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Alguém já se perguntou por que as transmissões geralmente têm a marcha à ré mais reduzida que as destinadas ao cruzeiro? Entre os motoristas comuns, essa pergunta nem cabe porque eles não sabem para que servem as marchas. Eles simplesmente operam o câmbio porque foram ensinados assim na autoescola. Muitos até intuem que algo de especial ocorra porque, em quarta marcha, o carro atinge velocidade maior do que em terceira, mas não imaginam que isso se deva a uma relação entre engrenagens com número diferente de dentes.

Grande parte das pessoas não sabe que, em marcha à ré, o motor continua girando na mesma direção, somente as rodas giram na direção oposta graças a uma engrenagem intermediária, também chamada de inversora. Muitos pensam que, como acontecia com alguns modelos Saab dos anos 1950, a inversão seja feita com o motor girando no sentido oposto, o que só é possível para motores de dois tempos.

A marcha à ré tem uma relação mais reduzida que as marchas à frente porque o que se pretende é força, não velocidade. Mas por que força? Porque, além de muitas garagens serem subterrâneas e contarem com rampas muito íngremes, a reversão de marcha é usada para tirar o veículo de situações adversas como acidentais saídas de pista, bem como sair de valas e atoleiros.

Talvez Donald Trump não saiba de tudo isso, talvez saiba e não consiga estabelecer uma correlação entre a transmissão de um automóvel e o desenvolvimento de um país. Daí ele crer que seja possível engatar uma marcha à ré na História e levar um país de volta aos dias de glória. Justiniano tentou fazer isso em Roma e se deu mal. Aboliu o catolicismo como religião imperial, repôs os antigos deuses nos andores e tentou achacar os membros do império com mais impostos e expurgos das cabeças louras de seus exércitos. Nada disso fez a História retroceder, mesmo porque se essa volta fosse possível, História deixaria de ser.

Para entender a falha de raciocínio de Trump, tomemos apenas um exemplo, o aço. O que terá feito com que as siderúrgicas americanas perdessem competitividade entre os anos 1970 e 1980? Foram dois fatores básicos, o teor de ferro dos minérios disponíveis na américa do Norte. Enquanto as melhores jazidas dos Estados Unidos e Canadá atingem os 60% de ferrita (FE2O3), as jazidas brasileiras e australianas chegam aos 80%.
Além disso as melhores jazidas de carvão mineral necessário à redução do ferro já se esgotaram, ao passo que a China está assentada sobre depósitos virtualmente inesgotáveis, enquanto o Brasil consegue reduzir o carvão da madeira, produzindo o aço mais verde do mundo. O minério de ferro brasileiro é tão melhor que o americano que compensa enviá-lo para o outro lado do mundo. Recentemente, encontraram-se novas jazidas no Mato Grosso e no Nordeste, sendo as mais promissoras as da região de Craíbas (AL).

Enquanto a China tiver carvão e o Brasil tiver minério de qualidade insuperável, enquanto China e Brasil tiverem os melhores acordos de comércio internacional, o aço desses dois países será imbatível, e o mercado mundial será inundado por aço brasileiro ou chinês. Tamanha qualidade favorece a indústria estadunidense. Pôr impostos sobre o aço importado é, portanto, penalizar a própria cadeia industrial à jusante, incluindo a fabricação de automóveis.

O que aqui se referiu vale também para o alumínio, cuja percentagem em peso e volume na indústria de automóveis vem subindo a cada década. De novo, a qualidade das jazidas brasileiras de bauxita é insuperável, além de usarmos energia elétrica barata e limpa para reduzi-lo. Reta perguntar se é justificável envergar um boné do MAGA (“Make America Grate Again”), enquanto sua indústria se esmaga.
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