Tesla voltou a aceitar Bitcoins, mas até quando?

Foto de capa: reprodução/site Veículo Elétrico

Quando o fictício Satoshi Nakamoto inventou as bitcoins, imaginou uma moeda com quantidade finita (BT$21.000.000 valendo cem milhões de “Satoshis” por bitcoin) e com lastro a minerar virtualmente. Sua intenção era, segundo o anarcocapitalismo, tirar o Estado da jogada, mais ou menos como no tempo em que as moedas eram feitas de ouro ou outros metais preciosos. As transações passariam a ser auditáveis a partir de “blockchains”, que são blocos de lançamentos contáveis em que há sempre somente um crédito para um ou mais débitos, tal que o rastreio nunca encontra mais de um caminho até chegar à mineração da moeda em si, garantindo-lhe a veracidade, portanto, o seu valor.

A Tesla, que dinha deixado de aceitar essa moeda virtual graças à sua volatilidade, anunciou que voltaria a aceitá-la. Os carros da Tesla variam entre os US$39.900,00 e os US$200.000,00, enquanto a cotação do Bitcoin para 28 de julho de 2021 é de US$39.128,00 para compra. Assim, um Tesla mais barato, o Model Cybertruck, sai por BT$1,02, ao passo que o Roadster, o mais caro da linha, sai por BT$5,11. Sem dúvida é de ficar muito curioso.

O Tesla Roadster, modelo mais caro da fabricante Norte-Americana, custa “apenas” 5,11 Bitcoins na cotação atual (Foto: Tesla/Divulgação)

 Por quanto tempo isso pode dar certo?

As características básicas da moeda são: reserva de valor (a moeda precisa ser indestrutível sob o ponto de vista econômico), homogeneidade (US$1,00 tem que ser o mesmo em qualquer lugar), divisibilidade (independentemente de um ou um milhão, dólar tem que ser dólar), meio de troca (qualquer produto, bem ou serviço, tem que poder ser precificado), manuseio (uma moeda não pode morder ou ser radioativa) e portabilidade (ela tem que se fazer representar onde for com idêntica intensidade). O valor intrínseco da moeda é o representado por suas unidades físicas, enquanto o valor extrínseco é de face.

Uma moeda de ouro tem um valor intrínseco que pode ser maior ou menor que o de face. Se for maior, tende-se a usá-la como reserva de valor e não como meio de troca, até porque ninguém pagaria um sorvete com uma moeda que, se fundida, pode comprar um carro. Se o valor intrínseco for menor que o da face, passa a ser escritural, ou seja, a moeda vale pela confiança que o portador tem em quem a emitiu.

Nesse caso, toda a moeda é, em essência, uma confissão de dívida. Se o Estado é forte, sua moeda é forte; se o Estado é fraco, sua moeda é fraca, posto que as pessoas podem ou não confiar em que ela valha, o que está escrito na sua face, ou ainda, não crer que ela continue valendo o mesmo por um tempo razoável. Tecnicamente, diz-se que ela deixou de ser reserva de valor, mantendo somente o uso como meio de troca. Por fim, se uma moeda é emitida por um órgão oficial e é instituída por lei, ela tem curso legal, caso contrário, se aceita, pode ter curso livre, como as balinhas que se davam de troco antes de a moeda ganhar um contorno puramente eletrônico, portanto, divisivelmente escritural.

O Bitcoin baseia-se num algoritmo que torna crescente a dificuldade para obter cada nova unidade dessa moeda, que tende a ter quantidade finita à disposição de quem a conseguir minerar. Entre seu lançamento em 2008 e a atualidade, a valorização atingiu alguns milhões por cento. Com base em quê? O ouro é físico e quase não existem compostos dele, de sorte que a probabilidade de oxidação é pífia, muito embora haja várias ligas metálicas feitas com ele. Outro motivo para que se tenha elegido o ouro como moeda é ser dúctil, ou seja, pode ser transformado em fios ou assumir qualquer formato.

Por fim, a tecnologia trouxe uso industrial para ele, especialmente na eletrônica, pois sua condutibilidade é ímpar na atualidade. A partir de dezembro de 1971, quando deixou de ser lastro, foi a credibilidade de seu emissor que tomou seu lugar. A credibilidade de alguns países é tanta que não faz falta um lastro físico que as pessoas continuam aceitando aqueles papeluchos como dinheiro. Mais ainda, aceitam a moeda escritural somente, bastando afirmar que o saldo em conta é válido para que todos acreditem.

Assim, Sr. Satoshi, esteja onde estiver, seja lá quem for e que nacionalidade tenha, responda-me por que eu deveria crer numa moeda que não tem emissor, cujo lastro não é palpável e cujo algoritmo de extração não me é dado conhecer? Para complicar ainda mais, quem me garante que as moedas concorrentes, como o Etherum, não se multipliquem a ponto de implodir seu valor?

Melhor do que esperar que a bolha estoure, gastar os Bitcoins para poder comprar um carro com o bom e velho Dólar no futuro é o melhor negócio

Antes de que a bolha estoure, recomendo fortemente que se use o saldo em bitcoins para que, a qualquer momento, possa-se trocar um lindo carro por notas bem verdinhas do bom e velho dólar.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.