O carro mais fedido do mundo (e sua causa)

Não são só os moleques que aprontam das suas. Tem muito marmanjo crescidinho que faziam coisas típicas de moleques. Não tenho como me esquecer de algumas terríveis que alguns crescidinhos de minha turma aprontavam quando adolescentes.

Vocês já imaginaram, como é transformar um comportado e pacato Fusca em um dos carros mais fedorentos do mundo? E, o que é pior, além de fedido, o mal-cheiroso Fusca deixava louco seu proprietário que, dificilmente, encontrava a origem daquilo que parecia ser a morte do carrinho e sua natural decomposição. Horrível!

A brincadeira, de péssimo gosto diga-se de passagem, sempre tinha início com algum tipo de desentendimento – ou treta como se dizia na época – com o dono de um Fusca.

As vítimas eram os Fusca, ou outros carros que contassem com uma calota metálica (Foto: VW/divulgação)

Mas, claro, a vítima automotiva não precisava necessariamente ser um Fusca, mas qualquer outro carro que possuísse uma bela e vistosa calota também poderia ser vítima do vingador malcheiroso.

A tal brincadeira, se é que posso chamar assim, era tão ardilosa que tinha um crescente ao longo do tempo. Começava nos primeiros dias com cheirinho desagradável para transformar-se em um fedor insuportável depois de alguns dias.

Além de insuportável, o tal cheiro era enlouquecedor. Você, leitor, deve estar curioso para saber qual era ou de que forma era feita a tal armadilha mal cheirosa. Pois bem, vou contar o tal segredo, mas espero que você nunca utilize esse terrível conhecimento contra aqueles que não te querem bem.

Um dos ingridientes para aprontar aquela vingança com o dono do carro eram sardinhas ou pior, restos de peixe (Foto: reprodução/Shutterstock)

O tal vingador ia nas feiras ou mercados, nas barracas que vendiam peixes. Lá, comprava duas ou três sardinhas frescas e, quando não tinham dinheiro, pegavam restos de peixes que o dono da barraca havia limpado para alguns fregueses.

De posse desses restos mal cheirosos ou das próprias sardinhas, dirigia-se ao carro da vítima escolhida, retirava as duas calotas dianteiras e colocava dentro delas os restos de peixes ou as sardinhas inteiras. Recolocava a peça no lugar e, pronto, a maldade estava feita. Agora, era só uma questão de tempo.

Enchia a calota de peixe, encaixava, e estava pronta a maldade (Foto: reprodução/Shutterstock)

A medida que a pobre vítima utilizava seu carro normalmente e os dias passavam, tudo aquilo que foi colocado dentro da calota, começava a estragar e a se decompor. E, dentro da calota, aquecia e esfriava em função do uso dos freios e do próprio calor gerado pelos rolamentos.

Esse esquenta/esfria acelerava ainda mais a decomposição dos peixes ou de seus restos. Se nos primeiros dias o motorista começava a sentir um cheirinho ruim, a medida que os dias iam se passando esse cheiro piorava vertiginosamente.

E, na maldade, havia outro segredo: se colocava as porcarias nas calotas dianteiras para que quando o carro se locomove-se, uma parte do ventinho malcheiroso fosse parar no interior do carro.

Terrível! Depois de uns dias, não se conseguia chegar perto do carro e o problema era agravado para aqueles que guardavam o carro nas garagens de suas casas.

As porcarias iam nas calotas dianteiras, para que o cheiro fosse parar dentro da cabine (Foto: VW/divulgação)

O dono do carro, sentia o mal-cheiro, mas não identificava de onde vinha, fato que dificultava muito encontrar sua origem. Quando é que o cara ia prever, que um mal-intencionado cidadão, tinha tirado a calota do seu carro e colocado lá dentro algo para apodrecer?

O motorista, normalmente, pensava que acidentalmente tinha atropelado algum bicho sem perceber e que ele havia se prendido na parte mecânica inferior do carro. Acabava levando o carro ao mecânico, e, após uma breve inspeção, acabava por descobrir o plano maldoso do mau intencionado cidadão. Depois de uma boa limpeza nas calotas, rodas e tambores de freio, aos poucos o mal cheiro desaparecia e o carro era recuperado.

Na época, soubemos de casos de pessoas desesperadas que, simplesmente, venderam seus carros, por preços abaixo do mercado, só para se livrar do fedor. No processo em que aumentava o fedor, sabíamos por terceiros das reclamações dos donos do carro, com o crescente mal cheiro de sua condução.

Depois que essa prática ficou mais conhecida, todos os moradores do meu bairro já sabiam: o carro começou a feder sem motivo algum? Retire as calotas dianteiras que você imediatamente descobrirá a causa. Coisas de pessoas mal-intencionadas com a qual convivi em minha adolescência e, hoje, me recordo delas até com ar de risos, mas que na época era um grande transtorno para os donos de Fusca, Gordini, DKW, Simca e Aero-Wyllis.

Outras vítimas eram os Gordini, também equipados com calotas metálicas (Foto: Willys/divulgação)
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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.