Nada barato: quanto custa para levar o lixo embora?

O ser humano tem uma tendência a dourar a pílula, mesmo que ela seja multicolorida e mais fedorenta ainda. Foi nessa onda que lixo virou resíduo sólido. Aqui nós vamos chamar de lixo mesmo, aquele que nos faz lacrimejar e torcer o nariz de nojo, mas que, para os cachorros é melhor que perfume francês. Vamos falar justamente do maior símbolo de miséria, do ponto mais baixo a que a degradação pode levar homens e mulheres.

Lixo: maior símbolo de miséria, do ponto mais baixo a que a degradação pode levar homens e mulheres (Foto: reprodução/Associação Legislativa de Sergipe)

Dar sumiço no lixo é uma das tarefas mais caras da humanidade e que não agrega valor algum. É a contenção de danos na sua expressão máxima. Não vamos, no entanto, falar do repositório, pois isso demandaria um livro e os há aos montes e escritos por especialistas muito mais competentes que este autor. Vamos conversar apenas sobre como o lixo sai das nossas casas e trafega pelas ruas até chegar ao lixão, seja de que modalidade for.

A coleta de lixo passou por uma evolução fantástica. Do alto de meus quase setenta anos, vi o lixo sendo levado por carroções puxados por burros; depois, por caminhões com compartimentos fechados por tampas corrediças; mais tarde, por caminhões dotados de moedores, que lhes davam aparência de uma betoneira; agora, são carros compactadores dotados de alta tecnologia.

Caminhão de lixo evoluiu bastante com o passar dos anos (Foto: reprodução/Prefeitura Municipal de Poço Fundo)

A forma com que o lixo é posto para fora de casa dita a logística de ponta a ponta. A mais emblemática foi a lata, que até deu o nome de vira-latas aos cães de rua. As latas sumiram, sendo trocadas por sacos plásticos acondicionados em lixeiras que, com o advento da verticalização da cidade, chegaram às caixas fechadas que, via braços mecânicos podem ser esvaziadas diretamente nos caminhões.

Essa automação toda foi grandemente motivada pelos altos salários pagos aos lixeiros nos países desenvolvidos. Lá, por qualquer coisa, lixeiros entram em greve e o bodum que paira pelas cidades convencem as autoridades, muito rapidamente, que seus proventos devem ser majorados. O resultado é que um caminhão de lixo é, antes de tudo, uma obra de engenharia bastante complexa.

Hoje esses veículos são cheios de sistemas e automações, bem complexos (Foto: reprodução/internet)

Seus compactadores têm duas funções, minimizar o espaço a ser ocupado pelo lixo em seu destino, além de reduzir a fragmentos tudo aquilo que, de uma forma ou de outra, pudesse ser alvo de coleta e uso indevido. Chama a atenção o fato de que, quase que por padrão, eles levam 19 m³ de material que pesa surpreendentemente pouco, somente 12,5 t. Claro que há inúmeras variações para caminhões, alguns carregados pelo topo, outros por trás e seu uso depende da configuração arquitetônica da região em que serão usados. Por causa disso, o custo de retirada varia muito.

Numa região central, repleta de prédios de apartamentos, os veículos movem-se muito pouco para a coleta, mas fazem longos trajetos até os lixões. Nas periferias, são a estreiteza das ruas e sua má conservação, além da ocupação desordenada, que vão ditar o tipo de caminhão, bem como a forma com que o lixo vai parar dentro dele. Esses lugares costumam ser mais próximos dos lixões, alterando substancialmente os custos e o tipo de contrato a que a prefeitura está sujeita.

EUA: caminhões de lixo são, em sua maioria, automáticos. E isso não só pelo conforto dos motoristas, mas também custo de operação (Foto: reprodução YouTube/Viagem Acessível)

Quando fui viver nos Estados Unidos, chamou-me a atenção o uso de câmbios automáticos pelos caminhões de lixo. É claro que pesa o conforto dos motoristas, mas o mais importante é que o custo de manutenção cai muto com a substituição da embreagem pelo conversor de torque. É que, devido ao anda e para da atividade, um conjunto de embreagem não dura mais que 12.000 km, enquanto um conversor de torque persiste por quase toda a vida útil do veículo.

Nos últimos dois anos, quase 90% da frota de São Paulo adotaram o câmbio automático. O consumo de combustível aumentou 5%, caindo para 1,3 km/l, mesmo assim, vantajoso, considerando o valor da substituição de componentes, bem como o tempo parado para reparos. É que não só a embreagem em si agradece, mas todos os demais componentes da transmissão, além de tornar menos agressivo o uso do compactador.

Hoje, mais de 90% da frota coletora é automática em São Paulo (Foto: reprodução/Prefeitura de São Paulo)

O que não se consegue evitar é o desgaste precoce dos pneus. Trata-se de caminhões 6×2 ou 8×2 que raramente trafegam por vias com raios de curva suficientes. São curvas de esquina, até mesmo manobras constantes que promovem o arrasto dos pneus não tratores. O conjunto não dura mais que 18,5 km mil. Finalmente, há o uso indevido, pois há operadores que, por um motivo ou outro, acabam levando cargas não previstas, como entulho e até eletrodomésticos. Em alguns casos, o impacto é tão violento que as rodas dianteiras chegam a sair do chão. Tudo isso contribui para a depreciação acelerada da frota como um todo.

A planilha a seguir, feita com o precioso auxílio de Cledson Silva, encarregado de manutenção de frota de uma das maiores empresas do ramo, considera uma equipe de quatro pessoas, sendo um motorista e três ajudantes, um valor de aquisição de R$700 mil e durabilidade de cinco anos. As viagens médias foram estimadas em 45 km, conferindo um tráfego diário de 180 km, resultando numa vida útil não maior que 250 mil km para o caminhão. Abaixo você confere a versão estática da planilha, mas, se quiser ter acesso à ela personalizável (permitindo alterar preço do caminhão, tempo de uso e outros para o recálculo automático do valor final), clique aqui.

Créditos para: Luiz Alberto Melchert

Também se considerou os modelo mais típicos, o 1729 da Mercedes ou o VW 17250. A intenção não foi fazer uma contabilidade de custos, mas dar uma ideia de grandeza ao leitor. Os custos indiretos e administrativos, por exemplo, não foram considerados. Assim, pode-se inferir que os R$772,00 apurados por tonelada mais que dobrem sob o ponto de vista de contratação. A tabela está dividida em dois blocos, o primeiro contém as premissas e os valores são parametrizáveis. O segundo contém as fórmulas que fazem chegar ao resultado com custos diretos.

Chamados de Vocacionais, os caminhões que coletam resíduos tem chassi próprio, os mesmos das betoneiras (Foto: VW/divulgação)

Importante é entender que, quando fulano come uma reles banana, que não chega a R$1,00, pode gerar, à sociedade, um custo até três vezes maior, se considerarmos o repositório e o fato de que retirar o lixo também gera lixo. Assim, que se duvide de qualquer um que menospreze a conservação da natureza, pois a degradação promovida pelo nosso modo de vida é indiscutível. Se a humanidade é inteligente o suficiente para fazer um avião de mais de 500 t, que não seja burra a ponto de achar que o lixo simplesmente desaparece.

Compartilhar:
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.