O VW TL mais curioso que você verá hoje: motor AP e plataforma de Santana

Com muita disposição e tempo envolvidos, Carlos Ernesto Zaccaro instalou, na cidade de Leme, interior de SP, um motor AP-1800 de um Santana 1997 em um VW TL 1971. Sabemos que isso não é novidade, pois o motor AP é instalado nos veículos originalmente com motor refrigerado a ar há muito tempo, mas o projeto do Carlos foi mais além. Antes vamos entender um pouco sobre os dois carros que originaram este projeto único e muito bem feito.

O VW TL 1600 vem do final dos anos 60, inspirado no VW Type 3 alemão e derivado do VW 1600 nacional. Lançado em 1970 e com linhas elegantes e fluídas, era o terceiro modelo da família VW 1600, que tinha também o station Variant.

Carro era marcado pelas linhas modernas e fluídas (Foto: Leonardo França)

Com seu estilo fastback, logo caiu nas graças dos consumidores que reconheciam a robustez do motor boxer 1600 de 50 cv a 4600 rpm e 12,0 kgfm de torque a 3000 rpm, capaz de levar o modelo de 0 a 100 km/h em 20,9s e atingir os 139,52 km/h de velocidade máxima. Números bastante respeitáveis para àquele tempo. Famoso por seu alto torque e rendimento, o TL era também econômico para os padrões da época, fazendo médias de 8 km/l na cidade e 12,0 km/l na estrada com gasolina.

TL tinha sempre motor 1600 e bom espaço interno (Foto: VW/divulgação)

O VW TL acomodava três adultos atrás, e sua suspensão garantia o conforto necessário para viagens pequenas ou longas. O porta-malas tinha capacidade de 611 litros, sendo 344 litros do traseiro e 267 do dianteiro. Tinha estabilidade elogiável para um carro com tração traseira, a dirigibilidade era favorecida por sua direção leve e precisa, e o câmbio, suave, tinha engates curtos e precisos. Aliás, a VW sempre foi referência em câmbio manual no Brasil. Saiu de linha em 1975 após a chegada do VW Passat 4 portas, modelo mais eficiente, silencioso e moderno.

TL, duas e quatro portas saíam de linha logo após o Passat 4 portas ser lançado (Foto: VW/divulgação)

Já o VW Santana era a segunda geração do Passat no exterior e chegou ao Brasil em 1984. Primeiro Volkswagen médio representante dos carros de luxo no Brasil, opcionalmente podia vir com ar-condicionado, direção hidráulica progressiva, trio elétrico, fosse nas configurações de 2 ou 4 portas, além de câmbio automático de 3 velocidades, o primeiro VW nacional com esta configuração de transmissão.

Já o Santana era um produto dos anos 80 (Foto: VW/divulgação)

Seu motor era o VW 1.8 carburado, com 92 cv a 5.000 rpm e 14,9 kgfm a 2.600 rpm (versão a etanol), ou 86 cv/14,6 kgfm nas mesmas rotações na versão a gasolina. Seu desempenho agradava, e melhorou ainda mais quando recebeu o motor da família AP em 1985, e em 1988, veio o cultuado AP-2000. Foi também o segundo modelo nacional a receber injeção eletrônica no começo de 1990, e o primeiro carro com freios ABS feito no Brasil, isso em 1992.

Cheio de inovações, o Santana dos anos 90 ainda mantinha a plataforma da primeira geração (Foto: VW/divulgação)

Em 1997, o Santana estava maduro, e a versão 1.8 era a mais requisitada por taxistas, e principalmente, por pessoas que queriam um carro potente e ao mesmo tempo econômico. Dotado de injeção eletrônica multiponto, o motor AP-1800 Mi rendia 103 cv de potência a 5500 rpm e 15,5 kgfm de toque a 3000 rpm, levando o modelo de 0 a 100 km/h em 11,6s e a 177 km/h de velocidade máxima. Seu consumo com gasolina era de 10,7 km/l na cidade e 15,6 km/l na estrada.

Apaixonado por carros, em especial antigos, Carlos Ernesto Zaccaro é dono da Autopeças e desmonte Wesley’s Car, situada em Leme/SP, que revende peças de veículos multimarcas, e tem também uma oficina particular para seus projetos pessoais. Gamado especialmente pelos modelos VW, Carlos sempre quis ter um VW TL “frente alta”, ou seja, dos primeiros dois anos de produção. Foi em 2014 quando ele comprou o TL azul claro 1971/1971. Bastante original, o modelo ostentava algumas marcas do tempo, e em 2016 seu proprietário resolveu fazer a restauração.

Após a remoção da tinta, Carlos constatou muita massa plástica, e muitos serviços de funilaria realizados ao longo dos anos. Sua ideia era adaptar o motor AP, o que geralmente é feito sem muitas dificuldades nos modelos a ar, mas não como todo mundo fazia: ele queria que o motor ficasse na frente. Após encontrar um monobloco de Santana em ótimo estado, sem ferrugens ou batidas, Carlos fez o impensável unindo a carroceria do VW TL à parte do monobloco do Santana, usando apenas o “miolo” deste monobloco.

 

A ideia era aproveitar a estrutura-base para encaixe do motor, agregado, suspensão, caixa de direção, modernizando assim o conjunto. Vale lembrar que o TL usava suspensão de braço arrastado, com barra de torção, e o Santana, do tipo McPherson, com molas helicoidais. Dois tipos bastante distintos.

Feito na base da “tentativa e erro”, a meta era ter uma adaptação que mais parecesse ser de fábrica (Foto: Leonardo França)

O recorte da carroceria foi feito paulatinamente, e o encaixe, na tentativa e erro, afinal, a ideia era fazer como se tivesse saído de fábrica, e as junções deveriam ser perfeitas. E ficaram de fato perfeitas. Foram pelo menos dois meses inteiros de trabalho para fazer o encaixe do monobloco do Santana na dianteira, que possibilitou a instalação de todos os componentes mecânicos do carro doador, sem dificuldades.

Feito aos poucos e com muito estudo, a ideia foi replicada na traseira, que não teria mais o motor e precisava de um porta-malas ainda melhor, onde Carlos teve mais 2 meses de trabalho para fazer “casar” parte do monobloco do Santana, bojo do estepe, mas desta vez, aproveitando as caixas de rodas originais do VW TL. Estas caixas receberam apenas a “cabeça” das caixas de roda do Gol, para o encaixe da suspensão completa do Santana.

Parte do assoalho original do TL está ali, como o local do compartimento da bateria, alocada abaixo do banco traseiro, e parte do painel frontal, casando-se com o painel corta-fogo do carro doador. Mantiveram-se inclusive todas as entradas de ar da cabine originais da carroceria do TL com abertura por alavancas, um trabalho feito com muito esmero e alguns meses de funilaria.

A mecânica completa foi instalada no agregado original, como o motor AP-1800, câmbio de 5 marchas, direção hidráulica, além da central eletrônica da injeção escondida por trás do painel original. O carro possui dois chicotes elétricos, um do TL comandando luzes e sistemas elétricos originais, e outro do Santana, que cuida do motor e periféricos do carro doador.

 

Seu interior parece original, mantendo a forração original do TL, adaptada sob uma estrutura de banco de Gol, além de toda a forração de teto e portas, estas, reproduzidas como os originais do carro 1971. São originais também os vidros, painel, velocímetro, volante, frisos de acabamento, para-choques, faróis, lanternas dianteiras, lanternas traseiras, e até mesmo as entradas de ar laterais, antes usadas para refrigerar o motor boxer. Na dianteira, foram feitas entradas de ar na parte inferior do painel frontal, usando partes do capô de um Fusca.

O carro parece ter sido feito pela própria fábrica, graças ao extenso trabalho de encaixe das peças e funilaria empregada. O painel frontal recebeu inclusive o revestimento KPO na junção das peças, como é realizado nas linhas de produção, e parece que saiu da Volkswagen exatamente assim. A distância entre eixos original foi preservada, o que ajuda ainda mais a manter sua aparência. Agora, pintado com o tom de vermelho cereja original da linha VW 1971, o TL 1.8 AP recebeu réplicas das rodas “SnowFlake” e pneus 175/65R15.

Dirigi-lo é uma experiência ímpar, graças à direção precisa com assistência hidráulica e progressiva, e um câmbio de engates macios e precisos. A suspensão cumpre seu papel absorvendo os impactos das vias, e ao mesmo tempo propiciando um conforto inesperado para um VW TL, afinal, ele é “Santana com roupa vintage”. O ronco do motor é grave, graças ao coletor 4×1 e escapamento livre. O barulho não é muito alto e o desempenho, satisfatório, muito superior ao modelo original. Está similar a um Gol 1.8 graças à relação peso X potência. O porta-malas continua grande, mas concentrado na traseira.

Guiando, uma ótima experiência (Foto: Leonardo França)

Carlos se orgulha de ter feito este projeto com tanto capricho, e espera que seu carro seja apreciado por muitos entusiastas nas exposições e eventos que ele ainda vai participar.

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Leonardo França é formado em gestão de pessoas, tem pós-graduação em comunicação e MKT e vive o jornalismo desde a adolescência. Atua como BPO, e há 20 anos, ajuda pessoas a comprar carros em ótimo estado e de maneira racional. Tem por missão levar a informação de forma simples e didática. É criador do canal Autos Originais e colaborador em outras mídias de comunicação.