e minha irmã Míriam, que na época estava com 22 anos. Passamos sábados e domingos muito felizes passeando de Fusquinha na casa da parentada.

Pois esse causo envolveu toda a família exceto minha boa mãe, que não teve nada a ver com o ocorrido. Durante a semana, meu pai usava seu fiel Fusca 1200 para ir trabalhar. Por isso eu não podia “roubá-lo” para dar uma volta no quarteirão, como eu sempre fazia de sábado (clássico dia de lavar o carro), sem que ele soubesse obviamente.

Pois bem, não me lembro o motivo mas naquele dia o Fusquinha não levou meu pai ao trabalho e ficou estacionado na sua vaga do prédio onde morávamos. Minha irmã ficou insistindo para nós aproveitarmos aquele momento para eu ensiná-la a dirigir, e isso era tudo o que eu queria ouvir: um adulto me pedindo para eu pegar um carro e ensiná-lo como se dirigia.

Como eu já me achava um Ás no volante, sabia e achava fácil conduzir um carro, e acreditava que todos tinham essa mesma facilidade. Por isso superestimei a capacidade que minha irmã tinha de motorista, que era basicamente nenhuma.

Fomos ao carro, e mostrei pra ela o básico dos básicos: “aqui é o câmbio, ali é o acelerador, o outro é o freio, aquele a embreagem, aqui é a chave onde você dá a partida e pronto. Sentei no posto do motorista, funcionei o carrinho e dei uma pequena voltinha mostrando como se fazia. Acreditei piamente que isso bastava e que ela sentaria ao volante e faria exatamente o que eu fiz. A diferença e que eu sabia dirigir e ela não!

Minha irmã sentou no posto do motorista e eu, um pirralho de 12 anos, como instrutor ao seu lado. Motor funcionando, disse a ela para pisar na embreagem e engatar a primeira marcha, instruções que ela seguiu corretamente. Só que para coordenar aceleração e a retirada gradativa do pé da embreagem, isso não acontecia: o Fusquinha dava aquele conhecido pulo e o motor morria.

Isso aconteceu uma vez, duas vezes, três vezes, quatro vezes, e depois da quinta vez, chamando minha irmã de burra, tive uma infeliz ideia: falei pra ela esquecer o pedal do acelerador, puxei o afogador e controlei a aceleração do motor, depois ela só tinha que tirar o pé da embreagem. Na hora, foi genial!

Foto: site Carrosnaweb

Fizemos isso, e o Fusquinha arrancou valente, sem que o motor morresse. Mas, lembrando, ela não sabia dirigir e nunca havia nem tentado! Assim que o Fusquinha arrancou rápido, ela começou a gritar: “o que é que eu faço agora, como é que se para esse negócio?”. Foi nessa hora que eu percebi que ela realmente não sabia dirigir e não tinha a menor noção do que estava fazendo.

Antes que eu desacelerasse o carro no afogador e puxasse o freio de mão para parar, ela deu uma guinada para esquerda no volante e nós paramos o Fusquinha do meu pai na estrutura de ferro do balanço do parquinho do nosso prédio. Ali ele bateu e ali ele ficou. Desci rápido para olhar os prejuízos: parachoque e para-lama esquerdo amassados e minha irmã chorando pela bobagem que tínhamos feito.

Assumi o posto do motorista, tirei o Fusquinha dali e estacionei exatamente como o meu pai tinha deixado, no mesmo lugar. Em pânico, voltamos para casa, ambos quietinhos. A noite saímos os quatro para fazer algo pelo bairro e meu pai percebeu que o farol esquerdo iluminava toda a lateral, as casas, os prédios e as lojas, menos a rua a frente onde realmente deveria iluminar.

Chegando no nosso destino, seu João foi preocupado ver o que estava acontecendo e descobriu a frente torta do seu querido Fusquinha. Ficou sem entender o que poderia ter acontecido e logo concluiu: “algum motorista barbeiro bateu no meu carro, e agora tenho que mandar arrumar toda a frente!” A verdade é que ele não estava tão errado assim: na verdade uma motorista barbeira, que era sua filha, era a causadora daquilo tudo.

Seu João mandou arrumar o carro e tudo voltou ao normal. Esse foi um segredo que eu e minha irmã guardamos por décadas. Em uma reunião de família em 1986, dessas de domingo, conversando a respeito de causos antigos, relembramos essa história agora engraçada que havia sido esquecida no tempo, e só então seu João descobriu que foram seus próprios filhos os causadores daquele prejuízo financeiro e daquele mistério que nunca tinha ficado muito claro em sua mente: onde, quando e quem teria amassado aquele carro que só ele dirigia?

Pelo menos essa história serviu para boas gargalhadas, e ainda bem que nossa inconsequência não causou danos maiores nem machucou ninguém. O fato é que a minha irmã Míriam nunca levou jeito para a coisa e até hoje, com 75 anos de idade, tem habilitação mas nunca dirigiu. Graças a Deus!

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.