A Transamazônica, o petróleo da foz e a conservação da floresta (parte V)
Foto de capa: reprodução/amazoniainvisivel.com
Todos os elementos da tabela periódica transitam pela Terra, que é um ser vivo e dinâmico como qualquer vivente que se locomova pela sua superfície. Alguns têm ciclo mais rápido e outros têm ciclo mais curto, mas todos transitam. Os quatro elementos cujo trânsito dá sustento à vida humana são, basicamente, o carbono, o hidrogênio, o oxigênio e o nitrogênio.
Todos eles se encontram na atmosfera e seu trânsito é considerado, em termos geológicos, como rapidíssimo porque, de uma forma simplificada, hora estão numa planta, hora estão em um animal, hora estão de volta à atmosfera, às vezes, em ciclos que duram poucas horas. Embora a Amazônia carregue indícios de se ter formado milhões de anos atrás, seu conteúdo classifica-se como parte do ciclo tido como rapidíssimo, sendo, portanto, extremamente vulnerável ao imponderável.
O fenômeno mais imponderável que existe é a capacidade humana de alterar, pela mineração, o trânsito, trazendo para o ciclo rapidíssimo, elementos que estão armazenados em minérios cuja formação tomou milênios. O carvão mineral e o petróleo são excelentes exemplos disso. Foram milhões de anos com florestas submetidas a altas temperatura e pressão por sucessiva deposição de sedimentos que dissociaram o carbono, liberando água e oxigênio livre para o restante da biosfera.
Enquanto esse carvão, agora mineral, estiver no subsolo, ele faz parte do ciclo mais lento. Ao minerá-lo, expomos todo esse material ao ciclo rapidíssimo que, possivelmente, não seja capaz de o acomodar sem desequilíbrio. O mesmo se pode dizer do petróleo. Durante sua formação, houve uma redução de hidrogênio e carbono que liberou oxigênio para o restante da Natureza, parte ficando no ciclo lento graça a outros compostos químicos, parte liberada na atmosfera, portanto, compondo o ciclo rapidíssimo.
Ao queimar carvão mineral e petróleo, o ser humano, por assim dizer, desfaz o que a Natureza levou milênios para fazer. A ideia dos créditos de carbono foi permitir que a sociedade seja capaz de mensurar o desequilíbrio que sua atividade provoca, criando meios para minorar – se possível extinguir – seus malefícios.
O cômputo dos créditos de carbono vai muito além do sequestro de quando a planta está crescendo. Se não houvesse continuidade do processo de redução do CO2, na medida em que os animais da floresta se alimentassem, a mata definharia e desapareceria. Assim, se ela sustenta vida em estado estacionário, é porque o sequestro de carbono é constante, não somente durante o crescimento das plantas perenes como imaginavam os ecologistas mais primários.
A Amazônia, como constante depósito de vida, sequestra carbono e toda a fotossíntese, endotérmica por natureza, ajuda diretamente a manutenção da temperatura em nível suportável para os viventes de toda a sua face. Supondo que haja um método universalmente aceito para quantificar esse sequestro, a floresta continuará sequestrando carbono para sempre, consequentemente, gerando créditos, cujo valor obtido é capaz de financiar sua proteção. Como o valor obedece a lei da oferta e da procura, os créditos de carbono só financiarão algo se houver quem os compre.
É justamente aí que entra a exploração de petróleo próximo à foz do rio Amazonas. Na medida em que a empresa traga petróleo para a superfície, colabora com a exposição de carbono e hidrogênio ao ciclo rapidíssimo, sendo grande demandante de créditos de carbono, cuja compra pode financiar a infraestrutura necessária à manutenção do próprio bioma.
Esses créditos de carbono seriam adquiridos diretamente do fundo amazônico que, por sua vez, os obtém do sequestro perene da própria floresta. Como se diz no mercado financeiro, a Petrobras, explorando petróleo na região, pode monetizar, via compra dos créditos de carbono, o fundo amazônico que, por sua vez, passa a investir na manutenção da floresta. E onde entra a Transamazônica nisso?
Para que haja preservação, a fiscalização é imprescindível. É preciso criar uma infraestrutura de transporte que, a um só tempo, agilize o deslocamento dos agentes públicos, enquanto impede que os produtos legais transitem ilegalmente pela diferença de custo de frete. Isso é possível via construção de uma rede de estradas sobre pilares que as mantenham segregadas da floresta, permitindo o livre trânsito por baixo, sem, contudo, incentivar a ocupação humana ao longo delas.
Esse método construtivo, já usado em outros países para preservar a fauna, tem a vantagem adicional de manter o tráfego livre mesmo nos períodos de cheias. Juntem-se a isso barcos específicos para a região e girocópteros para auxiliar a fiscalização pelo ar.
E quanto aos riscos dessa mineração em alto mar? A Petrobras tem uma experiência de mais de mil e quinhentos poços sem um acidente ambiental sequer. Além disso, o reservatório está a 500 km da costa, em plena Corrente das Guianas, que é responsável, entre outras coisas, pela formação da Flórida a partir de sedimentos carreados pelos rios da Amazônia. De qualquer forma, o risco já existe pela exploração na costa da Guiana, rente ao amapá. Resta-nos esperar que o bom senso impere e que o Brasil não seja, mais uma vez, o país das oportunidades perdidas.