Segredos para dirigir economicamente e ganhar um Fiat Uno

Dando continuidade à matéria da coluna anterior, quando falei sobre um Fiat Tipo 0 km que ganhei em 1993, aqui vai outro relato similar, mas com um Fiat Uno em 2008. Em agosto daquele ano, a marca italiana lançava uma nova versão do seu veterano Mille, a Economy. Ela tinha como proposta principal reduzir ainda mais o consumo de combustível do já econômico motor 1.0 Fire flex. Como fazia com certa frequência, a Fiat aproveitou a reunião das várias dezenas de jornalistas automotivos de todo o país para promover um torneio entre nós, profissionais da área.  

O Mille Economy era uma versão ainda mais econômica do pequeno hatch da Fiat (Foto: Fiat/divulgação)

A eleição era simples: escolher o jornalista que conseguisse a melhor marca de consumo com o recém-lançado Mille Economy. Esse evento de apresentação da nova versão aconteceu em Fortaleza, no Ceará, e a prova de consumo ocorreu no Autódromo Virgílio Távora, também na capital cearense. Nessa época, eu representava a Revista Motor Show, como diretor de redação, e meu grande amigo (e também sobrinho) Ricardo Dilser estava lá como instrutor de direção defensiva da própria Fiat. Um ramo da área de comunicação, vale falar. 

O prêmio para o “jornalista mais econômico”, assim como aconteceu no lançamento do Tipo, era justamente um exemplar do modelo que estava sendo lançado. Ou seja, um Mille Economy na sua versão “pseudo-aventureira” Way, com quatro portas e pintura azul marinho metálica. Completinho, tinha direito a rádio, direção hidráulica, ar-condicionado, vidros dianteiros elétricos e por aí vai. E, no grupo com as dezenas de jornalistas, muitos profissionais eram bons na arte de poupar combustível e dirigir economicamente, então a disputa seria acirrada.  

O carro que seria dado como prêmio era um exemplar idêntico a esse das fotos (Foto: Fiat/divulgação)

Sabíamos, eu e Ricardo Dilser, que a parada para ganhar o Mille seria bem difícil. Por isso, resolvemos, de comum acordo, fazer a mesma parceria do lançamento do Tipo, quinze anos antes: trocaríamos confidências e segredos sobre o teste, e se um de nós ganhasse o carro, dividiríamos o prêmio de maneira igualitária.  

A prova, batizada de “Torneio de Economia Uno Mille Economy”, era gerenciada pelo também amigo Carlos Henrique Ferreira, o Caíque, então gerente de comunicação da Fiat (atual diretor de comunicação da Renault na América Latina). Algumas regras deveriam ser seguidas, entre elas a proibição de desligamento do motor durante o trajeto da prova, que era feita através de uma volta completa pelo autódromo cearense. Tudo que estivesse ao alcance para reduzir o consumo, seria válido. Menos desligar o motor com o carro em movimento.  

A prova consistia em dar uma volta com o Mille Economy no circuito do Autódromo Internacional Virgílio Távora, em Fortaleza, com o menor consumo possível (Foto: Fiat/divulgação)

Fiscais espalhados durante todo o traçado do Autódromo, com cerca de 3 km de extensão, acompanhavam de perto para verificar se ninguém quebraria a regra. Para isso, todos os quatro carros que participaram do teste precisavam ficar de faróis ligados o tempo todo: caso o motor fosse desligado, eles se apagariam, o fiscal perceberia e, automaticamente, desclassificaria o jornalista. Como eu e o Ricardo Dilser havíamos feito o tal acordo de cavalheiros, discutimos sobre as dificuldades e problemas de bater a meta de consumo nos curtos 3 km de extensão da pista.  

A saída seria um momento crucial para economizarmos, e qualquer gota de combustível era importante na ocasião. Para quem não sabe, a saída de inércia é o momento de maior consumo na condução de um veículo, quando todo o peso parte da imobilidade para o movimento, exigindo força do conjunto motriz.  

Tirar o carro da inércia seria nosso maior impasse, e pra isso tivemos ideias diferentes (Foto: Fiat/divulgação)

Dentro de cada um dos quatro Mille Economy que participava do teste, um medidor de fluxo eletrônico controlava, a cada mililitro, o quanto o carro consumia instantaneamente. Os dados eram gravados e, no final do percurso, analisados. Das várias dezenas de jornalistas presentes no evento, e que participaram do teste de economia, sobraram oito finalistas, dois de cada um dos carros. Assim, evitava-se variações comuns da motorização de cada exemplar do Mille, ou pequenas diferenças de medição do aparelho. 

Esses oito finalistas, aí sim, foram disputar a final em um só carro, com consumo aferido por um único aparelho, para que não houvesse dúvidas do vencedor. Passada a primeira fase, lá estávamos eu e Ricardo Dilser na final, entre os oito melhores. Eu e ele, vale falar, fizemos o teste em carros diferentes, mas conseguimos superar a grande maioria dos colegas jornalistas.  

O carro dado como prêmio era completo, com direito a todos os opcionais do Mille na época (Foto: Fiat/divulgação)

As estratégias para o melhor consumo, e para ganhar o carro 0 km? Agora, dezessete anos depois, posso tranquilamente contar! Como sabíamos que o percurso era curto, tudo deveria ser resolvido na largada, que, no Autódromo Virgílio Távora, estava num pequeno declive. Um técnico da própria Fiat ficava encarregado de ligar o aparelho a cada início de teste, já que ele ficava desligado. Essa pessoa saía pela porta direita, e nós, ao volante, começávamos o desafio. De início, eu e Dilser tivemos a ideia de sair da inércia em marcha elevada, reduzindo o esforço do motor. Mas, aí, tivemos uma ideia melhor ainda… 

Porque não utilizar a energia elétrica acumulada nas baterias para vencer a inércia do carro, economizando um montão de gasolina? Para saber se isso daria certo, pegamos um Uno Economy que estava lá exposto no evento, sem fazer parte da prova de consumo. Fomos dar uma volta com o tal carro, e realizar alguns testes e experimentos. Com o hatch parado e desligado, engatamos a terceira marcha e demos partida. Ele deu alguns trancos, como esperado, mas saiu funcionando e rodando. O motor de arranque conseguiria tirar o carro da inércia com a energia da bateria, e a terceira marcha engatada faria o Mille engrenar.  

Motor de arranque e bateria de 12 Volts foram dois grandes aliados, assim como o torque do 1.0 Fire flex (Foto: Fiat/divulgação)

Essa foi a principal estratégia do jogo. E, assim que o carrinho saísse do lugar, já subíamos para a 5ª marcha, aproveitando o declive logo após o grid de largada, sem nem colocar o pé no acelerador. Depois disso, o bom torque em baixas rotações do motor 1.0 Fire flex faria o resto, e todo o traçado era feito na última marcha, com o mínimo de aceleração possível.  

Para nos precaver, tivemos outras artimanhas: desligamos tudo que podia consumir energia elétrica, como ventilador da cabine ou rádio. Vidros totalmente fechados, assim como a entrada de ar do sistema de ventilação interna, evitando a criação de um bolsão de ar dentro do carro. Mantivemos apenas o farol ligado, já que era obrigatório. Não foi fácil: em pleno Ceará, passamos muito calor nos nossos respectivos Mille Economy, mesmo com a prova final acontecendo no entardecer, quando o sol já estava fraco.  

No interior, tudo que podia ser desligado de equipamentos elétricos, nós desligamos. Menos os faróis, que deveriam ficar sempre acesos (Foto: Fiat/divulgação)

No percurso, quando havia um declive, não reduzíamos marcha, apenas controlávamos a pressão no pedal de embreagem, para que o motor fosse completamente desligado do câmbio. O eixo piloto e suas engrenagens, com isso, não eram girados. A concentração era máxima: naquele momento, quase fazíamos parte do veículo, e cada giro do motor nos deixava mais distantes da vitória. Integrados a nossos respectivos carros, eu e Dilser fizemos nossas voltas da prova final e, não deu outra: nossa técnica, aliada com a sabedoria da direção econômica, nos garantiu os dois primeiros lugares do ranking! 

No pódio, da esquerda para a direita: Fernando Campos em 4º lugar, eu em 2º lugar, Dilser em 1º lugar, Paulo Cruz em 3º lugar e outro colega jornalista em 5º lugar (Foto: Fiat/divulgação)

Consegui 27,9 km/l de gasolina no percurso de 3 km de extensão, ficando em segundo lugar. Dilser foi além, registrando impressionantes 28,3 km/l, com o mesmo carro. Claro que a bateria 12 Volts e o ótimo motor de arranque nos ajudaram muito nessa vitória e, com esses resultados, depois de muita festa, faturamos o Uno Mille Economy Way quatro portas, pintado de azul marinho metálico.  

Até hoje tenho o “troféu” de segundo colocado no teste (Foto: Lucca Mendonça)

Mantendo em alta nosso acordo de cavalheiros, eu e Dilser tínhamos que dividir o prêmio. Acabei ficando com o carro, e paguei a metade do seu valor de mercado para o Ricardo. O Mille Economy Way acabou sendo o carro de uso diário da minha esposa, Silvana, por alguns anos, até vendê-lo como usado.  

No final, o Mille Economy Way azul marinho quatro-portas ficou para minha esposa, que o utilizou diariamente por alguns anos (Foto: Fiat/divulgação)

Nossa sabedoria e expertise, minha e do Dilser, na hora de lidar com um carro foram alguns dos pontos-chave para essa vitória. E nós sempre tivemos essa boa parceria nas pistas, seja com carros de corrida ou não: conquistamos o Tipo 0 km em 1993, os Mil Quilômetros de Brasília em 2004 (com a Marea Weekend Turbo), levamos para casa esse Mille Economy em 2008, e muito mais.   

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Jornalista na área automobilística há 50 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 69 anos, é casado e tem três filhos homens, de 22, 33 e 36 anos.