Fiat 147: A história do desbravador das terras brasileiras pelos italianos (parte 1)

O anúncio de que a Fiat passaria a produzir carros em terras brasileiras aconteceu oficialmente em março de 1973. Naquela época, já se sabia até mesmo qual seria o desbravador de nossas ruas e estradas: O exclusivo Fiat 147, que derivava diretamente do sucesso europeu batizado de 127, lançado em 1971.

Nosso 147 era uma releitura do 127 italiano (Foto: Fiat/divulgação)

O novo carro, segundo os italianos, cairia como uma luva para as necessidades que os brasileiros tinham para se locomover em um país de dimensões continentais: O pequeno 147 era robusto, de mecânica fácil e simples, e que, ao mesmo tempo, proporcionava um baixo custo de manutenção e sensível economia de combustível quando comparado com os outros carros nacionais daqueles tempos.

Ideal para o mercado nacional, o 147 estreou a planta da Fiat em Betim em 1976 (Foto: Fiat/divulgação)

O fato da mecânica ser simples e robusta não significava que ela tinha baixa tecnologia construtiva, como os carros brasileiros da época: Ela trazia soluções que nem mesmo os carros de luxo contemporâneos sonhavam, como a disposição transversal do conjunto motor/câmbio, algo inédito no Brasil, assim como a correia dentada que acionava o eixo comando de válvulas do motor, presente apenas no VW Passat e GM Chevette.

Espaçoso e com configuração interessante, o pequeno Fiat era moderno como outros modelos superiores (Foto: Fiat/divulgação)

As suspensões eram independentes nas quatro rodas, com um robusto feixe de molas disposto transversalmente na traseira, dando ao novo Fiat um bom grau de estabilidade em curvas e, claro, alta durabilidade do sistema. A direção já contava com pinhão e cremalheira, também assim como o Passat e Chevette.

Só para que se tenha uma ideia, na inauguração da ponte Rio-Niterói (RJ), que tem cerca de 14 km, a Fiat botou à prova o baixo consumo de combustível do 147, fazendo com que o novo modelo percorresse a extensão da ponte com apenas 1 litro de gasolina e quatro passageiros no seu interior. E o 147 conseguiu cumprir o tal teste, que virou até propaganda na televisão, onde a quantidade de combustível era visível perante as câmeras. Isso provou um dos argumentos de vendas do novo carro.

Dentro da esperança dos italianos de terem um carro perfeito para os brasileiros e para o mercado nacional, em 1976, a fábrica, localizada em Betim (MG), começou a produzir o 147. Com relação ao 127 italiano, o carro brasileiro possuía uma carroceria mais robusta, com mais pontos de solda, e suspensão traseira inédita. Ainda no mesmo ano, já para o início de 1977, o novo Fiat 147 L (Luxo, única versão disponível na época), já estava sendo oferecido na novidade das concessionárias Fiat.

Já em produção e oficialmente lançado, o pequeno Fiat começava a chegar nas concessionárias da inédita marca italiana (Foto: Fiat/divulgação)

Talvez por suas dimensões externas bem compactas com relação àquilo que se conhecia, o inédito carrinho da Fiat deixou os brasileiros com certa insegurança, pois quando se observava o mercado nacional, ele era realmente compacto. Espaço interno agradável e bom porta-malas eram pontos positivos no pequeno 147, mas mesmo assim causava estranheza ao grande público.

Uma curiosidade é relativa ao seu motor 1050, único que equipava o modelo. A dúvida é “porque 1.050 cm³? Porque não 1.000 ou 1.100 cm³?” O fato é que tudo se apoiava na legislação brasileira. Por incrível que possa parecer, quando o carro foi lançado em 1976, a lei tributária nacional afirmava que carros com motores de até 1 litro (1.000 cm³) pagavam mais IPI e ICMS do que aqueles com motores de até 1.600 cm³ (1.6).

Seu motor 1.05, na realidade, seguia as bizarras regras de imposto da época (Foto: reprodução/AutoEntusiastas)

Diante desse dilema, a marca italiana decidiu se basear no propulsor 0.9 (903 cm³) do 127 italiano, aumentando sua capacidade cúbica para 1.050 cm³, fazendo com que o 147 caísse nas mesmas regras tributárias dos carros acima de 1.000 cm³. A correção dessa distorção da lei só ocorreu no início dos anos 90, quando o presidente Collor fez o congresso rever as legislações de tributação e, assim, fazer com que motores menores (abaixo de 1.000 cm³) pagassem menos impostos que os maiores, o que, cá entre nós, era mais justo.

Com essa configuração 1050, exclusiva para o mercado brasileiro de início e altamente exportada para a Europa posteriormente, o 147 L entregava 56 cv de potência bruta, aquela que não desconta os componentes periféricos (alternador, por exemplo), nem a perda de potência durante a distribuição da força para as rodas dianteiras.

No seu simples interior, as trocas de marchas eram imprecisas (Foto: Fiat/divulgação)

A transmissão manual era de quatro velocidades, que pecava pela enorme imprecisão no engate das marchas e incômodo movimento da alavanca de mudanças na medida que o carro acelerava ou desacelerava. Além disso, havia reclamações quanto a durabilidade do sincronizador das marchas, que com pouco tempo de uso já estava arranhando ou raspando no momento das trocas.

Curiosamente, as primeiras unidades fabricadas do pequeno Fiat, em especial os carros de engenharia e imprensa, tinham um cano de escapamento surpreendentemente pequeno, com pouco mais de 1 dedo de diâmetro, como uma saída de escape de uma moto de pequena cilindrada. Era do tamanho apenas necessário para a expulsão dos gases do pequeno motor 1.050, mas visualmente não agradava, afinal passava-se a impressão de um conjunto mecânico fraco. O resultado é que, prontamente, a Fiat preparou uma tubulação de escape maior para os carros que seriam distribuídos para as concessionárias.

Os carros que chegavam às concessionárias tinham detalhes diferentes daqueles do lançamento, como por exemplo o cano de escapamento maior (Foto: Fiat/divulgação)

Vendas cresciam e o sucesso vinha aos poucos

Mesmo demorando alguns anos para embalar no ranking de vendas, o Fiat 147 começou a conquistar o consumidor brasileiro de verdade no final da década de 70, quando já vendia até mais que seu principal concorrente, o VW Fusca. Também nessa época, mais especificamente em 1978, chegava a inédita carroceria furgão, chamado de Fiat Furgoneta, que nada mais era do que um 147 sem os bancos e vidros traseiros.

Feita pra carregar carga, a versão Furgoneta chegava

A gama de versões também crescia com as novidades das configurações básica (sem nome) e, no topo de linha, a GL (Gran Luxo). No final do mesmo ano, já como linha 1979, estreava uma pioneira: 147 Pick-up, uma pequena e útil caminhonete de dois lugares inteiramente baseada no 147 comum, que logo virou a queridinha dos pequenos comércios e de quem precisava carregar pequenas cargas.

Primeira picape compacta derivada de um carro de passeio, ela foi predecessora de modelos como Fiat Strada, VW Saveiro e por aí vai (Foto: Fiat/divulgação)

Não era para menos: Ela foi a primeira picape compacta derivada de um carro de passeio na América Latina, moda que logo se espalhou para outras marcas (VW Saveiro, Ford Pampa, Chevrolet Chevy 500 e por aí vai).

Motor 1300 na linha 79

Com novo virabrequim de curso longo, pistões de maior diâmetro, carburador de corpo duplo e novo sistema de escapamento, o tradicional motor 1.050 ganhou uma nova cilindrada na linha 1979, tornando-se o 1.300. O novo propulsor ganhou mais potência e torque para mover com agilidade o pequeno 147, que não era referência em desempenho quando equipado com o pequeno motor de lançamento.

Derivado do 1.050, o motor 1.3 dava agilidade de sobra ao 147, o que justificava o espírito esportivo da nova versão Rallye 1300 (Foto: Fiat/divulgação)

E não havia uma melhor maneira de estrear o motor 1.300 se não fosse em uma versão esportiva: Chegava assim a inédita Rallye 1300, com visual exclusivo e repleto de adereços sport (faróis de longo alcance, rodas diferentes, adesivos e por aí vai). Com motor maior, o Fiat 1300 desenvolvia 72 cv e cerca de 11 mkgf de torque em números brutos, melhorando significativamente seu desempenho quando comparado ao pacato 1.050. Era praticamente uma versão envenenada pela fábrica.

Na próxima parte da rica história do Fiat 147, vamos falar da sua pioneira versão movida a álcool (hoje etanol), além da conhecida “frente Europa”, suas novas versões, chegada do sucessor Uno em 1984 e mais. Não perca!

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.