Fiat Uno, a história: Mille, Turbo e os últimos anos antes do Palio

No começo da década de 90, o Uno passou por importantes alterações em sua motorização, que impactariam favoravelmente a concretização de seu sucesso no mercado nacional. Primeiro foi a chegada do Uno CSL 1.6 argentino, que já falamos na primeira parte da história do modelo, e mostrava ao mercado que, definitivamente, a versão quatro portas do popular da Fiat funcionava muito bem para o uso familiar, e abria o leque de consumidores para o então moderno e atual carrinho.

Além disso, depois da chegada do CSL 1.6, logo em seguida a versão esportiva 1.5R ganhou também o motor 1.6. Agora o Uno esportivo bom de briga se tornava 1.6R com 84 cv com gasolina e 88 cv com álcool e quase 14 mkgf de torque, além, é claro de um reescalonamento do seu câmbio curto de 5 marchas. Era um carro mais ágil, bonito e refinado que seu antecessor, recebendo mais equipamentos e visual externo diferenciado.

O esportivo 1.5R recebia o moderno 1.6 Sevel e se tornava o 1.6R (Foto: Fiat/divulgação)

Mas, das grandes novidades do Uno para 1990, a maior, sem sombra de dúvidas, foi o lançamento do Uno Mille, que com o passar do tempo passou a ser chamado simplesmente de Mille, uma clara referência à capacidade cúbica do seu motor 1.0 em italiano. Foi nessa época, no governo Collor, que o país teve liberada a importação de carros e, ao mesmo tempo, uma isenção de impostos federal e estadual para os carros que tivessem cilindrada de motor até 1000 cm³, ou 1.0 litro. Esse incentivo governamental teve como principal objetivo o incremento das vendas da indústria automotiva brasileira, e o Uno Mille foi o primeiro carro nacional lançado em nosso mercado que gozava desse benefício fiscal.

Na época, o preço do carro dito popular era de até 7 mil Dólares, o que corresponderia a cerca de R$36,5 mil atuais sem considerar a inflação. Nem é preciso falar que o Mille vendeu como pão quente na padaria, ou água no deserto. O que a fábrica produzia, já saía dos seus pátios praticamente vendido, e se o Fiat já vendia bem com seus preços regulares de antes, agora ele se popularizou por completo. Além do preço acessível, o recém-lançado Uno 1.0 oferecia ao seu consumidor muita robustez e economia de combustível.

Revolucionário dentro do mercado nacional, o Mille foi o primeiro popular 1.0 do Brasil (Foto: Fiat/divulgação)

Seu motor, na realidade, era o antigo Fiasa 1.050 cm³ com cilindrada reduzida para os 994 cm³ do projeto original europeu, que havia sido aumentado para o lançamento no Brasil em 1984. Como utilizava todo o conjunto mecânico dos modelos mais potentes, quando aplicados no motor 1.0, tornava o conjunto muito mais durável e resistente, mas pouco potente: eram contidos 48 cv e 7,4 mkgf de torque, apenas suficientes para a proposta do carrinho. Lembrando que ele também era totalmente simplificado em equipamentos, perdendo até mesmo itens como o retrovisor do lado direito e sistema de ventilação forçada, por exemplo.

Ainda nos primeiros anos da década de 90, as leis brasileiras se tornaram mais rígidas quanto a emissão de poluentes. Por isso, a partir daquele período, todos os carros nacionais passaram a utilizar catalisadores no sistema de escapamento, visando a redução da poluição e seguindo as normas da época. O problema dos catalisadores é que, além de caros, eles reduziam a potência dos motores em virtude da restrição que causavam no sistema de escape. O Fiat Uno não fugiu à regra, e perdia potência em toda a sua linha, incluindo o fraco Mille, que era reduzido para 47 cv e cerca de 7 mkgf de torque. As demais versões, S e CS, que utilizavam o 1.5 Fiasa, receberam injeção eletrônica monoponto para driblar o uso do catalisador, o que permitiu um ganho razoável em potência e torque.

E mais: o ano de 1991 não tinha só a adoção dos catalisadores no Uno, já que ele recebia sua primeira reestilização visual. Deixando de lado a frente popularmente conhecida como “alta”, ele adotava linhas mais delicadas e modernas com os faróis e grade estreitos, além de um novo parachoque dianteiro e capô. A parte interna também tinha novidades, já que trocava os comandos do tipo satélite pelas tradicionais chaves de seta, além de receber mudanças no desenho geral do painel e novas padronagens de tecido dos bancos. As mudanças foram pontuais, e tinham como único objetivo deixar o Uninho mais atraente e atual perante a concorrência.

Reestilizado em 1991, o Uninho recebia nova frente e interior melhorado para manter as boas vendas (Foto: Fiat/divulgação)

Buscando os tais cavalos perdidos com o catalisador, a engenharia da Fiat trabalhou duro para ressuscitar a força que havia sido morta na busca pelas menores emissões de poluentes. Ainda em 1992, já como modelo 1993, chegava o Mille Eletronic (foto de capa da matéria), que utilizava o que, na época, era um sofisticado sistema de ignição eletronicamente comandado com duas bobinas de alta potência.

Com acertos mais apurados no sistema carburado de alimentação e a novidade dessa sofisticada ignição eletrônica, o Mille Eletronic transformou-se no carro 1.0 mais potente em produção mundial, chegando a respeitados 56 cv de potência máxima e 8,2 mkgf de torque na variante movida a álcool. Para a época, eram resultados excepcionais mesmo que mundialmente. E, claro, esse investimento em engenharia transformou-se em números positivíssimos de venda do Mille Eletronic, afinal o carro batia fácil todos os seus concorrentes brasileiros de motor 1000.

Em seguida, o sucesso era tão grande que a busca pela liderança de mercado motivou várias melhorias no Mille, que, nessa altura do campeonato, já havia abandonado o nome Uno. A Fiat buscava consumidores que queriam carros mais requintados, com direito a vidros dianteiros elétricos, ar-condicionado e quatro portas, por exemplo. E tudo isso foi implementado como opcional no popular Mille, já que seu motor mais potente conseguia dar conta do recado de carregar um carro mais pesado. Alguns anos depois, esse Mille mais completo recebia o nome de ELX e se tornava uma versão definitiva, sendo um sucesso de vendas à parte na metade dos anos 90.

Perdendo o nome Uno definitivamente, o Fiat Mille estreava a versão equipada ELX (Foto: Fiat/divulgação)

O esportivo 1.6R ainda era oferecido, apesar das suas vendas tímidas e focadas em um público consumidor de nicho. Em junho de 1993 era a vez dele receber injeção eletrônica de combustível multiponto (batizada de MPI), já um tanto atrasado com relação a seus rivais. Compensando a demora, ele passava ser o Uno mais potente já fabricado no Brasil até então, com 92 cv. Além disso, existiam também as versões com motor 1.5 Fiasa, que estavam posicionadas entre o Mille e o 1.6R, mesmo que a preferência do mercado recaísse quase que por completo sobre o popular 1000.

Mas, além do 1.6R, outro Uno esportivo estava para chegar, e assim foi, com o lendário Uno Turbo, lançado em meados de 1994. A nova versão esportiva do pequeno Fiat tinha como grande destaque o motor 1.4 superalimentado por uma turbina Garrett T2, que assim como o câmbio de 5 marchas, eram importados da Itália.

Lendário no mundo dos esportivos noventistas, o Uno Turbo foi lançado em 1994 (Foto: Fiat/divulgação)

Na Europa, o Uno Turbo já existia desde 1983, na estreia do modelo por lá, e no GP do Brasil de Fórmula 1 de 1985, ocorrido no Rio de Janeiro, foram trazidas 80 unidades desse modelo italiano pela Fiat, para que fossem disponibilizados para as equipes de F1 e jornalistas de todo o mundo, que estavam em terras tupiniquins para cobrir as corridas do GP. O curioso é que todos esses carros vieram já emplacados da Itália, mas 0 km, e assim trafegavam pelo Brasil até serem devolvidos ao seu país de origem quando o evento acabou.

Quase 10 anos depois, tínhamos o lançamento do nosso Uno Turbo, agora sim feito e destinado ao consumidor brasileiro, mas mantendo a consagrada mecânica europeia dos tais carros trazidos em 1985. O esportivo nacional tinha, por aqui, 118 cv e pouco mais de 17 mkgf de torque, o que proporcionava uma aceleração de 0 a 100 km/h em 9,2 segundos e chegando aos 195 km/h de velocidade máxima. Certamente, o Uno mais rápido e veloz em seus quase 30 anos de trajetória, e também o único que levava o estepe originariamente no porta-malas, por falta de espaço no cofre do motor.

Por dentro do Uno esportivo, volante, bancos e vários detalhes exclusivos (Foto: Fiat/divulgação)

No ano seguinte, em 1995, com o lançamento do Uno Turbo, a versão esportiva 1.6R ficou sem eira e nem beira, já que convivia com um “substituto” bem melhor. Por isso, ele cedeu sua mecânica para uma versão mais sofisticada e luxuosa chamada apenas de 1.6 MPI, que, ao invés da esportividade, primava mais pelo bom conteúdo de série e requinte construtivo. No mesmo ano, mais mudanças: o sucesso Mille recebia, pela primeira vez, injeção eletrônica de combustível (ainda monoponto, bem simples), aposentando o velho carburador em seu motor de 994 cm³. Além disso, houve alterações no nome de suas versões, que mudaram de Eletronic e ELX para I.E. (de Injeção Eletrônica) e EP (Extra Power, ou Potência Extra, por conta do novo sistema de alimentação), respectivamente.

As novas versões vinham logo depois da adoção da injeção eletrônica monoponto (Foto: Fiat/divulgação)

Na terceira e última parte dessa história do Uno, que será contada nas próximas semanas, vamos falar de como ficou a vida do “Botinha Ortopédica” com a chegada do seu sucessor Palio, muito mais moderno e tecnológico.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.