Motor VW a ar: um feito histórico do Sr. Porsche

A história do motor mundialmente conhecido e respeitado de quatro cilindros horizontais contrapostos (boxer), e arrefecido a ar, coincide com a história do Fusca. É uma história confusa e repleta de obstáculos que culminou com o lançamento do KdF-wagen, hoje nosso conhecido e querido Fusca. Em 1930, Ferdinand Porsche começou as suas atividades no seu escritório de consultoria e projetos automobilísticos na cidade de Stuttgart, na Alemanha.

Em 1932, recebeu uma encomenda da fábrica de motocicletas da Zündapp, interessada na produção de um carro popular de grande produção. Porsche, admirador dos carros checos Tatra, desenvolveu um projeto semelhante, batizado de Type 12: linhas aerodinâmicas e compactas, e motor traseiro arrefecido a ar. Porém, por falta de dinheiro, a Zundapp logo desistiu do projeto, ainda que tenha sido construído um protótipo, por isso Ferdinand buscou, e logo encontrou outra marca interessada: a NSU.

O projeto desenvolvido para a NSU era similar ao da Zundapp (Foto: Porsche/divulgação)

Para a NSU, Porsche aproveitou a mesma ideia, que foi alterada, principalmente, no motor: em vez do cinco-cilindros radial oriundo de aviões proposto pela Zündapp, pediu uma motorização mais simples para o carro popular. Da mesma forma que a fábrica de motocicletas, a NSU também não tinha capital para a produção do tal carro, chamado de Type 32, que também não passou da fase de protótipo. É importante salientar que a crise econômica da época, iniciada nos EUA, já havia se tornado mundial.

Em 1934 surgiu a proposta do governo alemão: Hitler queria um carro popular que fosse acessível ao trabalhador alemão. E, para isso, colocou alguns objetivos  que ele deveria alcançar: transportar dois adultos e três crianças, velocidade máxima e permanente de 100 km/h  e consumo de combustível de, pelo menos, 13 km/l.

O projeto encomendado por Hitler era de um carro menor, mais econômico e popular (Foto: VW/divulgação)

Nesse momento, foi fundamental a criatividade do engenheiro Franz Xaver Reimspiess: para atingir os objetivos exigidos por Hitler, ele concebeu um motor de um litro (985 cm³), 4 cilindros horizontais contrapostos, arrefecido a ar de 20 cv baseado em um motor aeronáutico simples e resistente criado pelo próprio Porsche em 1909. Esse foi o ponto de partida do valente propulsor que conhecemos hoje, e que fez história mundialmente.

O motor utilizado nos protótipos que antecederam o Fusca já era um boxer a ar de 985 cm³ e 20 hp (Foto: VW/divulgação)

Primeiro foi usado nos veículos de movimentação de tropas na Segunda Guerra Mundial, um terrestre e outro anfíbio, depois nos valentes Fuscas do pós-guerra. Mas esse motor começou sua vida, de fato, com 1.1 litro e 25 cv, para em 1954 passar a 1.2 litro e 30 cv. Também assombrou o mundo nas pistas de corrida propulsionando os esportivos que levavam a marca Porsche a partir de 1948, começando por uma versão reduzida com 1.086 cm³ para se enquadrar a uma classe de cilindradas nas corridas e ralis. Com dois carburadores, desenvolvia 40 cv.

Esses famosos esportivos, começando pelo 356, foram criados pelo seu único filho homem, Ferry Porsche, que iniciou  sua vida profissional no escritório do pai aos 21 anos.

O sucesso dos motores “a ar” deve-se principalmente a sua simplicidade construtiva, grande resistência mecânica e também a flexibilidade de tudo que é possível fazer a partir de sua ideia básica. Aqui no Brasil, eles começaram a chegar nos primeiros Fusca em 1950 e logo ganharam a simpatia popular, principalmente pela manutenção fácil e de baixo custo. Mas desde o início, e com o passar dos anos, se enaltecia muito o fato de o carro não quebrar, ser econômico e durável, além de não possuir radiador, bomba d’água, mangueiras e outros equipamentos que davam dores de cabeça aos carros americanos, italianos, franceses e afins da época.

Depois de 24 anos de produção (1940-1964) o motor foi substituído por uma nova geração, com várias mudanças, sendo a mais visível o suporte do dínamo ser aparafusado à carcaça em vez de integrado à metade direita dela. Não havia nenhuma peça em comum com o motor anterior. Continuou a cilindrada de 1.192 cm³, mas com 34 cv em vez de 30 cv, mas se abriu a possibilidade de cilindradas mais altas como 1300/38 cv,  1500/44 cv, 1600/50 a  54 cv, e 1700/68 cv.

O novo motor 1300 foi lançado no Fusca 1967, batizado de Tigre por conta de uma propaganda da época. Essa nova família de propulsores foi utilizada em diversos modelos, inclusive no esportivo SP2 (1700) e na Kombi., chegando a ter injeção eletrônica no a partir do modelo 1998, necessária para atender as leis de emissões implantadas no final dos anos 90. Sua potência era de 58 cv a gasolina e 67 cv a álcool, lembrando ainda não havia a tecnologia flex.

Seu último local de produção foi o Brasil, no final de 2005, quando a Kombi passou a ser movida pelo motor EA-111 1.4 de quatro cilindros em linha, necessário pelos então novos limites de emissões. Sem dúvidas, uma das joias raras da engenharia, graças à sua versatilidade, resistência, e pela produção ao longo de décadas, equipando desde Fusca até veículos militares, motocicletas, aeronaves, bugues, picapes, peruas, barcos e uma infinidade de outros meios de condução. Sem dúvidas, um exemplo a ser seguido!

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Jornalista na área automobilística há 50 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 69 anos, é casado e tem três filhos homens, de 22, 33 e 36 anos.