Mais álcool na gasolina, menos dinheiro no bolso

Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Tudo é uma questão de balanço energético. O combustível vendido hoje nas bombas de todo o país, chamado oficialmente de “gasolina”, na realidade é um novo combustível, fruto da mistura do líquido derivado do petróleo somado ao álcool anidro (sem água). Esse novo combustível, apelidado por alguns de “gasonol” (gasolina + etanol) tem o seu poder energético que varia de acordo com o percentual da mistura do combustível fóssil com o derivado da cana de açúcar.  

O combustível que chamamos de gasolina não é exatamente gasolina: está mais para “gasonol” (Foto: reprodução/Freepik)

Como a gasolina pura, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo), possui um valor energético na casa das 10.400 kcal/kg, e o álcool anidro, também pela ANP, oferece 6.750 kcal/kg, é claro que o combustível resultante dessa mistura vai variar seu poder calorífico (quantidade de energia em cada kg, ou litro), de acordo com o percentual da mistura.  

Atualmente, segundo a própria Agência, nossa “gasonol” tem uma proporção de 73% de gasolina pura misturados a 27% de álcool anidro. O sistema eletrônico da maioria dos carros que roda pelo país já se adaptou a essa mistura, de maneira que o funcionamento, e o rendimento, dos motores modernos é bastante razoável. O consumo de combustível fica em níveis aceitáveis. Mas, claro, se tivéssemos menos álcool na gasolina, o rendimento dos carros em km/l, na cidade ou na estrada, seria ainda melhor. Em contrapartida, a emissão de gases poluentes aumentaria, afinal a queima da gasolina libera mais CO² do que a do álcool.  

Em motores modernos, o “gasonol” é queimado sem maiores problemas. Mas nem sempre é assim… (Foto: Stellantis/divulgação)

Assim, quanto mais álcool misturado na gasolina, menor tende a ser a poluição. Mas essas são questões ambientais, e aqui nessa coluna vou me conter aos fatores “preço” e “rendimento”. Se hoje, o “gasonol” vendido nas bombas tem um preço proporcional a quantidade de energia de cada kg (ou litro) de combustível, é claro que, se adicionarmos mais álcool, ele ficará, digamos, mais fraco. Terá menos energia, o que, na prática, resulta em menos km/litro.  

Hoje, a nossa “gasonol”, pela ANP, está com cerca de 9.400 kcal/kg de energia, considerando os 27% de álcool anidro. Agora, o governo fala em aumentarmos a quantidade do combustível derivado da cana para 30%. Ou seja, o “gasonol” vai ficar um pouco mais fraco. Pelas minhas contas, o valor energético desse novo combustível, com 30% de álcool anidro, cairá para cerca de 9.300 kcal/kg, versus os 9.400 da versão com 27%.  

O consumo vai aumentar com o “gasonol” de 30% de álcool: o sistema de injeção vai detectar a menor eficiência energética e enviar mais combustível às câmaras (Foto: reprodução/internet)

 

Falando em energia, fica fácil entender que o consumo de combustível vai subir. Pouco, mas vai. Afinal, a queima do novo “gasonol” com 30% de álcool anidro vai liberar menos energia. O sistema eletrônico de alimentação dos veículos, percebendo isso, vai tratar de injetar um pouco mais de combustível na mistura, fazendo o consumo aumentar.  

Em conversas “energéticas” com o pessoal de fábrica, principalmente aqueles que trabalham na área de motores, percebi uma maneira inteligente de pensar: os combustíveis deveriam ser vendidos a um preço equivalente ao valor energético que produzem. Assim, seria mais fácil comparar potencialidade de gasolina, álcool, diesel, GNV, eletricidade e por aí vai.  

Faria mais sentido precificar os combustíveis de acordo com o quanto de energia eles rende, não? (Foto: Aline Massuca/Metrópoles)

Há tempos, conversei demoradamente com Ricardo Dilser, que foi supervisor de produto na Stellantis, antes de assumir o cargo de editor/apresentador do programa AutoEsporte, na TV Globo. Ele já defendia a tese de que, por uma questão de justiça, todos os combustíveis deveriam ser precificados em função da quantidade da energia que rendem. Sem envolver condições políticas, mercadológicas, empresariais e por aí vai. Dessa forma, ficaria mais fácil de entender (e calcular), e seria mais justo para o consumidor escolher o combustível que lhe fosse conveniente na hora do abastecimento.  

Mas, obviamente, outros fatores estão envolvidos nessa questão do poder calorífico. Cada combustível tem sua característica. A gasolina, por exemplo, com alto valor energético, é a que mais rende nos km/l, justamente pela sua queima que libera mais energia. A contrapartida do combustível derivado do petróleo é a tal da emissão de gases poluentes, que, segundo especialistas, acaba desequilibrando a atmosfera do planeta. O nível de CO² liberado durante a queima é elevado.  

Os testes de emissões de gases poluentes não negam: a gasolina, apesar do maior poder calorífico, gera mais CO² na queima (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

Já o álcool comum, hidratado (possui cerca de 6% de água), entrega muito menos energia em sua queima (6.300 kcal/kg). Apesar disso, libera uma quantidade de CO² muito menor na atmosfera, poluindo menos o ambiente. Além disso, seu poder antidetonante é bem maior que o da gasolina, o que permite ao motor valores altíssimos de taxa de compressão (14 ou 15:1), o que melhora significativamente o rendimento térmico da máquina. Por isso seu consumo não é absurdamente alto. Quando bem aproveitado em um bom motor, compensa o menor poder calorífico com maior eficiência (eleva potência e torque, por exemplo).  

É uma pena que os motores flex, que tem a limitação da gasolina, tenham freado o desenvolvimento dos motores puramente a álcool. Hoje, com os avanços da eletrônica no gerenciamento de um veículo (injeção de combustível, ignição e afins), os resultados são alta eficiência e ótimo rendimento. Mas, infelizmente, a possibilidade de uso de gasolina em algumas regiões reduz a performance desses motores. Por isso que um motor flex é bom tanto com álcool quanto com gasolina, mas ele não consegue extrair o melhor de nenhum desses dois combustíveis.

Motores flex são bons queimando gasolina ou etanol independentemente da proporção, só que eles não conseguem extrair o melhor dos dois combustíveis (Foto: VW/divulgação)

A adição de mais 3% de álcool na gasolina não será sentida pelos carros flex, que rapidamente se adaptam à nova proporção. Porém, certamente, em veículos importados que aceitam apenas gasolina, a diferença será grande. Da mesma forma, veículos mais antigos puramente a gasolina, também sofrerão mais. O peso será sentido no bolso do motorista, afinal ele pagará o mesmo preço (ou mais) no “gasonol”, que virá com (ainda) mais álcool em sua composição. 

No final, a diferença sai do bolso do motorista, que vai levar 3% de etanol a mais, pagando preço de gasolina (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Numa situação teórica, ao abastecer o tanque de um carro movido só a gasolina com 100 litros, serão 30 litros de álcool custando preço de gasolina. 3 litros do combustível derivado da cana a mais, e, particularmente, duvido que haja compensação financeira para tal. Dificilmente vão readequar os preços considerando a nova proporção de álcool, e pagaremos mais para levar menos. No final, acabará saindo dos nossos bolsos, mas, fazer o que, não é? 

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Jornalista na área automobilística há 50 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 69 anos, é casado e tem três filhos homens, de 22, 33 e 36 anos.