Revolução Logística, primeiros passos

A primeira coisa que nos vem à mente, falando-se em logística, é a substituição dos motores térmicos por elétricos. A questão passa por isso, mas não é só isso, talvez, nem principalmente isso. Noutro espaço, discutimos que “da indústria de automóveis, só sobrarão os imóveis”.

De fato, os grandes fundos imobiliários internacionais têm adquirido os galpões industriais para transformá-los em centros de distribuição. Essa opção, em si mesma, carrega a crença de que a maioria dos bens de consumo será importada e precisará ser distribuída de alguma forma para o consumidor local. A aposta na concentração mundial da indústria no Oriente não é um fenômeno brasileiro, é mundial.

Cada vez mais, os enormes galpões industriais viram centros de distribuição, e isso é uma prática mundial (Foto: reprodução/shutterstock.com)

Os principais fundos, presentes no Brasil, concentram seus investimentos nos arredores de São Paulo e Rio de Janeiro e sua área de influência, enquanto, na América do Norte, são aproximadamente vinte e sete pontos de concentração logística, distribuídos nas duas costas.

Essa diferença se deve a dois fatores: o volume consumido e a homogeneidade com que esse consumo ocorre. De qualquer forma, a capilaridade é essencial para que o investimento em centros logísticos seja mínimo, transformando o material rodante em parte do sistema de armazenamento e distribuição, extrapolando o mero transporte.

Todo esse movimento leva a crer que as ferrovias destinem-se ao transporte de matérias-primas oriundas de pontos fixos de produção, como a mineração, destinando-as exportação, com ou sem o beneficiamento primário. Ao mesmo tempo, aposta-se na capilaridade oferecida pelo meio rodoviário para os bens de consumo.

Nesse movimento, as ferrovias seriam destinadas ao transporte de matérias-primas oriundas de um ponto fixo (Foto: Cristiano Oliveira)

Há ainda um terceiro grupo de mercadorias. Elas têm volume que justificaria o uso de ferrovias, mas não saem de pontos fixos, requerendo a flexibilidade das rodovias. Trata-se da agropecuária, cujo ponto de origem, destino, bem como o tipo de carga, deslocam-se pelo território sazonalmente.

De que a agilidade requer automação, não resta dúvida. Dois modelos estão se configurando pelo mundo afora. Em ambos, a eletrificação e a extinção do motorista é uma meta. Na primeira vertente, encontramos os veículos autônomos, indo de caminhões pesados, ainda por apresentar, como o Semi da Tesla, até os VUCs (veículos urbanos de carga), já encontrados, inclusive no Brasil.

Os veículos autônomos, como os caminhões Semi da Tesla, estão na primeira vertente (Foto: Tesla/divulgação)

Esse primeiro modelo requer investimento em pontos de recarga, cuja viabilidade técnica e econômica já se vem discutindo há décadas. Para que se tenha uma pálida ideia, para recarregar as baterias de um veículo como um Semi, com 1.000 hp, capaz de levar 30 t de carga por 800 km, como promete a Tesla, seriam necessários algo como 800 kW de capacidade de suas baterias.

Também como promete a Tesla, para carregá-las em meia hora, o carregador teria de fornecer 1,6 mWh. Ou 2.000 amperes na conexão. É algo, no mínimo, assustador. Some-se a isso toda a dificuldade para criar algoritmos que lidem com um entorno tão mutável quanto as estradas, dificuldade essa acrescida pela mutabilidade da distribuição de  carga, e teremos uma meta para lá de ambiciosa, quase utópica.

Tesla Semi: carregamento com mais de 2 mil amperes na conexão. Assustador (Foto: Tesla/divulgação)

O sistema de distribuição também tem que mudar, visto que, mesmo nos Estados Unidos, grande parte de seu território não está preparada para um consumo elétrico tão elevado.

A segunda vertente, pensada para atender o terceiro grupo de mercadorias, o agropecuário, podendo-se considerar como primeiro passo na direção do modelo descrito na matéria anterior, é o apresentado pela brasileira Randon, em parceria com a também brasileira Weg.

Outra interessante opção é o projeto desenvolvido pela Randon em parceria com a Weg, duas empresas brasileiras (Foto: Felipe Fedrizzi Tazum)

Trata-se da Hybrid R, uma carreta eletricamente assistida, cujos motores reduzem o esforço das carretas nas subidas e nas acelerações, recuperando a carga, seja quando trafegando em velocidade constante, seja nos declives e frenagens, mais ou menos como o desenvolvido pela Stellantis para o Compass 4xe híbrido.

Segundo o fabricante, a expectativa é de uma redução de 25% no consumo de combustível por tonelada carregada, além de permitir o aumento do número de carretas tracionadas simultaneamente por um só cavalo. Nesse caso, reduzindo-se significativamente o dispêndio com mão de obra.

Nas fotos, é possível ver as semelhanças construtivas entre a solução Random e a da Tesla, com dois motores no eixo motriz e o conjunto de baterias pesando no eixo dianteiro para melhorar a distribuição de carga. Trata-se de uma solução incremental bastante interessante porque podem-se usar os cavalos já existentes, ao mesmo tempo em que nenhum investimento em infraestrutura é necessário.

As duas vertentes tendem a convergir e, talvez, o futuro assista a mescla de todas elas, numa paisagem preponderantemente rodoviária como a que já temos por toda a face seca da terra. Algumas medidas podem acelerar ou frear o processo que, no entanto, parece inexorável.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.