Jeep: de velho de guerra à marca mais carismática do Brasil

Era 1941 quando a Jeep foi fundada pela Willys, que ganhou um convite, no ano anterior, para a construção de 70 veículos leves com tração 4×4, em uma concorrência com a Bantam. No final, esta marca entregou o projeto 30 minutos antes do término do prazo, e acabou levando o contrato. 

Meses depois, o Exército norte-americano incentivou a Willys e a Ford a fazerem seus modelos piloto, e encomendou à cada marca 1500 unidades. O Bantam BRC foi apresentado com motor de 1826 cm³ e 46 cavalos, o Ford GP com 1950 cm³ e 46 cv e o Willys MA com motor de 2200 cm³ e 60 cavalos, sendo escolhido o modelo da Willys por ser o mais potente. A assinatura do contrato com a Willys se deu em 23 de julho de 1941. Também determinaram a alternativa de produção com a Ford em 10 de novembro de 1941, que fornecia o jipe GPW, e com a Bantam, que seria a responsável pelos trailers de carga. 

Foto recente de um Ford GPW com trailer de carga Bantam (Foto: reprodução/PreWarCar.com)

Ao final da Segunda Grande Guerra, a Willys requisitou o registro do nome Jeep, o que foi contestado na justiça pela Bantam. No final, esse registro só seria efetivado em 1956, após a falência da Bantam.  

Nossa indústria automotiva estava nascendo, mas, antes disso, o Jeep CJ3-B já estava em solo nacional como importado (Foto: Jeep/divulgação)

Enquanto isso, aqui no Brasil, a indústria automotiva nascia graças aos incentivos que começaram oficialmente em 1952, com o Aviso 288, da CEXIM. No ano seguinte, o Jeep foi lançado no Brasil com a fundação da Willys-Overland do Brasil, com montagem local para 1954 (e todos os componentes ainda importados). O modelo era o CJ3-B, sucessor do CJ3-A montado em CKD desde 1947 pela Gastal, 1948 pela Jeepasa e 1949 pela Agromotor. Este novo modelo continuava a ter um motor quatro cilindros com 2.2 litros, porém com válvulas de admissão sobre as câmaras de combustão, 75 cv de potência SAE (63 cv ABNT). Era 14 cv mais potente que o CJ3-A. 

O crescimento mesmo veio a partir de 1956, quando tomou posse o presidente Juscelino Kubitschek. Com o lema de crescer 50 anos em 5, vários setores foram incentivados, inclusive o automotivo. Como ato de seu governo, um grupo de trabalho foi criado com a missão de apresentar, em 30 dias, um plano para execução do parque automobilístico no país. 

Foi aí que o GEIA (Grupo de Estudos da Indústria Automobilística) realmente viabilizou os esforços, os planos e as iniciativas referentes ao parque automobilístico nacional. Embora os primeiros automóveis realmente feitos em solo nacional datem de 1956, estreia feita pelo Romi-Isetta e DKW Vemaguet, a produção se iniciou de forma efetiva em 1957.  

Neste mesmo ano, era produzido o Jeep CJ5. Maior, mais largo e mais pesado que os CJ3, nasceu com o motor Hurricane de quatro cilindros mas logo ganhou, em 1958, o BF-161, de seis cilindros, 2.6 litros e 90 cv SAE a 4400 rpm (75 cv ABNT) e 18,7 kgfm de torque a 2000 rpm. Na prática, o guerreiro conseguia acelerar de 0 a 100 km/h em 26,8s, e atingia os 118 km/h de velocidade máxima nas melhores condições. Seu consumo era alto, percorrendo algo ao redor dos 4 km/l na cidade e 6 km/l na estrada, com gasolina. Seu motor era o mesmo da Rural e do Aero-Willys, sedan que também usou a base do CJ5. 

Jeep CJ5 veio maior, mais largo e pesado que o CJ3-B, e também era um pouco mais urbano (Foto: divulgação Jeep/reprodução EBay)

Versátil, era visto nas construções, puxando arado e levando alunos às faculdades. Assim, ajudou a construir Brasília/DF, grande marco do governo JK, além de desbravar as estradas precárias deste Brasil, que saltava de um país tipicamente rural para outro urbano. Fazia sucesso, tanto que, por dois anos consecutivos, 1957 e 1958, foi o nosso carro mais vendido, sob o nome de “Universal”.

Nos anos seguintes, outros modelos figuravam nesse posto, sendo o VW Sedan a preferência nacional por 24 anos consecutivos, mas o Jeep nunca saiu de cena. Ele foi fundamental para o crescimento acelerado que o país tinha à ocasião. Além disso, com estradas tão ruins, era de se esperar que um modelo com robustez mais do que provada desbravasse as terras brasileiras de Norte à Sul, encarando tudo o que pudesse.  

Por mais que tenha perdido a liderança no ranking dos mais vendidos para o Fusca, o Jeep Universal ainda seguiu sendo sucesso por bons anos no Brasil (Foto: Jeep/divulgação)

No Brasil, a linha Jeep incluía ainda a Rural (o primeiro SUV nacional, digamos assim) e a Pick-Up Jeep, ambas reestilizadas pelo designer americano Brooks Stevens em 1960 exclusivamente para nosso mercado. Como detalhe memorável, uma grade moderna que lembrava as colunas que Niemeyer projetara para a nova capital, Brasília.  

Depois que a Ford comprou a Willys, em 1967, os modelos foram rebatizados, onde a Pick-Up Jeep passou a se chamar F-75, a Rural Willys virou Rural Ford, e o Jeep trocou seu nome para Ford Jeep.  

Depois, toda a linha Jeep Willys passou a ser da Ford (Foto: Ford-Jeep/divulgação)

A partir de 1976, todos eles passaram a ser equipados com o motor Ford OHC de 2.3 litros do Maverick, capaz de entregar 91 cv de potência SAE a 5000 rpm (76 cv ABNT) e 17 kgfm de torque a 3000 rpm. Com rotação mais alta, e graças a sua concepção mais moderna, era mais eficiente. Agora, fazia 6 km/l na cidade e 9 km/l na estrada, com aceleração de 0 a 100 km/h em 23,3s. A máxima era a única reduzida, para cerca de 114 km/h. A Ford Rural saiu de linha em 1977 e, em 1983, a F-75 e o Jeep seguiram o mesmo caminho. Mas a história da Jeep não acabava em nosso país… 

A marca continuava no mundo, e desde 1962 fazia o Wagoneer, o primeiro no conceito Utilitário Esportivo 4×4 de luxo do mundo. Foi sucessor da nossa Rural no exterior, e trouxe avanços inéditos como suspensão independente, direção hidráulica, ar-condicionado e transmissão automática. O modelo deu tão certo que foi produzido com alterações mínimas por quase três décadas.  

Em 1974, com a popularização dos SUV, começa a fabricação do Cherokee SJ, inicialmente só com duas portas e porte mais compacto que o do Wagoneer. Logo ganhou cinco portas e se tornou o maior sucesso da marca. Em 1987 veio o Wrangler (YJ), sucessor direto dos CJ. Com o design inspirado no Jeep clássico, trazia o requinte técnico do Cherokee, com foco em conforto para uso diário. Era caracterizado por seus faróis retangulares, e contabilizou, ao redor do mundo, mais de 685 mil unidades vendidas. 

Já em 1993 chegava ao mercado o Grand Cherokee, modelo de enorme sucesso, inclusive no Brasil, onde fez fama com jogadores de futebol e celebridades diversas ao volante. Trazia diferentes tipos de tração 4×4 (Command Trac, Select-trac e Quadra-trac), airbag para o motorista (primeiro SUV do mundo com tal item de segurança), freios ABS e motores seis-em-linha ou V8 de até 5.9 litros, sem contar os turbodiesel para mercados de exportação. Tinha ronco poderoso, fazendo jus ao seu porte, e bastante imponência no trânsito. Hoje, já clássico, ainda é visto nas mãos de homens bem-sucedidos que os compraram 0 km ou com trilheiros, que usam sem dó. 

No ano de 1997 chegava a segunda geração da linha Jeep Wrangler (TJ), agora com faróis redondos, molas helicoidais para maior conforto e estabilidade, além da versão alongada Unlimited, apresentada em 2004 com maior entre-eixos. Já 2003 foi o ano da terceira geração do Cherokee, com forte inspiração dos Wrangler. Este modelo fez ainda mais sucesso, e tornou-se sonho de consumo de uma geração que admirava o SUV de luxo. Foi chamado de Jeep Liberty em alguns mercados, inclusive no norte-americano. 

Em 2007 veio o primeiro Compass, um utilitário com vocação mais urbana, moderno e confortável. Neste mesmo ano, também, o Wrangler chegava a sua terceira geração, maior e mais largo, com freios ABS, controles de estabilidade e tração. Uma nova geração do Cherokee nasceu em 2014 com design controverso, mas que prometia inspirar outros modelos da marca. Seu foco eram os itens de conforto e conectividade, sem deixar de lado o espírito aventureiro. 

Cherokee 2014: estética polêmica… (Foto: Jeep/divulgação)

A produção nacional da Jeep voltaria em 2015, mesmo ano de lançamento mundial do Renegade, primeiro SUV “moderno” feito no Brasil pela marca. Curiosamente, tinha plataforma, vários componentes mecânicos, tração e suspensão compartilhados com o Fiat 500x, união possível graças ao então grupo FCA (Fiat-Chrysler Automobile, hoje Stellantis).  

O Renegade trouxe diversas referências estéticas aos antigos Jeep militares e uma gama diversificada de motores, com propulsores diesel ou flex (sem contar os só a gasolina, que não tivemos no Brasil), todos com quatro cilindros em linha e opção de transmissão manual ou automática (também existiram opções automatizadas no exterior). Em praticamente dez anos de produção nacional, já são mais de 500 mil deles rodando pelo Brasil, provando um sucesso e tanto. Lembrando que, até hoje, ele ainda segue na primeira geração. 

Desde o lançamento em 2015, a linha Renegade no Brasil teve diversas configurações: turbodiesel 4×4 manual ou automática, turboflex 4×4 ou 4×2, aspirada manual ou automática… (Foto: Jeep/divulgação)

A segunda geração do Compass passava a ser fabricada no Brasil em 2016, com quatro versões: Sport, Longitude, Limited e Trailhawk. Assim como o Renegade, foi outro sucesso desde o lançamento, e também continua na mesma geração desde então. Intitulado o melhor 4×4 do mundo por algumas mídias pelo mundo, o modelo é fabricado em Goiana (PE), ao lado de Renegade, Fiat Toro e Ram Rampage, sem contar o Commander, de 2021, com proposta luxuosa e sete lugares. Apesar do nome que já batizou um SUV quadradão e desajeitado dos anos 2000, o “novo” Commander é outro carro, que não necessariamente sucedeu o antigo. 

Na realidade, o Commander é considerado por muitos como um Compass de sete lugares, dadas as semelhanças de mecânica, tecnologia, equipamentos e até componentes entre eles (painel e bancos, por exemplo). Hoje, traz três opções de motor: 1.3 GSE turboflex de até 185 cv de potência (também presente na linha do Renegade e do Compass), 2.0 Hurricane turbo a gasolina de 272 cv, ou uma versão aprimorada do 2.0 Multijet (TD380), turbodiesel de 170 cv com muito torque.  

Seja no sítio, na fazenda, na trilha ou até mesmo no shopping, a Jeep se consolidou como a marca preferida pelos amantes dos SUVs. E com muitos méritos, afinal, é a marca que faz os fora-de-estrada mais queridos do Brasil, e seus SUV figuram entre os mais vendidos dos seus segmentos. Mesmo quem não tem idade para dirigir admira a história da marca e seus modelos mais memoráveis, assim como nosso leitor mirim Benício Segatto Soares, fã da Jeep, para quem eu dedico esta coluna. 

Como veículo 4×4 aventureiro ou como SUV de shopping, como carro de passeio ou como combatente de guerra, a Jeep tem muita história (Foto: Jeep/divulgação)
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Leonardo França é formado em gestão de pessoas, tem pós-graduação em comunicação e MKT e vive o jornalismo desde a adolescência. Atua como Consultor Organizacional na FS-França Serviços, e há 21 anos, também como consultor automotivo, ajudando pessoas a comprar carros em ótimo estado e de maneira racional. Tem por missão levar a informação de forma simples e didática. É criador do canal Autos Originais e colaborador em outras mídias de comunicação.