Novo Hyundai HB20 escolhe a polêmica estética

A Hyundai fez a “lição de casa” de maneira brilhante com o primeiro HB20, lançado em 2012. A Caoa “levantou” a marca coreana por anos, tirando a Hyundai da vala comum, antes comparada aos chineses, e a colocou em patamar premium. Em seguida, surgiu o HB20 (e o HB significa exatamente Hyundai Brasil) com raro acerto para o país: um compacto eficiente e confiável, saído da então nova fábrica de Piracicaba (SP). Reinou tranquilo na segunda colocação dos mais vendidos, muitas vezes limitado em vendas pela própria capacidade de produção da fábrica, que funciona em três turnos. O sucesso foi tão grande que o carro sobreviveu bem durante sete anos apenas com pequenas mudanças visuais. Um fenômeno.

Uma das razões do sucesso foi certamente seu design, que foi quase uma unanimidade, considerado bonito pela maioria dos consumidores.

Com carroceria e interior totalmente renovados, HB20 pretende continuar o sucesso do modelo anterior (Foto: Hyundai/Divulgação)

Aí começa o problema: uma das tarefas mais difíceis é substituir um carro de sucesso. Enquanto é fácil mexer em carro considerado feio e de baixa aceitação, substituir um modelo que está entre os mais vendidos é muito, muito complicado. O primeiro HB20 vendeu mais de um milhão de unidades. E agora a Hyundai fez uma aposta arriscada, escolhendo um design ousado e polêmico.

Vide exemplo do Peugeot 206, um sucesso lançado no final dos anos 1990, mas que a fábrica francesa tenta até hoje em fazer um substituto à altura em termos de visual.

Agora é a vez da Hyundai, que acabou de lançar o Novo HB20. O acerto mecânico, dinâmico e de soluções para o interior do compacto exclusivo para o mercado brasileiro é exemplar. Os coreanos de Piracicaba realmente aprenderam muito com os sete anos de vida do primeiro HB20 e colocaram em prática esse aprendizado no novo modelo que, pelo seu comportamento, parece ter subido na escala dos compactos, se posicionando em segmento superior, chamados de Premium.

O novo HB20, nesse primeiro contato com os modelos de topo da gama, está muito gostoso de dirigir, confortável, bom de curva e com bom nível de silêncio a bordo. O novo motor turbo de três cilindros Flex (com injeção direta, 120 cv a 6.000 rpm e 17,5 mkgf de 1.500 rpm a 3.500 rpm, tanto com álcool quanto com gasolina) parece muito bem acertado, em nada lembrando a primeira tentativa de transformar esse três cilindros em turbo, em 2016, tanto que sua produção parou em 2018.

O novo motor turbo três cilindros (todo em alumínio, baseado no Kappa 1,0 anterior, que continua nas versões mais simples) ganhou muito com a nova configuração, inclusive com a injeção direta de combustível, sendo bastante “liso” em funcionamento, sem o menor sinal de turbo lag. Traz comando duplo variável, controle de temperatura separado para bloco e cabeçote e sensor de álcool para adaptação mais rápida ao combustível. Trabalho competente de coxinização e balanceamento de peças móveis eliminam qualquer percepção de vibração do motor três-cilindros, conhecidos pelo seu “samba” em marcha-lenta.

Novo motor turbo 1,0 em alumínio, com injeção direta, consegue conciliar bom rendimento com economia (Foto: Hyundai/Divulgação)

O 0 a 100 km/h parece invertido nas informações da Hyundai, já que o sedã, com 10,5 segundos, parece mais rápido que o hatch, com 10,7 segundos (tanto para álcool como gasolina, já que potência e torque não se alteram com os dois combustíveis). E o sedan HB20S pesa cerca de 30 kg a mais que o hatch: 1.015 kg contra 1.091 kg na mesma versão. O motor turbo GDI (gasoline direct injetcion) sempre vem acoplado a câmbio automático de seis marchas, sem opção para manual. Nestas versões de topo, borboletas no volante permitem trocas manuais. Câmbio manual só acompanha algumas versões 1,0 e 1,6 aspirados.

Traseira do HB20S ganhou desenho harmonioso (Foto: Hyundai/Divulgação)

Mas, este número de aceleração do motor turbo desde a imobilidade não traduz a sensação ao dirigir, já que o melhor fica para o incremento de velocidade acima dos 100 km/h, quando o novo HB20 mostra uma aceleração “cheia” e competente, principalmente em ultrapassagens.

Mais que o torque e potência (dentro da média dos três cilindros turbo em produção) também o baixo peso, em torno de uma tonelada, colabora muito para boas retomadas de velocidade no hatch e sedã.

Comprimento (3.940 mm no hatch e 4.260 mm no sedã) aumentou em 20 mm, assim como a distância entre eixos, que ganhou 30 mm, chegando aos 2.530 mm, idêntica nas duas carrocerias.

Interior ficou mais espaçoso com o maior entre-eixos e desenho do painel traz sensação de amplitude (Foto: Hyundai/Divulgação)

Com tudo reformulado, o novo HB20 ganhou mais espaço interno e conforto, inclusive com banco do motorista com regulagem de altura e volante com ajuste de altura e distância.

Além disso, trouxe melhor dirigibilidade e funcionamento mais eficiente das novas suspensões, com a traseira finalmente eliminando a limitação do modelo anterior, que “sentava” facilmente com carga perto do máximo. Agora ambas conseguiram um bom compromisso entre conforto e esportividade, demonstrado nos mais de 100 quilômetros de teste por estradas malconservadas no sul da Bahia, partindo de Comandatuba, onde foi o lançamento.

Apenas a suspensão dianteira usou o velho truque de ter um curso mais limitado, o que ajuda a garantir menor rolagem (inclinação da carroceria em curvas rápidas). Em compensação, em depressões maiores (como desníveis de entrada de pontes) a dianteira chega a dar fim de curso de compressão quando o carro é dirigido de forma bem pouco civilizada. Mas o final de curso conta com batente hidráulico e não há batida seca. Em uso normal dificilmente se vai perceber esta limitação de curso. As suspensões se mostram bastante eficientes no uso normal, graças a um bom acerto, assim como os freios (discos dianteiros e tambores na traseira).

A direção com assistência elétrica tem “peso” adequado em relação à velocidade, sendo bastante rápida nos desvios em rodovias.

O novo HB20 engoliu bem os muitos buracos da pista e se mostrou bastante econômico: mesmo dirigido esportivamente e sem o menor cuidado quanto a economia, fez média de mais 12 km/litro de gasolina em todo percurso. Em trechos com velocidade estabilizada (em torno dos 120 km/h) esta média ultrapassava os 13 km/litro.

A boa sensação ao dirigir também tem o auxilio do maior espaço interno e, principalmente, do novo design de interior. Apesar da abundância de plástico, mas que transmite qualidade, o painel é afastado dos passageiros e baixo, de fácil leitura e que permite ampla visualização da estrada logo à frente. A nova tela central “flutuante” de 8 polegadas, com sistema compatível com Android Auto e Apple CarPlay, tem fácil manuseio.

Interior em couro “prata lunar” traz uma opção das mais agradáveis, mas certamente venderá pouco (Foto: Hyundai/Divulgação)

Ou seja, tudo colabora para uma boa sensação no interior do HB20, principalmente no sedã topo de linha com opção de azul claro nos revestimentos (couro, cinza lunar). Mas, é só uma curiosidade, já que será rejeitada por “sujar facilmente”.

No topo de linha, a tela central transmite imagens da câmera de ré e na longa lista de equipamentos consta também frenagem autônoma de emergência (até 50 km/h), alerta de desvio de faixa de rolagem. Há ainda Start/Stop e aviso de pressão dos pneus entre estes equipamentos.

Mas, estamos falando das versões mais caras, com combinação do motor 1.0 turbo e câmbio automático, sempre acima dos R$ 70 mil.

Na verdade, há uma nova família do novo HB20, com preços variando entre R$ 46.490 e R$ 81.290 — são 22 versões! Nesta ampla faixa, além de equipamentos, varia também a motorização, que vai do conhecido 1,0 três-cilindros aspirado (de 80 cv), passa pelo quatro-cilindros 1,.6 também aspirado (de 130 cv, o mesmo do Creta), para chegar no novo 1,0 turbo no topo da gama. O mesmo acontece até com as rodas, que variam de 14′ de aço até 16′ em liga leve.

Isso além das versões hatch (simplesmente HB20), sedã (HB20S) e também o “aventureiro” HB20X, este ultimo equipado exclusivamente com o motor 1,6.

Ou seja, com uma variação de preço que chega quase a 80%, a Hyundai montou uma complicada e enorme lista de versões e equipamentos, que precisam ser vistos com muito cuidado para comparar custos quando se analisa a concorrência neste faixa ultrapopulosa de mercado. Ainda mais agora que a GM veio com um Ônix muito renovado para manter (e ampliar) sua liderança.

E o estilo?

E aí vem um aspecto cuja analise pode servir para coisa nenhuma: o ousado e poêmico estilo do novo HB20. Antes de palpitar em uma área que no AE  pertence certamente ao grande Luiz Alberto Veiga, coloquei fotos do novo HB20 nas redes sociais para saber a opinião de mais pessoas. Resultado: muitas críticas, poucos elogios e proprietários do HB20 “antigo” confessando que preferem o modelo anterior (e estes são o primeiro alvo de qualquer carro após uma renovação). Entre os jornalistas, algumas opiniões quase unânimes. Primeiro, a nova e grande grade “boca de bagre” não é feia, mas não “conversa” com o restante do carro. Segundo, o tal “teto flutuante” (cuja impressão visual é feita por uma peça plástica em X na coluna C) também não explica a que veio. E ainda traz uma imitação de um terceiro vidro lateral triangular impressa no plástico. Sua função estética é, no mínimo, estranha.

Apesar de ser um projeto único, sedã e hatch tiveram resultado estético bem diferente (Foto: Hyundai/Divulgação)

Mas que isso, mais da metade das informações foram exatamente para “explicar” o novo estilo, uma derivação do novo Sonata com grande influência do protótipo Saga, que apareceu no Salão do Automóvel. Inclusive com a presença de Simon Coasby, inglês radicado na Coreia e Vice-Presidente de Designr da Hyundai. O próprio Simon concorda que o desenho é polêmico, muitos não gostaram, mas acredita que a porcentagem dos que admiraram o novo visual garantirá a continuidade das boas vendas do HB20.

Muita explicação sobre um mesmo tema, o design, me parece um reconhecimento que aí existe um problema. Com tudo isso, se trata-se de uma ousada decisão da Hyundai em lançar um desenho que provoca “tapas e beijos”, ainda mais para substituir um modelo que continua atraente e atual, mesmo depois de sete anos de mercado.

O “teto flutuante” usa um elemento plástico preto fosco em X para criar esta sensação visual (Foto: Hyundai/Divulgação)

Mas, entre os jornalistas presentes no lançamento, surgiu uma unanimidade quanto ao sedã. Raramente se vê uma traseira tão feliz e harmônica, desde o caimento da linha de teto e laterais, até o fechamento estético com o tampa traseira, que inclusive conta com sua parte superior em Black Piano para aumentar visualmente a altura do vidro traseiro. E, como brinde, um ótimo porta-malas para 475 litros (25 litros mais que o anterior). Como usa estepe temporário, ainda sobre um espaço sob a tampa do assoalho, um bom local para levar muambas. Mas, claro, há uma critica: as dobradiças são no estilo “pescoço de ganso”, ótimas para amassar malas. Merecia dobradiças pantográfica.

Perfil do sedã com belo caimento, em um modelo que pesa apenas 30 kg mais que o hatch (Foto: Hyundai/Divulgação)

Como prêmio de consolação, acredite que o carro não é muito fotogênico e, ao vivo, parece melhor que nas fotos. Bem ao contrário das fotos de perfil da maioria das pessoas nas redes sociais.

Enfim, é esperar para ver se o HB20 continua sua longa carreira de sucesso, baseado principalmente nas ótimas qualidades dinâmicas e interior bem solucionado e confortável. A versão aventureiro HB20X traz aquele exagero de plásticos com finalidade apenas estética, que deve agradar alguns poucos.

O aventureiro HB20X prossegue totalmente remodelado (Foto: Hyundai/Divulgação)

Isso até lembra meu velho pai, quando apareceu em casa com um dos primeiros Fuscas que foram importados para o Brasil. Todo mundo, inclusive meu pai, achou horrível. Mas gostamos do carrinho. E hoje quase todo mundo acha o Fusca lindo.

Se você achou o novo HB20 hatch lindo, vale a velha frase do nobre e intelectual escritor italiano Luigi Pirandello, do início do século passado: “assim é, se lhe parece”. E apenas para checar minha falta de conhecimento técnico sobre julgar carros feios ou bonitos, qual é sua opinião?

(Texto escrito publicado originalmente no site AutoEntusiastas. Para mais detalhes, ficha técnica e equipamentos de série, acesse a matéria original)

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Um dos mais respeitados jornalistas automobilísticos brasileiros, Engenheiro mecânico e jornalista, foi editor da revista Duas Rodas e publisher da revista Oficina Mecânica. Atualmente é um dos editores da revista TOP Carros além de colaborador da Folha de S. Paulo e de diversos outros meios. Também é autor do livro "Sorvete da Graxa".