IBAP Democrata: o carro de luxo nacional que passou de sonho à pesadelo (Parte 2)


Foto de capa: reprodução/Quatro Rodas
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Um dos apelos para a venda dos títulos de sócios-proprietários da IBAP é que os acionistas teriam 20% de desconto no preço (já baixo) do Democrata, com opção de parcelamento em até 30 meses. O grande problema é que tudo isso não saía da fase de ideia. Esse fato, de as ações estarem sendo compradas popularmente sem que nenhum carro fosse fabricado de fato, fez com que acendesse luzes de alerta para os governantes da época. Por isso, acabaram realizando algumas fiscalizações e visitas surpresas na fábrica e escritórios da IBAP durante 1964 e 1966, buscando irregularidades na operação.

Nelson, nesse período, teve uma série de problemas: autoridades cobravam explicações com o que havia acontecido com o dinheiro dos investidores (87 mil, naquela altura do campeonato), livros-caixa e outros documentos do empreendimento foram apreendidos pela polícia, e, antes, até um navio carregado de componentes importados da Itália (incluindo motores e transmissões), que seriam utilizados no Democrata, foi interceptado. A alegação eram acusações de contrabando, e a carga foi apreendida. O sonho estava começando a se transformar em pesadelo.

Tremendo prejuízo, inclusive na imagem, de uma empresa que já estava em xeque: a IBAP era duramente criticada pela mídia da época, e muitos duvidavam das promessas de Fernandes, que dizia querer produzir 350 carros por dia (número digno da VW na época). Lembrando que, ao menos o Democrata, era feito em fibra de vidro, um processo de produção demorado e artesanal, bem diferente das estamparias em lata da Volkswagen.

Por conta das dificuldades com a importação de componentes italianos, Nelson Fernandes foi um dos grandes interessados pela compra da FNM, estatal, que já tinha instalações bem mais adiantadas, inclusive para fabricação nacional do motor 2000. Apesar da oferta de 45 milhões de Dólares, valor até acima do que a FNM valia na prática, o então Ministério da Indústria e Comércio vetou o negócio sem maiores alegações. Também foi tentada a entrada no processo de concorrência para a compra da Fábrica Nacional de Motores, outro processo impedido.

No final, até o congresso nacional começou a se incomodar com os planos de Fernandes: abriu-se uma CPI (grande investigação conduzida pelo Poder Legislativo) para apurar o que acontecia com a IBAP entre 1965 e 1966. Até a revista Quatro Rodas, na época, fazia denúncias apontando o risco de ser investidor da IBAP, chegando a divulgar que, até meados de 1966, sequer existiam contatos com fornecedores de peças para utilizarem no Democrata. Mais de 40% dos títulos de sociedade da empresa acabaram sendo cancelados pelos investidores depois desses escândalos, e o valor da Indústria Brasileira de Automóveis Presidente ia por água abaixo.

O carro ainda chegou a ser exposto na quinta edição do Salão do Automóvel, em 1966, mas a população, mídia e governantes já tinham pouca confiança no projeto: já haviam se passado três anos, a publicidade e a venda de participação na empresa não cessavam, mas nenhum Democrata saía da fábrica no ABC Paulista. Nelson ainda conseguiu converter a IBAP para sociedade anônima e até tentou convencer o então presidente do Brasil, Artur Costa e Silva, da sua ideia inicial de criar um modelo nacional de luxo, mas de nada adiantou.
O golpe de misericórdia se deu com um laudo do Banco Central alegando que as instalações da IBAP não teriam capacidade produtiva para os automóveis prometidos, que não havia contratos fechados com a indústria de autopeças, e que não existiam técnicos com “especialidades essenciais para a fabricação de automóveis”. Após isso, vieram pesadas ações na justiça federal contra a IBAP, Nelson e alguns diretores nomeados da empresa, sob alegação de “coleta irregular de poupança popular sob falsa alegação de construir uma fábrica de automóveis”. Fim do sonho.

Sem saída para outras tratativas, com os investidores fugindo e os títulos de sociedade valendo praticamente nada, Rodrigues acabou abandonando de vez a ideia da IBAP no final de 1968, quando o empreendimento foi extinto, os bens da empresa apreendidos pela justiça e a fábrica, que nunca fez mais do que os cinco protótipos, fechada. Lá, aliás, além de diversas peças e componentes mecânicos, sobraram dezenas de carrocerias de fibra de vidro já moldadas, prontas para serem transformadas em outras unidades do Democrata. Algumas, inclusive, acabaram enterradas após o desabamento de parte das instalações da planta fabril.

O que sobrou? Uma boa história, que chegou a render um livro (“Democrata: o carro certo no tempo errado”, do José Roberto Nasser), algumas raras peças nas mãos de colecionadores e três unidades do carro em plena operação (restauradas com peças apreendidas da justiça na época do encerramento da IBAP), todas na configuração coupé de duas portas. Nelson Fernandes faleceu no começo de 2020 sem nunca ter visto a idealização do seu sonho: criar uma promissora fábrica de automóveis nacional.