Combustível sintético: vamos voltar para a escola


Até Lavoisier, quando ainda não se tinha descoberto o oxigênio, acreditava que um elemento químico chamado flogisto, que tinha massa negativa, separava-se dos demais elementos durante a queima, aumentando o peso do material resultante. O cientista francês explicou que, durante a queima, o novo elemento, oxigênio, migrava do ar para o material queimado, aumentando-lhe a massa.
Mostrou também que alguns elementos eram mais ávidos por oxigênio que outros, o que permitia retirá-lo de um composto, no que se convencionou chamar de reação redutora, posto que a massa resultante é menor que a inicial. Apesar de o Homem já ter domado o fogo havia milênios, só então entendeu seu processo e começou a trabalhá-lo conscientemente. Lavoisier foi parar na guilhotina, mas não por causa disso. Desde então, os cientistas vêm estudando como aproveitar os combustíveis remanescentes na Natureza, bem como criar novos.
Como diz Caetano: “Luz do sol que a folha traga e traduz em verde novo em folha, em graça, em vida”, de uma forma ou de outra, todos os combustíveis vêm do hidrogênio e do dióxido de carbono. A fotossíntese usa, geralmente, a água do solo e o CO2 do ar e transforma em hidrato de carbono, que é ávido por oxigênio, tornando-se combustível. Do metano, pode vir o metanol, como se fez extensivamente na Alemanha nazista para obter gasolina sintética. Do hidrato de carbono, graças ao ataque de um fungo, consegue-se o etanol. Os mesmos açúcares, se atacados por outros microrganismos, podem resultar em hidrocarbonetos como a gasolina ou o diesel.
O entendimento dos cientistas foi ainda mais longe, descobrindo-se que era possível despolimerizar cadeias de hidratos de carbono, polissacarídeos, via ataque bacteriano, para obter os monossacarídeos, que outros microrganismos podem transformar em álcool ou hidrocarboneto.
Durante a II Guerra, ficou claro que a produção industrial de combustíveis não seria suficiente para suprir a demanda em tempos de conflito. Foi essa necessidade que induziu o Japão a alastrar frente de batalha até a Austrália. Enquanto isso, a Alemanha viu-se obrigada a desistir temporariamente de Moscou e dirigir-se à Ucrânia para ter acesso ao petróleo de que tanto necessitava.
Isso mostra que não há novidade alguma no “e-fuel”, que tem sido apontado como a salvação para os motores a combustão. Mostra também que o problema continua sendo a escala. Usar água e CO2 para produzir álcool já se faz, porém, em três etapas: plantio da cana, fermentação e destilação. Também se pode obter álcool dos resíduos de plantação, ou de qualquer palhada, acrescentando uma nova etapa, a despolimerização, que agrega custo, mas não valor ao produto final. Por que, então, isso é notícia?
Trata-se de, pela primeira vez, ter-se conseguido tornar artificial a fotossíntese. Até então, a quantidade de energia despendida, elétrica ou térmica, era maior que obtida pela queima do combustível sintetizado, inviabilizando o processo. Empresas inglesas e alemãs conseguiram, usando 1,46 l de água, juntamente com 3,1 kg de CO2, sintetizar um litro de hidrocarboneto usando placas metálicas recobertas por porfirina que, aliás, foi desenvolvida na Unicamp em colaboração com outras universidades americanas.
Isso é extremamente interessante e alvissareiro, mas não significa que será possível substituir mais de 600 milhões de m³ de combustíveis ao ano, a ponto de se afirmar que a dependência do petróleo seria eliminada. Ademais, existem inúmeros outros derivados, consumidos diretamente, ou que o usam para obter mais subprodutos e coprodutos, impedindo cessar sua exploração.

Sem medo de tornar essa coluna repetitiva, cabe lembrar a teoria dos contratos. A prospecção, seja em terra, seja em águas profundas, requer investimento impossível de ser plenamente privatizável, tamanho é o risco envolvido. O número de perfurações necessárias para cada poço viável é segredo das empresas, justamente para não suscitar a cobiça das concorrentes. Só que prospectar e extrair é um terço do investimento, que se alastra pelo transporte, o refino e a distribuição, e tudo isso vai continuar a ser usado enquanto não se pagar.
O custo de abandono dessa indústria é incalculável, provavelmente, muitas vezes maior que o mesmo para a indústria de automóveis com toda a sua cadeia de suprimentos de que a de petróleo faz parte. Apesar de não caber futurologia explícita, fica difícil crer que a adoção de novo combustível, limpo que seja, será possível frear o avanço da eletrificação na mobilidade. Por causa disso, enquanto não se esgotar o parque já em produção, vamos continuar queimando petróleo para fazer carros andarem.