O Opala Diplomata dos (meus) sonhos

Foto de capa: Severino Ferreira Lima/arquivo pessoal de Leonardo França

 

Quando vim ao mundo em dezembro de 1984, meu avô Severino Ferreira Lima, conhecido como Paraqueda, adquiria de minha saudosa Tia-avó Iolanda, sua irmã, um belo GM Opala Diplomata 1980/1980 verde samambaia. Equipado com motor 2.5 de 4 cilindros e 82 cv a 4800 rpm com 19,8 kgfm de torque a 2600 rpm, câmbio de 5 marchas, ar-condicionado e direção hidráulica, então com pouco menos de 20.000 km rodados.

Comprado ainda em 1984, o Opala 1980 tinha, na época, pouco mais de 20 mil km rodados (Foto: Severino Ferreira Lima/arquivo pessoal de Leonardo França)

Este Diplomata substituiria à ocasião o GM Opala Comodoro 1979/1979 bege, que usava a mesma mecânica, porém com câmbio de 3 marchas, acionamento na coluna e design antigo, que acompanhava nossa família desde 0 km.

Antes do Diplomata 1980, um Comodoro 1979 bege, ainda com o visual antigo (Foto: Severino Ferreira Lima/arquivo pessoal de Leonardo França)

A linha 1980, lançada em meados de 1979, trazia grandes novidades naquele mercado do regime militar e com importações fechadas. Como missão, os engenheiros tiveram à ocasião 3 preocupações: melhorar ainda mais as características de dirigibilidade, assegurar o conforto à altura do carro e permitir o uso de pneus radiais.

Dentre tais modificações, alteraram na suspensão dianteira a ponta de eixo, recalibraram as molas, aumentaram as buchas e o diâmetro da barra estabilizadora. Na suspensão traseira, novas molas e maior diâmetro dos amortecedores garantiam melhor estabilidade, com conforto.

Nessa reestilização de 1980, o Opala passou por diversas melhorias e mudanças (Foto: Chevrolet/divulgação)

A caixa de direção, do tipo setor e rosca sem fim (aquela com folga de Kombi) recebia novo barramento, onde demandava menos regulagens, e consequentemente menos folgas.

O estilo com faróis retangulares, novas lanternas, para-choques maiores e capô mais baixo deixavam o veterano com linhas mais adequadas aos anos 80, mantendo-se com poucas alterações significativas de estilo até o fim de sua produção, em 1992.

Esse visual foi, basicamente, o mesmo mantido até o fim da produção do Opala em 1992 (Foto: Chevrolet/divulgação)

Quanto ao desempenho e consumo, era adequado a seu tempo: 147,5 km/h de velocidade máxima, aceleração de 0 a 100 km/h em 17,25 segundos e com consumo de gasolina de 7,8 km/l na cidade e 10,74 km/l na estrada. Eu sei que seu 1.0 3 cilindros aspirado é mais rápido, mais veloz e economiza o dobro de combustível, mas o torque deste GM 2.5 151 dava a sensação de motor grande. Nem um VW Polo 1.6 16V atual tem tanto torque quanto esse motor Chevrolet.

Voltando a falar do meu avô, ele é residente em Brasília/DF desde 1959, e teve três filhas: Rosemira, Rosângela (minha mãe) e Rosely. Quando elas se casaram, 2 delas escolheram cidades distintas para morar: minha mãe foi para Uberlândia/MG e a tia Rosely para Florianópolis/SC.

Rosângela (minha mãe) e o Opala em Uberlândia (MG) (Foto: Severino Ferreira Lima/acervo pessoal de Leonardo França)

Sempre fã de viagens, e responsável também por minha paixão pelas estradas, meu avô passou a fazer viagens frequentes para estas cidades – Uberlândia (450 km) e Florianópolis (1700 km), partindo da Asa Norte em Brasília, além de viagens que eram feitas ao Rio de Janeiro/RJ para visitar os saudosos Tio Joel Azeredo e Tio Jobir Azeredo, Goiânia/GO na casa da tia Vanda e tio Vasconcelos, à Caldas Novas/GO, Formosa/GO, Araxá/MG, entre outros passeios pelo Brasil.

Na maioria das vezes, levava, engatado no carro, um reboque, fabricado por ele mesmo em 1977 para transportar suas tralhas de paraquedismo (daí o apelido Paraqueda). Assim, o GM Opala andou – e muito – pelo país, onde não faltam histórias pitorescas, como a vez que o motor quebrou (literalmente) em 1988. Essa vou precisar contar…

Tanque de 65 litros cheio, nível óleo conferido, partida no motor e meu avô saiu de Brasília/DF com destino a Uberlândia/MG antes do amanhecer. Ele conta que chegando em Araguari/MG (30 km de Uberlândia), andou alguns quilômetros atrás de um Ford Corcel que estava soltando muita fumaça pelo escapamento, possivelmente com problemas de anéis de pistão ou retentores de válvulas. Assim que foi possível, fez a ultrapassagem, já que na época a pista era simples, e reparou que mesmo após a ultrapassagem, continuou vendo fumaça, desta vez pelo retrovisor.

Pronto para mais uma viagem em 1988, o Opala teve sérios problemas no caminho… (Foto: Severino Ferreira Lima/acervo pessoal de Leonardo França)

Poucos instantes depois, o barulho do motor mudou e, de repente, perdeu imediatamente a potência e começou a fazer um ruído muito forte. Ao parar no acostamento e abrir o capô, a constatação era desanimadora: um rombo no bloco, com a biela do terceiro cilindro exposta e o pistão em pedaços. Ao conferir o óleo de noite, meu avô não viu que a vareta não foi completamente encaixada, e o óleo do motor foi escapando por ali até secar o cárter completamente.

Os tempos eram outros, não havia telefone celular, e como o motor ainda funcionava, meu avô, que era mecânico nas horas vagas, resolveu que chegaria em Uberlândia assim mesmo. Pegou uma carona, comprou 5 litros de óleo, completou no motor, deu na partida e seguiu pelo acostamento rodando com 3 cilindros, muita fumaça e muito barulho. Uma viagem de 30 minutos levou quase 2 horas, pois sempre que a luz do óleo acendia, ele precisava parar e completar o nível novamente.

 

Acreditem caros leitores, o carro chegou andando onde morávamos, na rua das Perdizes, no bairro cidade Jardim em Uberlândia, e ainda com meio litro de óleo para completar. Eu, com então 3 anos, não me esqueço dele entrando na garagem, e principalmente do barulho. Eu chorava com medo, é claro, afinal eu era uma criança.

Jornalista na função de repórter-cinegrafista da Radiobrás e destacado para o comitê de imprensa do Palácio do Planalto desde os anos 70, meu avô decidiu que ele mesmo arrumaria o motor.

Isso era normal para ele, afinal não foram poucas as manutenções no estacionamento aberto de onde mora na SQN 403 em Brasília, como a vez que ele trocou a embreagem do Opala 79 ou desamassou a traseira do VW Gol S usando uma árvore para auxílio (!).

Além de repórter-cinegrafista, meu avô era mecânico nas horas vagas. Trocou, inclusive, a embreagem do Opala Comodoro 1979 no estacionamento aberto do prédio onde morava (Foto: Joseny Azeredo)

Voltou para Brasília de ônibus, comprou um bloco, as peças, e dois dias depois voltou à Uberlândia com a Tia Iolanda (dona à época de um Chevette bege novinho) trazendo os componentes e ferramentas para a saga.

Eu, criança, queria participar, e a lembrança mais gostosa que tenho deste momento foi quando meu avô tirou o capô do Opala e o colocou no corredor, para facilitar seu trabalho. Eu queria “arrumar o motor” de meu velocípede, e ele tirou o capô (na verdade uma carenagem) de minha “supermoto”, colocando ao lado do capô do Opala, algo que nunca vou esquecer.

Eu ajudava, segurando peças ou ferramentas, e o motor foi montado ali mesmo. Na hora da partida, comecei a chorar, e fui correndo para a sala, mas logo parei com o choro pois o barulho era suave, e, após a regulagem do carburador, o motor ficou ligado uma tarde inteira para amaciamento.

Desde então, ele dizia que quando eu fizesse 18 anos, o Opala seria meu. Como ele tinha 2 carros (usava também um VW Gol S 1982 bege e depois um VW Parati CL 89), o Opala era poupado para viagens e ocasiões especiais. Chegou a ficar conosco de 1990 a 1991 em Uberlândia emprestado, em uma época que estávamos sem carro.

Eu adorava andar neste carro, lembro muito bem do barulho da partida e do motor, do volante, do relógio no console, do lindo e confortável interior preto, do barulho de vento cortando o ar graças a sua aerodinâmica similar a uma de rapadura. Sim, eu sempre fui muito detalhista.

Quando comecei a fazer amizades na escola, na terceira série, contava para meus amigos que eu ia ter o Opala do meu avô, e eu tinha muitos planos para o Opalão.

Detalhista que sou, lembro bem de todo o interior do Opala que tanto amava (Foto: Acervo pessoal/Leonardo França)

Eis que, em 1996, em uma viagem de Brasília/DF para Florianópolis/SC, ao passar por Limeira/SP, com muita chuva, o reboque cheio (uma moto Yamaha XLX 250R mais bagagem) e 3 crianças a bordo (minhas primas), o engate se rompeu, fazendo o reboque ir para fora da pista e o carro rodar, sendo atingido por um GM Omega na dianteira.

Com a força da batida, o carro foi jogado para o outro lado da pista, sendo atingido de novo por um VW Brasília, desta vez na traseira. Minha tia Rosely, que seguia em um GM Monza 84 atrás e havia parado por conta da chuva, não viu o instante do acidente, mas quando o encontrou, ficou com o coração na goela.

Uma de minhas primas teve apenas um pequeno corte no queixo, e os demais integrantes do carro não se machucaram. O Opala ficou muito avariado, mas isso não impedia que a viagem seguisse.

Próximo ao local do acidente, meu avô encontrou uma pequena oficina dentro de um posto de gasolina, e após negociar com o mecânico, refizeram a solda do engate do reboque, desamassaram a frente e a traseira, instalaram um novo radiador, e o Opala seguiu viagem.

Já em Florianópolis, o Opala foi enviado para a oficina, onde trocaram o painel frontal, painel traseiro, fizeram a funilaria de paralamas e pintaram o carro por completo. Ficou novo de novo.

No ano de 1997, o Opala foi de novo à Florianópolis/SC, desta vez com a missão de passar uma temporada emprestado à meus tios, que precisavam de um carro para guinchar outros carros, de clientes de sua oficina. O reboque tinha ficado por lá algumas vezes, também emprestado.

Em 1998, eis que meu sonho de um dia possuir o Opala acabou: meu avô viu uma oportunidade irrecusável e o vendeu, comprando uma casa em Uberlândia. Ele dizia que, como investimento, a casa era mais rentável. O Opala foi vendido com 250.000 km rodados após a retifica de 1988 (fora outros 150 mil km de antes) por R$3.000,00, equivalentes hoje a R$ 22.725,41 de acordo com o IGPM/FGV.

Depois de tantas aventuras, acidentes e histórias, o Opalão foi vendido em 1988 com mais de 400 mil km rodados no total (Foto: Severino Ferreira Lima)

A casa foi vendida em 2014, e o reboque, aquele feito por ele, levou ferramentas e demais tralhas para a outra casa de Florianópolis, desta vez puxado por seu Santana 1.8 Mi de 1999.

A casa foi vendida em 2014, e lá estava o reboque, puxado pelo Santana de meu avô, carregando algumas tralhas (Foto: Leonardo França)

Em 2015, meu avô me presenteou com seu estimado reboque, que tem o nº de seu CPF como nº do chassis. Claro que precisei buscá-lo, o que rendeu uma viagem junto com meu avô até Uberlândia em seu VW Santana.

Honrando sua história, fiz uma reforma geral no reboque em 2019, com nova pintura e adequação de sua sinalização. Desde então, o utilizei transportando alguns pertences, desde pequenos fretes para amigos ou mesmo quando me casei. Depois que me separei, ele teve a missão de trazer minha vitrola Philips RF-785 de 1970, minha coleção de revistas e outros pertences de escritório para Ribeirão Preto/SP, onde moro hoje. Além disso, ele também já foi puxado por diversos carros, tudo fotografado, claro.

Companheiro de tantas viagens, o reboque, carinhosamente apelidado de Paraqueda, me acompanhará até meu último dia aqui na terra. Já o Opala Diplomata, meu sonho maior, portador de minhas melhores lembranças e desejos, ficou na vontade, pelo menos por enquanto…

O reboque Paraqueda vai me acompanhar para o resto da vida, e o Opala Diplomata 1980 ficou na vontade, pelo menos por enquanto (Foto: Severino Ferreira Lima)
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Leonardo França é formado em gestão de pessoas, tem pós-graduação em comunicação e MKT e vive o jornalismo desde a adolescência. Atua como Consultor Organizacional na FS-França Serviços, e há 21 anos, também como consultor automotivo, ajudando pessoas a comprar carros em ótimo estado e de maneira racional. Tem por missão levar a informação de forma simples e didática. É criador do canal Autos Originais e colaborador em outras mídias de comunicação.