História: Renault Stepway nasceu como “Sandero aventureiro” para peitar o CrossFox

Oficialmente, o Renault Sandero passa a ser um carro fora de linha no Brasil. Na realidade, quem ainda estava em produção até o final de 2024 era o Stepway Zen 1.0, versão de entrada do pseudo-aventureiro que acabou sucedendo as versões comuns do hatch. Com a retomada da produção, após as férias coletivas de final de ano, a Renault já tratou de oficializar: o Stepway saiu de linha. Mesmo que o Sandero tenha uma história rica para contar (leia aqui algumas curiosidades sobre ele), o Stepway trilhou também sua carreira de sucesso.  

Voltemos a 2008: na época, os pseudo-aventureiros, hatches fantasiados de off-roads, bombavam. Tínhamos VW CrossFox, o queridinho, além de Fiat Idea Adventure (mais monovolume do que outra coisa), Ford Fiesta Trail (mais discreto que os rivais), Citroën C3 XTR e já estava no forno o Nissan Livina X-Gear. Até o SUV Ford EcoSport queria surfar nessa onda com versões mais simples com motor 1.6. A Renault, que já tinha o Sandero como um produto barato, espaçoso e robusto no mundo inteiro, logo quis entrar nesse ramo: lançou, em setembro daquele ano, em um evento em Mogi das Cruzes (SP), o Sandero Stepway.  

A Renault foi rápida: poucos meses após a chegada do Sandero, surgiu o Stepway (Foto: Renault/divulgação)

O visual incluía parachoques próprios, com pegada mais aventureira (na dianteira, imitava um quebra-mato), além de apliques plásticos nas caixas de rodas e soleiras, racks de teto, aerofólio traseiro, máscara negra nos faróis, ponteira de escape cromada e pintura prateada nas maçanetas e capas dos retrovisores (maiores e exclusivos), além de adesivos decorativos. A versão aventureira do Sandero, na época, foi recebida com alarde até no exterior: teve seu “minuto de fama” no conhecido programa britânico Top Gear, com anúncio do apresentador James May. No final, foi lançado na Europa em meados de 2009. 

O carro, que ainda não existia na Europa, chegou primeiro ao Brasil, assim como o Sandero normal (Foto: Renault/divulgação)

Graças a ajustes nas suspensões, ele crescia 4 cm nas molas e amortecedores, e garantia outro 1 cm de elevação por conta dos pneus de perfil elevado com rodas aro 16. Chegava, assim, aos excelentes 18,5 cm de vão livre do solo. Também mexiam nas bitolas dianteira e traseira: as rodas da frente ficavam cerca de 4 cm mais distantes, enquanto as traseiras se separavam em quase 3 cm, o que ajudava a estabilidade, compensando o centro de gravidade mais alto. No geral, o conjunto tornava-se ainda mais robusto, qualidade que o Sandero, mesmo 1.0, já trazia. 

Além de mais altinho, o Sandero Stepway também tinha bitolas mais largas e um belo pacote estético que remetia ao off-road (Foto: Renault/divulgação)

Embora viesse enfeitado, inclusive com adesivos e rodas de liga, alguns itens básicos eram opcionais. Caso do ar-condicionado, dos vidros e travas elétricas, e do rádio, disponíveis no meio dos seus quatro pacotes opcionais: a versão era única, mas com diferentes configurações, a escolha do freguês. O preço de R$44 mil, bem inferior ao de VW CrossFox e Citroën C3 XTR, só valia para a opção pelada. A mais completona, com direito a airbag duplo, freios ABS, bancos e volante forrados em couro, retrovisores elétricos, entre outros luxos, era quase R$10 mil mais cara.  

O motor, no entanto, era um dos mais “refinados” que a marca tinha no mercado brasileiro. Era o 1.6 16v HiPower flex, que rendia 107/112 cv de potência com 15,1/15,5 mkgf de torque (gasolina/etanol), operando em conjunto com a transmissão manual de cinco marchas. Na época, o consumidor desses modelos não priorizava a transmissão automática como hoje.  

A imprensa da época ressaltava o comportamento honesto do conjunto, fazendo valer o baixo peso do carro (menos de 1.120 kg), embora a suspensão mais alta deixasse o carro um tanto mais instável nas maiores velocidades. Oficialmente, a Renault apontava para um 0 a 100 km/h na casa dos 10,5s e máxima ao redor dos 175 km/h, números considerados bons para sua proposta.  

Na ocasião do lançamento, a Renault estimava que 50% das unidades do Stepway, sempre fabricadas em São José dos Pinhais (PR), seriam vendidas para mulheres. E torcia para que 1 a cada 5 Sandero vendidos fossem da versão pseudo-aventureira: queriam emplacar 8.000 deles nos doze meses de 2009, número que acabou não ficando tão longe da realidade.  

As primeiras mudanças significativas vieram em maio de 2011, para a linha 2012. Acompanhando a linha Sandero, o Stepway tinha a mesma receita atualizada, com novos grade e parachoque, lanternas traseiras com acabamento interno prateado, outras rodas aro 16, emblemas reposicionados para o centro da tampa traseira, e os adesivos ficavam bem mais discretos. Mudavam também detalhes internos como grafia da instrumentação e forrações.  

Como grande vantagem, além do preço básico mais baixo que o do lançamento em 2008 (R$42,6 mil), ele já estava mais equipado desde a configuração mais básica: ar-condicionado, vidros dianteiros elétricos e travas elétricas já vinham de série, o que ajudava o Stepway a se diferenciar dos demais Sandero. Na ocasião, nada mudava na sua motorização: no powertrain, só surgiriam novidades em meados de 2012, quando chegou para ele a transmissão automática de quatro marchas por cerca de R$2,5 mil. O 1.6 16v permanecia irretocado, mas agora o hatch aventureiro oferecia mais conforto na condução.  

O acabamento era melhorado, o painel central redesenhado, e agora ele estava menos básico do que antes. Depois veio o câmbio automático (Foto: Renault/divulgação)

Logo em seguida chegava um “novo” motor: na realidade, era o mesmo 1.6, só que na variação de duas válvulas por cilindro (1.6 8v), que havia passado por inúmeras atualizações (trocou de nome para HiPower). Esse motor, com 98/106 cv e 14,5/15,5 mkgf (gas/eta), passava a ser de série no Stepway, bem como em outros Sandero e Logan mais caros. Só a versão automática dispunha do 1.6 16v mais potente. A meta do Stepway 1.6 8v era também beber menos combustível, graças a uma nova relação do câmbio manual de cinco marchas.  

As unidades manuais passavam a ser 1.6 8v: o motor com 16 válvulas ficava restrito a opção com câmbio automático (Foto: Renault/divulgação)

Essa foi uma forma de antecipar a chegada da nova geração do hatch aventureiro, o que ocorreu em outubro de 2014. Era fase de comemoração das 100 mil unidades vendidas desde a estreia da primeira geração, e também por um recorde importante: na época, 30% dos Sandero vendidos eram da versão Stepway, o que deixava o pseudo-aventureiro da Renault na liderança do segmento. Essa segunda geração, maior e mais moderna, compartilhava a receita mecânica da antecessora, o que incluía a plataforma B0: era a mesma, porém modernizada, bem como elementos de suspensão, freios e direção. 

Por isso, como não havia revolução na mecânica, o motor 1.6 8v permaneceu com os mesmos números de potência e torque, porém podia contar com um novo aliado: a famigerada transmissão Easy’R, automatizada monoembreagem com cinco marchas, nos mesmos moldes da I-Motion que estava nos VW CrossFox ou a Dualogic dos Fiat Adventure. Era um paliativo para quem quisesse o Stepway sem pedal de embreagem, já que o câmbio automático de quatro marchas havia saído do catálogo do modelo, tal qual o motor 1.6 16v.  

O motor seguia sendo o 1.6 8v, mas agora ele podia ser acoplado ao famigerado câmbio Easy’R (Foto: Renault/divulgação)

O carro crescia nas dimensões (incluindo bitolas), ainda com a mesma pegada de antes: suspensões elevadas (agora com 19 cm de altura livre do solo), apliques plásticos pela carroceria, rack de teto, aerofólio traseiro e novas rodas aro 16. A Renault, enquanto isso, queria manter o sucesso de antes, e buscava aderência do público feminino, principalmente.  

Também estava recheado como nunca: central multimídia, navegador GPS, ar-condicionado automático, piloto automático com limitador de velocidade, vidros elétricos nas quatro portas, retrovisores elétricos, sensores de estacionamento traseiros, airbag duplo, freios ABS, entre outros…tudo de série no lançamento. Claro, para isso custava mais caro: quase R$50 mil. Ainda assim, era menos do que a concorrência (um CrossFox beirava os 58). 

O negócio tornou-se mais interessante com a chegada da nova motorização SCe no final de 2016. No caso do Stepway, voltava (finalmente) a configuração 1.6 16v, porém num novo propulsor: inteiro em alumínio, com duplo comando variável e outras tecnologias. Nada mudou no design do hatch aventureiro, porém ele brilhava mais no desempenho com 12 cv extras: a potência passava a ser de 115/118 cv com 16 mkgf de torque (gas/eta). Ele agora rondava os 10s na aceleração de 0 a 100 km/h, melhor número desde seu primeiro lançamento, oito anos antes.

O novo motor implicava em algumas novas tecnologias: passava a ser de série o sistema Start&Stop para desligar o carro em paradas rápidas, enquanto a direção ganhava assistência eletro-hidráulica, mais leve e que exigia menos do motor. Também mexeram no câmbio manual, que trocava os velhos comandos de varão por cabos, sistema com maior precisão e modernidade. Apesar de ter encarecido, continuava menos caro que os principais rivais, mesmo na configuração mais completa (ainda com câmbio automatizado). 

Logo em seguida ele deu seus primeiros passos como um modelo separado da linha Sandero: assim que ganhou a versão Expression mais em conta (e menos equipada), abandonou o primeiro nome e passou a se chamar oficialmente “Renault Stepway”. Ainda assim, essa mudança de identidade só foi se concretizar na linha 2020, quando veio a primeira e única reestilização visual da segunda geração. Na época, em paralelo, era batida a marca de 160 mil exemplares produzidos.  

Na tal renovação, que acompanhou as mudanças de Sandero e Logan, o aventureiro tornou-se praticamente um SUV pequeno, com aspecto de carro maior e mais refinado (lanternas maiores em LED, faróis com assinatura em LED, partes externas prateadas, rodas diamantadas etc.). Pela primeira vez, ele tinha sua própria linha de versões, como se fosse um outro produto, diferente do hatch. Eram três opções: Zen, Intense e Iconic, sendo que só a primeira estava disponível com câmbio manual de cinco marchas.  

Ganhou, opcionalmente, câmbio automático CVT em conjunto com o motor 1.6 16v e uma série de novas “mordomias”: sensor de chuva, acendimento automático dos faróis, quatro airbags, interior forrado em couro sintético com dois tons (preto e creme) e um acabamento interno nitidamente mais caprichado. Era a ofensiva da Renault contra os SUVs menores, como Honda WR-V, VW Nivus e companhia, mesmo que a marca francesa ainda contasse com Duster e Captur no seu portfólio de utilitários.  

Ainda assim, a vida do Stepway sofreu um declínio nas vendas, especialmente durante e depois da pandemia. O público parece não ter comprado a ideia da nova identidade do hatch aventureiro, nem tampouco sua proposta de SUV pequeno mais refinado. Por vezes, acabavam levando para casa um Duster 1.6 ao invés do ex-derivado do Sandero. Porém, antes de perder a versão Zen 1.6 manual (começo de 2024) e as opções com câmbio CVT (alguns meses depois), veio um “cara” inédito: Stepway Zen 1.0 manual.  

Com boa relação custo X benefício, ele mantinha a roupa aventureira do Stepway, porém numa configuração inédita, com suspensão mais baixa (igual à dos Sandero convencionais) e economias como calotas plásticas ao invés das rodas de liga. O motor era o 1.0 12v SCe, com não mais que 82 cv de potência e 10,5 mkgf de torque: a versão mais fraca, e lenta, da sua história. Na realidade, esse Stepway “pobre” veio para substituir as versões 1.0 do Sandero, aposentadas na mesma época (outubro de 2022). 

Foi mais ou menos a troca da linha Sandero pela linha Stepway, apesar de ambos serem o mesmo carro com propostas distintas. Assim, a versão Zen 1.0 tornou-se a mais vendida da linha do aventureiro: as 1.6 manual e 1.6 CVT andavam esquecidas pelo público. O Stepway 1.0 ainda viu o fim de linha dos seus irmãos mais caros, e chegou a se adequar a legislação de segurança para 2024 (ganhou ESP, Hill Holder e setas nos retrovisores).  

Sim, ele ainda chegou na linha 2025 com mais equipamentos. Mas foi a última… (Foto: Renault/divulgação)

Mas, agora no final de 2024, oficialmente deixou as linhas de produção, pouco mais de 16 anos após chegar como um “Sandero aventureiro” que queria combater o sucesso do CrossFox. 

Foto: Renault/divulgação
Foto: Renault/divulgação
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