Fiat Uno CSL: o argentino pioneiro nas quatro portas

Foto de capa: Mario Villaescura

A Fiat chegou no Brasil em 1976 e abalou o mercado com o 147, mostrando que carro pequeno poderia ser grande, graças ao excelente aproveitamento de espaço interno, e seu maior predicado: economia de combustível, importantíssima aliada em tempos de crise do petróleo. Seu sucesso foi certeiro. 

Dois anos depois veio o segundo modelo da marca, o Pick-up, que inaugurou um conceito que caiu nas graças dos brasileiros e que a marca é líder a anos: picapes pequenas (lembrando da Fiat Strada como carro mais vendido do país em 2021, 2022 e 2023). O 147 ganhou uma versão de luxo em 1979, a GLS 1300, enquanto estreava o pioneiro motor movido a etanol: o 147 seria o primeiro modelo que bebia o combustível de cana já na fase do Proálcool (Programa Nacional do Álcool). Logo em seguida viria a primeira renovação visual da linha, quando os Fiat receberam a chamada “frente Europa”, mais inclinada, moderna e agressiva.  

Novo visual, alinhado ao do 127 europeu, era a grande novidade para 1980 (Foto: Fiat/divulgação)

Já nessa nova fase, somava-se a gama a station Panorama, de 1980, que tinha grande porta-malas e proposta familiar, seguida da modernização da Pick-Up para 1981: apesar de manter a dianteira antiga, seu comprimento era ampliado, o que se traduzia em alguns litros a mais na caçamba. Ao mesmo tempo, surgia o consagrado furgão Fiorino, líder disparado da categoria e em produção até hoje (claro que em outra geração, derivada do Uno). Após isso, em 1983 era lançado o Spazio, uma espécie de variante mais requintada do 147, que melhorava no acabamento e modernidade mecânica (tinha a 5ª marcha opcional), além do sedan Oggi, para brigar com VW Voyage, Chevrolet Chevette, Ford Escort e cia.  

O Oggi era vendido inicialmente apenas na versão CS e já com cinco marchas de série (Foto: Fiat/divulgação)

Porém, logo boa parte da família 147 abriria espaço para seu sucessor: o Fiat Uno 1984, que recentemente completou 40 anos de lançamento. Um pouco diferente da versão italiana de 1983, usava a suspensão traseira do 147, com feixes de molas, e acomodava o estepe junto ao motor. De início, podia ser adquirido em três versões (S, CS e SX), com diferentes motorizações: 1050 a gasolina na S, 1300 a gasolina na CS, 1300 a etanol para S e CS, além da 1300 “apimentada” para a SX. 

Em todas elas, o Uno, apelidado carinhosamente de “Botinha Ortopédica” pelo seu formato de carroceria, trazia como grande trunfo o bom espaço interno e soluções criativas como cinzeiro deslizante no painel, limpador de para-brisas único e todos os comandos do painel a mão por pequenas alavancas, o que eliminava a necessidade de o motorista tirar as mãos do volante para acionar diversas funções. 

Na época, era tratado pelo próprio marketing da Fiat como “Carro de Gênio”, título reiterado em 1985, quando passou a oferecer o primeiro computador de bordo em um carro nacional. O equipamento também estava disponível para seu sedan Prêmio, substituto do Oggi, também com ótimo porta-malas e design fluído. Foi nele que surgiu, pela primeira vez, o motor 1500 na linha Uno.  

Na época, seu projeto tinha tantas qualidades que o carro era tido como genial (Foto: Fiat/divulgação)

Após a chegada da perua Elba em 1986, que tomou lugar da Panorama com a virtude do maior porta-malas dentre as station nacionais (desbancava até as grandes como VW Quantum e GM Caravan), debutou o Prêmio com carroceria de quatro portas, em 1987: para destacar a novidade, era lançada uma versão de luxo do sedan, com direito a ar-condicionado opcional e melhor acabamento interno. Enquanto isso, o Uno SX dava lugar ao icônico 1.5R, com roupagem especial e desempenho digno de esportivos.  

Em 1987 veio o Uno 1.5R, com novo motor 1500 e visual exclusivo (Foto: Fiat/divulgação)

No ano seguinte, já tínhamos a nova geração da Fiorino nas carrocerias Pick-Up e Baú, que estavam maiores, com plataforma alongada da Elba, e também as mesmas lanternas traseiras da station. O Fiorino Pick-up era visto com frequência na porta de faculdades, boates ou mesmo na praia, e era competente para carregar fardos de feno, tonéis de leite ou materiais de construção.  

A linha recebia a Elba CSL em 1989, com a mesma proposta de luxo do Prêmio CSL, porém na carroceria station. Os dois, inclusive, ganhavam um painel único, mais moderno que o do Uno. A nova motorização para os CSL, porém, só foi chegar em 1990: ali conhecíamos o propulsor Sevel 1.6 de origem argentina, oficialmente chamado de “ACT”. O Uno 1.5R dava lugar ao Uno 1.6R, também com o mesmo motor, alimentado por carburador de corpo duplo.  

Na versão a etanol, o Sevel 1.6 tinha 88 cv de potência a 5.600 rpm com 13,7 kgfm de torque a 3.250 rpm, e bastante ânimo para mover os modelos. Graças ao câmbio bem acertado, com a primeira e segunda marchas curtas, fazia de 0 a 100 km/h em 10,98 segundos, números respeitáveis àquele tempo, e quase 2 segundos mais rápido que o antecessor 1.5, de acordo com testes da Revista Quatro Rodas. Além disso, chegava a 166,5 km/h de velocidade máxima, também em medições da publicação, que aferiu, na época, o bom consumo médio de 7,43 km/l na cidade e 11,6 km/l na estrada.  

O Sevel 1.6 argentino passou a mover o Uno 1.6R, além de Elba e Prêmio CSL (Foto: Fiat/divulgação)

Já na variante a gasolina, 84 cv a 5.700 rpm, 13,2 kgfm a 3.200 rpm, aceleração de 0 a 100 km/h em 11,41 segundos e máxima de 162,7 km/h. Também era econômico bebendo o combustível fóssil, com médias de 9,55 km/l na cidade e 15,13 km/l na estrada, sempre de acordo com testes da Quatro Rodas na época. Douglas Mendonça, então repórter da revista, enalteceu o motor: “o melhor Fiat que já testamos”. Na mesma época ainda nasceria o Uno Mille, primeiro popular 1.0 da “nova fase”, com seu motor de 994 cm³ e 48,8 cv de potência.  

Em 1991, a linha recebia seu primeiro facelift, com dianteira mais baixa, novos faróis, nova grade, além de novo padrão de acabamento para as versões S, CS, CSL e R. A versão Mille permanência com a frente antiga, mas ganhava a edição especial Mille Brio. Porém, como grande novidade, por conta dos incentivos governamentais e abertura das importações um ano antes, as marcas passaram a trazer modelos interessantes para o mercado interno. Uma delas foi a Fiat, que, em meados do segundo semestre de 1991, passou a importar da Argentina o Uno CSL. Foi o primeiro Uno “de luxo” e com quatro portas a ser vendido do Brasil.  

Representante da linha 1992, o Uno CSL tinha o mesmo motor ACT 1.6 a gasolina de Prêmio e Elba CSL, porém com calibração mais mansa: eram 80 cv de potência a 5500 rpm (ABNT) com 12,9 kgfm de torque a 3000 rpm, conservando a taxa de compressão de 8,3:1. Mesmo com 41 kg a mais por conta das portas traseiras, o hatch CSL tinha desempenho bastante esperto graças ao câmbio curto, com relação de marchas e diferencial iguais às do 1.6R.  

Sua grande inovação eram as quatro portas: nunca havíamos tido um Uno igual (Foto: Fiat/divulgação)

Em testes da revista Quatro Rodas na época, acelerou de 0 a 100 km/h em 11,69s e correndo até os 167,3 km/h. Com gasolina, tinha consumo misto de 11,86 km/l, ou 9,58 km/l na cidade e 14,13 km/l na estrada. A revista Oficina Mecânica elogiou o desempenho, mas considerou o consumo razoável: mediram 12,5s na prova de 0 a 100 km/h e 167,5 km/h de velocidade máxima, com média de 9,0 km/l na cidade e 12,1 km/l na estrada a 100 km/h, sempre com gasolina.  

Apelidado por funcionários da Fiat de “Maradona”, por conta da sua origem, o Uno CSL tinha interior bem-acabado, com o mesmo revestimento aveludado dos bancos e laterais de portas dos outros modelos CSL. Seu painel de instrumentos, compartilhado com os CS, tinha o necessário: hodômetro parcial, marcador de temperatura e de nível de combustível (este com luz de reserva), além de conta-giros, check-control de luzes e os elogiados comandos satélite sempre à mão, iluminados em um belo tom de verde. Ele foi o primeiro Fiat pequeno da época com pneus sem câmara, vindos da Argentina já montados no carro.  

De série, o Uno “de luxo” tinha faróis halógenos com regulagem de altura, cintos de segurança dianteiros com regulagem de altura, alças de segurança no teto, vidros elétricos nas portas dianteiras, travas elétricas, rádio toca-fitas AM/FM Stereo, relógio digital, retrovisores externos articuláveis com comando interno manual, para-brisas degradê, limpador/desembaçador do vidro traseiro, comando interno para abertura do porta-malas, encosto traseiro regulável em duas posições, rodas de ferro aro 13 com supercalotas fixadas pelos parafusos das rodas e pneus radiais 165/70, sem contar o borrachão lateral mais grosso, que permitia sua fácil identificação.

Era fácil identificá-lo pelas calotas plásticas da linha CSL e pelo borrachão lateral mais grosso (Foto: Fiat/divulgação)

Como opcionais, o modelo oferecia vidros climatizados verdes, desembaçador com ar quente e ar-condicionado, além das cores Preto Ébano (sólida), Cinza Argento (metálica), Vermelho Granada e Azul Prússia (perolizadas). Básico, em 1992, o Uno CSL custava US$10,600.00, equivalentes à época a Cr$26.526.500,00. Hoje em dia, um carro de R$147.530,36, segundo o índice IGP-M da FGV.  

Dentre as cores disponíveis, até tons perolizados: no final, hoje seria um carro de quase R$150 mil (Foto: reprodução/Revista AutoEsporte)

A imprensa especializada da época criticava sua qualidade de montagem, reclamando de turbulência das portas com os vidros fechados, o que impactava diretamente em seu nível de ruído a bordo. A relação final de diferencial também fazia o motor girar a elevadas rotações na estrada, aumentando o barulho interno. A frenagem também era outro ponto negativo, pois, vindo a 120 km/h, o modelo percorria longos 71,74 metros, 5 metros à mais que os Uno nacionais. Na ocasião, a revista Oficina Mecânica aferiu 45,6 metros de 100 a 0 km/h.  

Em contrapartida, Bob Sharp, que o avaliou para a Oficina Mecânica em março de 1992, enalteceu a boa performance do carro, similar à do esportivo 1.6R, e a sua suavidade de funcionamento. Para ele, seu câmbio de cinco marchas tinha engates suaves e precisos, eliminando o problema de engate da 1ª marcha, típico dos Uno da época, enquanto a direção com relação mais longa mantinha a leveza ao guiar.  

Curiosamente, nenhum Uno/Prêmio/Elba quatro portas da primeira geração, conhecida como “quadradinha”, recebia vidros elétricos nas portas traseiras, sequer como opcionais, e por conta do desenho da porta e recorte do paralamas traseiro, o vidro não descia até o final, parando mais ou menos na metade da janela. Mesmo assim, a configuração de carroceria fez muito sucesso. Tanto que, um ano depois, seria apresentada a primeira versão nacional de um carro 1.0 com 4 portas: o Uno Mille Electronic. 

Importado de 1991 a 1993, o Uno CSL hoje conta com 13.532 exemplares registrados no DENATRAN, sendo a maioria (7.558) do seu último ano de mercado. Ele saiu de linha deixando como sucessor o Uno 1.6 MPI, dotado de injeção eletrônica multiponto, novo painel de instrumentos, além de rodas de liga-leve de série. Mas, como sempre, dele eu falarei em detalhes mais para frente… 

CSL: um Uno raro, que foi vendido por menos de três anos no Brasil, e com poucos sobreviventes (Foto: reprodução/Antigos que Fizeram Sucesso)

Dadas as dificuldades de encontrar fotos, dados, itens de série e opcionais desse Uno “de luxo”, fica aqui nossa honrosa menção a Robson Cotta, ex-Engenheiro da Fiat/Stellantis que acompanhou o Uno do seu primeiro projeto (começo dos anos 80) até a saída de linha (2021), e Matheus Huttembergue de Lima, fã e entusiasta da marca, além de dono da página @mhl.antigosfiat no Instagram. Ambos nos cederam informações primordiais e fotos raras para a composição da matéria. Obrigado!

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Leonardo França é formado em gestão de pessoas, tem pós-graduação em comunicação e MKT e vive o jornalismo desde a adolescência. Atua como Consultor Organizacional na FS-França Serviços, e há 21 anos, também como consultor automotivo, ajudando pessoas a comprar carros em ótimo estado e de maneira racional. Tem por missão levar a informação de forma simples e didática. É criador do canal Autos Originais e colaborador em outras mídias de comunicação.