VW Saveiro Diesel: Colocando os pingos nos is

Foto de capa: Hamilton Penna Filho/Revista Oficina Mecânica

 

Navegando pela internet, encontrei um texto recente em um site automotivo onde o autor discorre sobre a comercialização do VW Saveiro cabine dupla a diesel no Brasil.

No primeiro momento, ele diz que a Volkswagen “comercializou” a Saveiro Cabine Dupla entre as décadas de 1980 e 1990, e já no outro parágrafo diz que, na realidade, o Volkswagen Saveiro Cabine Dupla foi uma adaptação comercializada por alguns concessionários àquela época. Para piorar, afirma que o modelo teve como base a primeira geração do utilitário em sua versão equipada com motorização a diesel (!).

É meia verdade. Explico: o VW Saveiro já contou com motores Diesel em nosso mercado, e teve também cabine dupla, mas é preciso colocar os pingos nos is e contar melhor como isso aconteceu nos anos 80.

Saveiro cabine dupla e diesel existiram, mas não eram oficiais (Foto: reprodução/Antigos SP Classificados)

Desde 1976, o uso de óleo diesel em veículos de passeio era proibido pela Portaria nº 346, de 19/11/1976, do extinto Ministério da Indústria e do Comércio.

Na ocasião, o país registrava expressivos déficits na sua balança de pagamentos e dependia fortemente de importações desse derivado de petróleo, já que o Brasil precisava importar 78% do petróleo consumido.

Ficava assegurado o uso de diesel em geradores, máquinas agrícolas e transporte de carga rodoviário, vital para o país desde o abandono dos investimentos nas linhas férreas, um retrocesso sem precedentes. Outro argumento usado foi o da poluição gerada pelo enxofre presente no diesel, algo que tinha sentido à época.

Não faltaram tentativas para derrubar esse veto, e outras portarias possibilitaram o surgimento de alguns veículos a diesel, seja por fabricação em série ou mesmo por adaptações de concessionários ou oficinas mecânicas, com a possível legalização junto ao Detran.

Kombi tinha sua versão a diesel, lançada em 1981 (Foto: VW/Divulgação)

Em 1981, foi lançado o VW Kombi diesel, considerado veículo de carga graças a capacidade de transporte de até 1075 kg. Com o motor BS 1.6 de 50 cv de potência a 4500 rpm e 9,5 kgfm de torque a 3000 rpm, fazia médias de 15,2 km/l na cidade e até 22,4 km/l na estrada.

Eis que, em 1985, a Resolução nº 655/1985 do CONATRAN afrouxou os limites até então vigentes, permitindo o uso do Diesel em furgões, além de veículos que comportassem 15 passageiros e os utilitários que levassem mais de 545 kg de carga.

Alguns concessionários da VW e oficinas independentes passaram a instalar o motor a diesel MD-270 nos Saveiro novos e usados, já que sua capacidade de carga divulgada oficialmente era de 570 kg. No caso de veículos novos, os concessionários mantinham a garantia de fábrica para todo o veículo, e não só para o motor.

Saveiro tinha capacidade de carregar até 570 kg, ou seja, poderia receber o motor diesel (Foto: VW/divulgação)

Algumas publicações especializadas explicavam, na época, o processo de instalação do motor a Diesel em um VW Saveiro e as vantagens desta modificação, como na matéria de Jane Lopes e Ricardo Caruso da edição nº 19 da Revista Oficina Mecânica, ou mesmo na reportagem de Luiz Bartolomais Jr. publicada na edição nº 330 da Revista Quatro Rodas (veja esta mais pra baixo).

Em dezembro de 1987, um motor Diesel novo do VW Kombi custava Cz$245.000,00, equivalentes hoje a R$43.540,26, de acordo com índice INPC (IBGE) no site do Banco Central. Mas a receita para se ter um Saveiro a diesel não era composta só por isso.

O câmbio de 5 marchas, geralmente usado em conjunto com tal propulsor, tinha o custo de Cz$35.000,00, equivalentes a R$6.220,04 em valores atuais, mais Cz$35.000,00 somando mão de obra (Cz$15.000,00) e peças extras como filtro duplo de combustível e suporte de alternador (Cz$20.000,00). No final, o serviço mecânico completo não saía por menos de Cz$315.000,00, ou R$55.980,34 atuais.

Só nas adaptações mecânicas eram gastos mais de R$55 mil atuais (Foto: Mituo Shiguihara/Revista Quatro Rodas)

Para documentar o veículo, bastava levá-lo à delegacia, onde um técnico emitia o laudo de “vistoria técnica de verificação de segurança” ao custo de mais Cz$3.000,00, ou R$533,15 corrigidos. Esse laudo era entregue junto às notas fiscais de motor e câmbio e aos documentos originais do Saveiro. Além disso, por mais Cz$3.000,00, o certificado RENAVAM era emitido com “Diesel” como combustível.

Podia-se reduzir o custo vendendo o seu motor a gasolina ou etanol como usado por Cz$50.000,00, ou R$8.885,77, totalizando assim um investimento de Cz$271.000,00, ou R$48.160,87 de hoje, isso sem contar, é claro, o preço do próprio veículo. Os gastos eram similares ao de um carro novo, onde os concessionários já incluíam os valores da conversão e documentação ao preço da versão escolhida.

Mas além da mecânica, também eram necessárias mudanças cadastrais e burocráticas (Foto: Mituo Shiguihara/Revista Quatro Rodas)

A resolução do CONATRAN foi revogada por outra, a 727/1989, mas mesmo assim, graças ao sistema pouco informatizado do Brasil à época, alguns carros diesel ainda foram legalizados até meados de 1993. Em 1994 entrou em vigor a portaria nº23, de 6 de junho de 1994, do extinto Departamento Nacional de Combustíveis (DNC), substituída pelo art. 5° da Resolução nº 292, de 29 de agosto de 2008, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).

Atualmente, somente caminhões, ônibus, picapes com carga útil superior a 1.000 kg e utilitários com tração 4×4 e reduzida podem usar esses motores. Estando fora desses parâmetros, o veículo é proibido de ser comercializado ou adaptado para diesel em solo nacional.

VW Saveiro: A história

Lançado em 1982, o Saveiro trazia motor Boxer de 1,6 litro, 50 cv de potência a 4600 rpm e 12 kgfm de torque a 3600 rpm. Logo fez fama por sua robustez e charme, conquistando não só trabalhadores, mas também os jovens. Usando gasolina, o pick-up da VW ia de 0 a 100 km/h em 16,9 segundos, atingia 142 km/h de velocidade máxima e fazia 10,1 km/l na cidade ou 14,2 km/l na estrada.

Lançada em 1982, o Saveiro conquistou também o público jovem (Foto: VW/divulgação)

No final de 1984, o modelo recebia o motor refrigerado a água 1.6 MD-270, com 72 cv de potência a 5200 rpm (quando movido a gasolina) e 12,2 kgfm de torque a 2600 rpm, dando mais agilidade ao pequeno utilitário. Seus números de desempenho com o novo propulsor eram: 0 a 100 km/h em 15,5 segundos, 153 km/h de velocidade máxima, consumo de 10,5 km/l na cidade e 14,4 km/l na estrada.

Cerca de um ano depois chegava o então moderno e hoje cultuado motor 1.6 AP-600, uma evolução em todos os sentidos. Também usando gasolina, tinha 80 cv a 5600 rpm, 12,75 kgfm de torque a 2600 rpm, fazia de 0 a 100km/h em 13,2 segundos, atingia 153 km/h de velocidade máxima e, no consumo, conseguia 9,3km/l na cidade e 13,4km/l na estrada.

Na segunda metade dos anos 80: reestilizado e trazendo novo motor AP-600 (Foto: VW/divulgação)

Em 1989, já como linha 1990, o Saveiro passou a oferecer o propulsor 1.6 AE-1600 (de origem Ford), então com 76 cv a 5600 rpm e 13,3 kgfm de torque a 3200 rpm. Um pouco mais rápido nas acelerações, fazia de 0 a 100km/h em 13,1 segundos, e atingia 151km/h de velocidade máxima. Também estava mais econômico, conseguindo 10,3 km/l na cidade e 14,4 km/l na estrada.

Além destas, vale lembrar das versões movidas a etanol: 50 cv no motor Boxer, 81 cv no MD-270, 90 cv no AP-600 e 78 cv no AE-1600.

Grande ascensão veio com o motor 1.8. Na foto, o modelo já com o visual da linha 1991 (Foto: VW/divulgação)

O que garantiu a fama do pick-up do Gol foi a gama maior a partir de 1989, com a chegada da versão 1.8 que, a gasolina, entregava 95 cv a 5400 rpm e 15,6 kgfm de torque a 3200 rpm. Este fazia de 0 a 100 km/h em 11,7 segundos, 159 km/h de velocidade máxima, 10,1 km/l na cidade e 13,0 km/l na estrada. A potência com etanol era a mesma, assim como os dados de desempenho.

Nos anos 90, recebeu evoluções técnicas, injeção eletrônica multiponto nas versões com motor AP (com direito a versão TSi 2.0), e nos anos 2000, o motor EA-111 1.6 8v, que sai de linha agora em março de 2022.

Nos anos 2000, já em nova geração, o Saveiro já contava até com opção de motor 2.0 com injeção eletrônica multiponto (Foto: Leonardo França)

Sobre a cabine dupla, a VW da época também não investiu neste nicho, e empresas como Envemo, Engerauto, Souza Ramos, Brasinca, Demec, Sidcar, Sulam, entre tantas outras, se especializaram e surfaram na onda, “cabinando” os carros originais de fábrica.

Até a primeira metade dos anos 90, pick-ups não só pequenas, como VW Saveiro, Ford Pampa, Fiat Fiorino ou GM Chevy, mas também médias e grandes, como GM D-20 ou Ford F-1000, podiam ser transformadas em luxuosas versões com cabine dupla, equipadas com os mais variados opcionais e acessórios.

Raros, os Saveiro ganharam cabine dupla feita pela Sulam e outras empresas (Foto: Sulam/divulgação)

Desenvolvidas para poucos, essas transformações eram um alto investimento, já que muitas vezes atingiam o preço de um veículo popular, ou então, dependendo do caso, dobravam o valor pago pelo proprietário no pick-up original.

As fábricas passaram a investir de forma oficial neste mercado apenas em 2009, quando foi lançado o primeiro pick-up cabine dupla de série no Brasil: o Fiat Strada. O VW Saveiro, então com 33 anos de mercado, teve sua versão cabine dupla de série lançada apenas em 2015, já na sua terceira geração (reconhecida no mercado como a sexta).

A VW só investiu em uma cabine dupla de fábrica para o Saveiro em 2015 (Foto: VW/divulgação)

Com 42 anos de história e prestes a receber o motor EA-211 1.6 16v em toda a sua linha, o VW Saveiro tem uma coisa como fato: nunca teve uma versão com motor a Diesel de série no Brasil. Quem ainda contestar, peça para ver o manual de instruções de um destes exemplares movidos a diesel, e tente achar nele a ficha técnica, números de desempenho e regras de manutenção do motor 1.6 diesel. Simplesmente não encontrará, pois o carro não existiu de forma oficial.

Compartilhar:
Leonardo França é formado em gestão de pessoas, tem pós-graduação em comunicação e MKT e vive o jornalismo desde a adolescência. Atua como BPO, e há 20 anos, ajuda pessoas a comprar carros em ótimo estado e de maneira racional. Tem por missão levar a informação de forma simples e didática. É criador do canal Autos Originais e colaborador em outras mídias de comunicação.