Preço dos combustíveis, uma eterna disputa

Foto de capa: Aline Massuca/Metrópoles

A primeira vez em que um oleoduto foi furado para desvio de combustíveis no Brasil ocorreu um ano depois da inauguração do dispositivo, em 1941, antes de os Estados Unidos entrarem na guerra e a oferta de gasolina cair 80%. Disso, decorreram duas políticas. A primeira foi o aumento da adição de álcool, saltando dos 5% decretados pelo recém-criado IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) em 1934, para os 15% em 1942.

Concomitantemente, permitiu-se o uso do gasogênio, que era o craqueamento de matéria orgânica e carvão, gerando um gás rico em hidrogênio, para queima em uma adaptação do carburador. Naturalmente, o posto clandestino aberto na Rodovia Rio-São Paulo, foi tão lucrativo que chamou a atenção das autoridades. De lá para cá, a tubulação nunca mais se veria livre das furadeiras dos piratas dos combustíveis.

O roubo de combustíveis é comum, e os piratas cometem o crime custe o que custar (Foto: reprodução/Rede EPTV)

Essa prática é tão mais frequente quanto mais elevado for o preço da gasolina, pondo em risco todos os moradores do entorno da tubulação, até três anos, pertencente à Petrobras. A detecção dos furos e subsequentes reparos consumia uma verba considerável da BR Distribuidora e, curiosamente, a pirataria deixou de ser notícia.

Interessante é que não há como o pirata não ser pego porque existe um exército de vistoriadores, automatizados ou não, a percorrer a tubulação para realizar manutenção e evitar prejuízo financeiro, além de verdadeiros desastres ambientais oriundo de vazamentos. Há também os monitores de pressão, que sinalizam possíveis vazamentos e atos de pirataria. Então, por que a insistência?

Além dos monitores inteligentes de pressão dos dutos, as manutenções são frequentes nas tubulações, descobrindo os crimes (Foto: reprodução/petrobras.com.br)

Claro que há meios muito mais sutis e civilizados para fraudar o Estado ao longo de toda a cadeia de distribuição. Como o ICMS é cobrado das distribuidoras por substituição tributária, não se busca auditar os postos, o que abre uma brecha para que a quantidade vendida por eles seja maior que a adquirida. Mesmo assim, há empresas especializadas em adulterar as bombas para que os números batam em caso de fiscalização.

À primeira vista, a culpa é da carga tributária. Ela encarece produto, e vendê-lo sem pagar impostos, ou mesmo sem pagar pelo conteúdo vendido, torna-se um bom negócio, por efêmero que seja, mesmo porque, tampa-se um furo aqui, abre-se outro furo lá, não importando se físico ou contábil. Será que limitar o ICMS é capaz de tornar o preço dos combustíveis menor e, consequentemente, mitigar a ânsia pela fraude?

Ocorre que, desde a passagem do século XIX para o XX, a correlação positiva entre preço e custo caiu por terra. Ocorre que as coisas valem pelo uso que fazemos delas, não necessariamente pelo quanto foi gasto para produzi-las. Produzir combustíveis, seja de petróleo, seja de matérias-primas vegetais, requer um investimento significativo, seja no refino, seja na distribuição.

Produzir e distribuir combustível requer um bom investimento, mas as coisas nem sempre valem seu pelo custo de produção (foto: Diego Vara/Agência Reuters)

Toda essa cadeia subsiste pela necessidade de mobilidade a custas de combustíveis que se construiu ao longo do século XX, cuja herança vai persistir por, pelo menos, cinquenta anos à frente. Ora, se todos os envolvidos nessa cadeia sabem disso, o Estado também sabe e tira seu quinhão sob a forma de impostos, o que não necessariamente torna os produtos mais caros, porém, necessariamente menos rentáveis, então é de se supor que a cadeia de produção e distribuição tenham maior interesse na queda dos impostos do que a população, pois serviços públicos serão prejudicados.

O projeto inicial previa retirar recursos da educação e da saúde para subsidiar combustíveis. Visto que a queda de preço na bomba fatalmente será menor que a redução de arrecadação, pois a utilidade do produto não se alterou, o grande prejudicado será o consumidor.

E quanto à ânsia pela fraude, alguma coisa muda? Provavelmente, mas não porque a redução dos impostos, com a transferência do valor para a margem da cadeia aumenta, mantendo constante a cobiça. Todo esse imbróglio tem uma só causa: a fragmentação da Petrobras, quebrando a política do poço ao posto que vigorou até 2016, talvez, até 2018, quando a BR foi vendida.

A causa desse imbróglio é simples: fragmentação da Petrobrás, que fez cair por terra a política do poço ao posto (Foto: reprodução/internet)

Até então, mesmo adotando a paridade de preços internacionais, mantendo-se a distribuição, era possível limitar, pela concorrência, os preços nos postos. Hoje, como cada etapa requer remuneração condizente com seu custo de oportunidade, a manobra tornou-se impossível e o resultado é mais um buraco nas contas do governo e mais uma perda em serviços públicos.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.