Reindustrialização, eis que surge mais uma oportunidade


Antes de entrar no tema, parece muito importante separar o joio do trigo no que concerne aos economistas em geral e aos acadêmicos em particular. Tanto nas publicações jornalísticas como nas acadêmicas, o que mais se vê são manifestações contemplativas. Constata-se o óbvio e não se propõe saída alguma. Age-se como meninos bem-comportados com medo de ofender seus professores, talvez tutores, que se representam como “o mercado”, um ser abstrato, onipresente e onipotente, capaz de constranger quaisquer atitudes que possam criar desenvolvimento econômico.

Não há um ano em que este autor não escreva ao menos uma matéria sobre reindustrialização. Sim, o Brasil tem mercado suficiente para se reindustrializar. Infelizmente, não se pode contar com o capital amealhado pelos exportadores de café para induzir a industrialização como se fez nos anos do desenvolvimentismo. Me refiro ao período entre 1930 e 1980, década em que já se dava o Brasil como país industrializado, sem chance de retrocesso.

Será preciso aproveitar as menores oportunidades, como já discutido em matéria em outro espaço. Desta vez, a oportunidade de ouro surge de um problema criado fora do país: trata-se das dificuldades pelas quais passa a Stellantis, grupo dono de Fiat, Jeep, Ram, Peugeot, Citroën e por aí vai, como se pode constatar neste link.
Parte do problema parece vir das marcas que mais alegrias deram ao grupo, Jeep e Ram. Na verdade, foram elas que ensejaram a aquisição da Chrysler pela Fiat, criando-se a FCA, cuja lucratividade atingiu o auge em 2018, graças ao sucesso de modelos como o Renegade, Cherokee e Compass da Jeep, além das Ram 1500 e 2500, sonho de consumo de todo o cowboy urbano dos Estados Unidos. Os dois primeiros foram tirados de linha e, com exceção do Compass, os demais subiram substancialmente de preço nos EUA.

Alega-se que o Renegade, pelo seu porte diminuto, nunca atraiu os americanos, que optam pelo Compass, maior. Os dois, por chegarem às terras do Tio Sam importados da Itália, acabavam custando praticamente o mesmo preço. O jipinho fez muito mais sucesso na América Latina e em alguns países da Europa. Já o Cherokee, responsável pelo renascimento da Chrysler nos tempos de Lee Iacocca, ficou no passado em 2023 e sua fábrica de Belvidere já foi até desmontada.

Há mesmo quem diga que o SUV foi descaracterizado ao adotar uma plataforma oriunda dos Alfa-Romeo (base Giorgio), na tentativa de padronização entre as marcas e modelos do grupo. O Fato é que a Chrysler nunca foi párea para as duas grandes, GM e Ford. Sempre esteve na dependência da busca de sinergia a partir da fusão de outras marcas que, de uma forma ou de outra, capengavam também. São exemplos disso a Simca francesa e a American Motors. Também já teve de recorrer à ajuda do Estado.

Suas incursões pela América Latina só encontraram algum sucesso no México graças a acordos comerciais entre aquele país e o Mercosul. Mas o que tudo isso tem a ver com a reindustrialização do Brasil? A oportunidade de retomar protagonismo entre os países exportadores de automóveis. Na matéria publicada em 30 de abril de 2020, quando a pandemia ensejou uma queda drástica na taxa de juros, fizeram-se duas sugestões baseadas em crédito.
Agora, considerando que o grupo Stellantis está em má situação financeira, o governo pode oferecer, não somente a ela, mas a todas as empresas que produzam bens de consumo durável, a possibilidade de remeter lucro sob a forma de excedente de produção. Qual seria a vantagem, posto que a remessa de lucros há muito que foi liberada?
Digamos que a margem de contribuição para um Jeep Renegade seja de 30%, por exemplo. Pensamos agora que o Brasil adote a exportação ao curto marginal à guisa de remessa de lucro. O lançamento contábil dessa exportação terá um valor reconhecido de 70% do preço de venda. Assim, o grupo sairia ganhando uma remessa equivalente a 142,85% do lucro reconhecido. A diferença seria auferida no país de destino via a venda da mercadoria.

Não se trata de uma operação simples porque ela deve ser encarada por três eixos: os acordos de comércio exterior (fair trade), o fiscal e o cambial. Entenda “cambial” como: se a empresa estrangeira avalia a exportação ao custo marginal, isso deve ser refletido como um preço de transferência alinhado com as normas de transfer pricing e outras regulamentações locais e internacionais.
O custo marginal é viável desde que seja devidamente documentado e justificado, considerando que a valoração deve seguir os princípios de fair market value para evitar riscos de questionamento por autoridades fiscais. Essa operação pode ter implicações fiscais e cambiais. A contabilidade deve refletir o valor justo desses lucros na moeda estrangeira, ajustando pelo câmbio de mercado na data da remessa.
Esse lançamento deve ser feito em uma conta transitória ou de remessa de lucros no passivo, até que o valor seja compensado no balanço patrimonial. Sob o ponto de vista contábil, a empresa realiza uma exportação pelo custo marginal para maximizar a quantidade de dólares auferidos no exterior, e o lançamento contábil deveria refletir a operação como uma receita de exportação. Sempre com a contrapartida em contas de receitas de exportação e, ao mesmo tempo, o registro do custo marginal na conta de custo das mercadorias vendidas.

Ao remeter o lucro em espécie, o valor em moeda estrangeira deve ser reconhecido como uma diminuição no patrimônio líquido, na conta de remessa de lucros, considerando a variação cambial aplicável, e registrado como um ganho ou perda cambial, se aplicável, de acordo com a data de transação e valores.
Considerações Cambiais e Tributárias: uma atenção especial deve ser dada às regulamentações cambiais e fiscais, visto que a remessa de lucros diretamente em espécie sem fechamento de câmbio pode suscitar verificações sobre preço de transferência e valoração das exportações. Recomenda-se alinhar esses procedimentos com assessoria jurídica para garantir conformidade e evitar autuações ou penalidades futuras. Essa abordagem procura garantir que a operação seja transparente e fiel aos princípios contábeis e às normas fiscais aplicáveis, minimizando riscos regulatórios.

O efeito tributário seria semelhante ao do crédito-prêmio de ICM e IPI dos anos 1980. É que os créditos permaneceriam no ativo, sem a redução dos impostos a pagar, o que redunda no seu aproveitamento em transações posteriores. A vantagem para o exportador é indiscutível, ao mesmo tempo em que se apresenta ao Brasil uma possível reinserção no mercado internacional de bens industrializados, como nos tempos do desenvolvimentismo, a partir da indústria de automóveis.