Na busca da foto exclusiva, fotógrafo leva até tiro

Verdadeiros heróis esses fotógrafos da velha guarda, que não tinham limites para trazer ao público a foto sensacional de um carro que o mercado sequer sabia que existia. A partir dessa imagem exclusiva, feita às vezes com muito suor, sangue e lágrimas, se desvendavam grandes segredos que a indústria automobilística guardava a sete chaves, na maioria das vezes por questões estratégicas.

Essa busca pelos grandes segredos de nossa indústria automobilística começou lá pelos meados dos anos 60 e foi muito forte até a primeira década dos anos 2000. Grandes profissionais se destacaram na busca desses segredos automotivos, mas alguns fizeram história na qualidade do trabalho com que brindaram o grande público ávido por informações sobre os novos carros que chagariam ao nosso mercado.

Um desses grandes profissionais foi reconhecido por décadas como um dos melhores fotógrafos automotivos do país. Seu nome é Cláudio Larangeira, um ícone da fotografia de carros e de turismo. Laranja, como é carinhosamente chamado pelos colegas do meio jornalístico, era reverenciado quando o assunto era fotos de carros, de paisagens nas matérias de turismo e, claro, nos grandes segredos fotográficos: ele desvendou vários novos carros para o mercado.

Um dos fotógrafos automotivos mais consagrados do mundo, Cláudio Larangeira foi o personagem principal dessa história (Foto: Acervo Pessoal/Cláudio Larangeira)

Na caça do Volkswagem Brasília

Lá pelo final dos anos 60, Laranja já fotografava para a Revista Quatro Rodas, onde trabalhou por mais de 30 anos. E, no inicio dos anos 70, ele estava em uma de suas grandes empreitadas: tirar fotos inéditas do VW Brasília. Só para que se tenha uma ideia, Laranja e o grande e saudoso repórter investigativo Nehemias Vassão rodaram cerca de 15 mil km nos estados de São Paulo e no Paraná caçando o tal lançamento, que sabiam que existia, mas ninguém descrevia como era.

Em foto de época, “Laranja” (na esquerda) e Vassão (na direita) (Foto: Quatro Rodas/reprodução)

Já estavam no limite do fechamento da edição de maio de 1973 da Revista Quatro Rodas quando resolveram descer para a cidade de Santos, viajando pela estreita e perigosa Estrada Velha. Deram a maior sorte: antes do inicio da descida da serra, cruzaram com um comboio de cerca de 5 carros, entre eles um Brasília sem nenhum disfarce, dirigido por ninguém menos que o presidente da Volkswagen na época.

Quando viu o comboio em sentido contrário, Laranja começou a fotografar o Brasília de frente, enquanto Vassão rapidamente conseguiu retornar, na própria estrada, com o Fuscão que utilizavam na época. Assim os dois partiram para cima do comboio, fazendo ainda mais fotos da novidade secreta da VW. Depois de algumas fechadas dos outros carros do tal grupo, provavelmente dirigidos por seguranças, conseguiram parar o Fuscão da dupla de bisbilhoteiros.

No meio do comboio de 5 carros, o segredo guardado a sete chaves do VW Brasília (Foto: Cláudio Larangeira/Quatro Rodas)

Na época forte do militarismo, seguranças portando armas era algo absolutamente normal. Quando pararam Laranja e Vassão, um desses seguranças, de arma em punho, deu um tiro para intimidar a dupla. A bala perfurou a placa dianteira do Fusca que os dois guiavam. Com rádios comunicadores, chamaram a Policia Rodoviária Estadual que, em poucos minutos, já estava na área dando voz de prisão aos dois jornalistas.

Tiro não impede trabalho do fotógrafo

Laranja, muito esperto, aproveitou a confusão e cuidadosamente retirou o filme com as fotos que havia feito, e escondeu o material entre o tênis e a meia. Pra não levantar suspeitas, colocou um outro filme novo na máquina. A primeira coisa que os seguranças fizeram foi tirar a força a câmera, arrancar o filme e, não satisfeitos, ainda quebraram o aparelho. O que esses seguranças não sabiam era que o verdadeiro segredo estava muito bem escondido dentro da meia do Laranja.

O tiro para amedrontar a dupla acertou em cheio a placa do Fusca que eles guiavam (Foto: Cláudio Larangeira/Quatro Rodas)

Depois de detidos e passarem uma tarde no xilindró, foram soltos, mas ainda com o filme de fotografias em mãos (ou melhor, nesse caso, “nos pés). Resultado? A nova Brasília pôde ser vista pelos leitores, na capa da edição de Maio de 1973 da Revista Quatro Rodas. O carro foi apresentado e lançado no final daquele ano, mas já não era nenhuma novidade, graças ao trabalho destemido dos dois repórteres, que enfrentaram até bala para levar a imagem do novo carro ao público.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.