História: Citroën C4 Cactus foi de SUV promissor a único carro da marca, e agora sai de linha
Quer um C4 Cactus 0 km? Melhor correr. Isso porque a Citroën já declarou que ele saiu de linha, e até o retirou do portfólio do site, indicando o fim de estoques na fábrica. Mas, ainda é possível encontrar algumas unidades em revendas por aí, e, antes de fechar negócio, lembre-se de pechinchar bastante seu valor. Nesses últimos tempos, o SUV compacto vinha sendo vendido em quatro versões entre R$107 mil e R$130 mil oficiais, preços normalmente acima daqueles praticados no momento da venda.
O Cactus durou cerca de seis anos e quatro meses no Brasil. Chegou em agosto de 2018, com vendas programadas para setembro. Veio atrasado, já que tinha lançamento previsto para o ano anterior, e existia na Europa desde 2014, ainda que com design mais antigo. Seu irmão de plataforma Peugeot 2008 já surfava na onda dos SUVs compactos brasileiros desde o começo de 2015, mas o Citroën só acabou chegando três anos e meio depois. Estratégia que, certamente, atrapalhou sua vida.
Seus primeiros flagras nacionais ocorreram em meados de 2017, sob o codinome interno F3, e o carro brasileiro mostrava diferenças mecânicas com relação ao europeu: embora feito sobre a mesma plataforma PF1, tinha suspensões especiais (até 3,8 cm a mais na altura do solo e maior robustez), outro subchassi, outro semi-eixo e coxinização hidráulica do motor.
A produção sempre foi em Porto Real, no Rio de Janeiro, iniciada em série no começo de agosto de 2018, cerca de cinco meses após a confirmação do lançamento por parte da Citroën.
O Cactus nacional trocava os “air-bumps” laterais por acabamentos plásticos, melhorava o ar-condicionado, reforçava alguns pontos na segurança e trazia um conceito de interior mais tradicional, sem querer “inventar” muito. Pudera, o Cactus europeu tinha airbag frontal do passageiro instalado no teto, um porta-luvas duplo no painel, janelas traseiras com abertura basculante, banco dianteiro inteiriço em algumas versões, além de vir com estranhas misturas de cores e texturas pela cabine. Era, no mínimo, exótico.
Por aqui, apesar do acabamento mais simples, acabou adotando uma estética mais sóbria, e até compartilhou itens com outros carros da marca: o painel de instrumentos digital era emprestado do sedan C4 Lounge, enquanto as maçanetas internas vinham do Aircross, por exemplo.
Um típico projeto francês, também pelo estilo: era baixo, largo e com pegada de hatch médio aventureiro. Não parecia SUV, tanto que ficava aquém dos rivais nas medidas externas, incluindo porta-malas. Compensava, porém, com o centro de gravidade mais baixo, comportamento dinâmico apurado, bom entre-eixos (2,60 m) e espaço interno interessante.
Também nasceu com um belo pacote de equipamentos: em pleno 2018, tinha ADAS com alerta de colisão, frenagem autônoma de emergência, alerta de saída de faixa e detector de fadiga do condutor. Parte da concorrência demorou para oferecer tais itens. Seis airbags, freios a disco nas quatro rodas, ar-condicionado automático digital, bancos em couro e retrovisor interno fotocrômico também poderiam estar presentes.
A gama de versões da época não era muito diferente dessa última leva de 2024: a Live começava em R$69 mil e a Shine Pack mais cara fechava a lista em R$99 mil. O C3 Aircross, seu antecessor, ainda continuou sendo oferecido como opção mais em conta até 2021. As mais baratas traziam o veterano 1.6 16v EC5, de projeto dos anos 80, aliado ao câmbio manual de cinco marchas (durou até 2020 e vendeu pouco) ou a transmissão automática de seis marchas Aisin, a mesma que ele trouxe até seu fim de produção.
Batizado de 120 VTI Flex Start, o 1.6 EC5 no Cactus tinha diferenças entre a versão manual e as automáticas: a primeira era mais potente, com 122 cv e 16,4 mkgf de torque (etanol), enquanto as demais não passavam de 118 cv e 16,1 mkgf. A partir de 2022, quando já era sempre automático, foi recalibrado para até 120 cv e 15,7 mkgf, atendendo novas leis de emissões de poluentes.
O foco desse conjunto 1.6 EC5 + Aisin AT6 sempre foi menor consumo e melhor custo X benefício, deixando a performance em segundo plano. Bem diferente do poderoso 1.6 THP, turboflex, aliado ao mesmo câmbio automático, para não repetir o erro de lançamento do irmão Peugeot 2008, que nasceu THP manual. Com motor turbo e comportamento de hatch, o Citroën cativava quem curtia desempenho, já que passava dos 170 cv de potência com 24,5 mkgf de torque em baixíssimas rotações. A performance era comprovada pelos 7,3s na prova de 0 a 100 km/h e máxima superior aos 210 km/h, números de modelos esportivos.
O motor 1.6 turboflex também foi “amansado” para atender ao Proconve em 2023, quando manteve potência e torque, mas ganhou recalibrações na curva de força e na pressão do turbo. Por isso, ficou um pouco mais lento na linha 2024, mas ainda assim extremamente divertido. Sempre superou, por exemplo, o Renault Sandero R.S. e VW Polo GTS nos dados de aceleração oficiais. No mais, além da perda do câmbio manual no meio do caminho, nada mais mudou na motorização do Citroën. O Grip Control, uma espécie de seletor de tipos de terreno, foi outra tecnologia exclusiva que durou até os últimos THP 2024.
Sua vida também foi marcada por algumas séries especiais. De 2019, a série 100 Anos comemorava o centenário da marca francesa no mundo em 300 unidades produzidas, todas com teto e rodas pretas, detalhes dourados e adesivos alusivos à edição. A seguinte foi a C-Series, também com rodas e teto escurecidos, porém apostando nos detalhes vermelhos em outras 300 unidades para a linha 2021. Outra foi a Rip Curl, do começo de 2021, que teve 150 exemplares feitos em parceria com a grife praiana, todos brancos com teto azul e rodas escurecidas.
Depois ainda teve a X-Series, outra de 2021, com 600 carros decorados com rodas pretas, detalhes bronzes pela carroceria e identificação alusiva. A mais recente, e também última, foi a Noir de 2023, aplicada em 1.300 carros, a maior tiragem em uma edição limitada do modelo: tinha detalhes (advinhem…) escurecidos, com apliques em vermelho e preto brilhante, somado a um interior personalizado. Basicamente, as cinco séries especiais eram variações de um mesmo pacote estético: adesivos, rodas escurecidas, teto em cor especial e, dependendo, detalhes internos inéditos.
Na realidade, de 2018 até 2024, não aconteceram muitas coisas na vida do C4 Cactus. Nem mesmo suas vendas chegaram a decolar em algum momento: só para que se tenha uma ideia, a previsão da Citroën era emplacar pelo menos 25 mil unidades em 2019, seu primeiro ano inteiro de vendas. A prática foi pouco animadora: cerca de 16,5 mil unidades vendidas, somadas a outras 3.300 de 2018, de acordo com a FENABRAVE.
Depois, foram medianas 9.500 unidades emplacadas em 2020, com um notável crescimento em 2021 (ao redor de 19,5 mil carros) e 2022 (18,5 mil exemplares): nesses dois anos, a Stellantis, atual dona da Citroën, fechou grandes contratos para fornecer Cactus para frotas de locadoras Brasil afora, fazendo com que o SUV se tornasse figurinha mais comum pelas nossas ruas.
Nessa época, vale lembrar, o SUV era o único carro de passeio vendido pela marca francesa no mercado nacional. O Cactus não tinha mais a companhia de C3 (o europeu), Aircross ou Lounge, todos fora de linha desde o começo de 2021, restando apenas ele e os furgões comerciais da marca (Partner Rapid, Jumpy e Jumper). O atual C3 só foi chegar em agosto de 2022. Ou seja, no período de 1 ano e meio, as revendas da marca francesa só tinham um carro para oferecer: o C4 Cactus. Tempos difíceis aqueles…
A partir de 2023, a Citroën passou a focar no C3 atual, e nos seus irmãos de projeto C-Cubed, C3 Aircross e Basalt, que vieram posteriormente. O Cactus, por isso, acabou ficando meio de lado, sob a sombra da novidade do irmão menor. A marca até tentou uma sobrevida para a linha 2024: trocou suas rodas, incluiu apliques laranjas de forma permanente (parecendo uma daquelas séries especiais), e instalou novos equipamentos, como a multimídia de 10,2”, carregador de celular sem fio, porta USB traseira, suporte para cabo de carregamento no banco traseiro e um novo console, com apoio de braço central maior.
Não adiantou muita coisa: ele continuou no ostracismo, e, no fechamento de 2023, amargurou com míseras 3.700 unidades emplacadas. Agora em 2024, não deve passar muito dos 1.000 carros comercializados, pelo menos seguindo as médias até novembro. Certamente, no futuro, esses Cactus 2024, com atualizações e melhorias, devem virar carros de coleção.
No total, o DENATRAN fala em pouco mais de 72 mil Citroën C4 Cactus rodando pelo Brasil, fabricados entre 2018 e 2024. Se considerarmos a previsão da marca, que era vender mais de 1/3 desse montante em apenas 1 ano, é fácil dizer que ele nunca atingiu o sucesso esperado, apesar das várias qualidades. No topo das versões mais raras hoje existentes, a série 100 Anos, com 296 exemplares em circulação. Do outro lado, a “queridinha” Feel AT, com um total de praticamente 40 mil unidades rodando país afora.
Se deixará saudades? Para a Stellantis, que colocou o Basalt como seu substituto, talvez não. Mas, para quem curtia um SUV com pegada de hatch médio, e nos THP, desempenho esportivo, certamente não terá outro igual a longo prazo na linha Citroën.