Fiat 147: A história do desbravador das terras brasileiras pelos italianos (parte 2)

Depois de uma robusta história desde seu lançamento em 1976, o Fiat 147 (veja a primeira parte da sua trajetória aqui) chegou ao ano de 1979 com uma de suas grandes novidades na época: A estreia nacional de sua primeira versão unicamente movida a álcool (hoje etanol). Na realidade, o pequeno Fiat foi o primeiro carro movido com o combustível de cana oferecido ao consumidor brasileiro, um pioneirismo que deu ao carrinho um vantajoso ar de vanguarda tecnológica.

O 147 a álcool, apelidado de “Cachacinha”, foi um pioneiro importante da nossa indústria automotiva (Foto: Fiat/divulgação)

O novo 147 a álcool, apelidado carinhosamente de “cachacinha” pelo cheiro do combustível queimado, era equipado com o motor 1.3 com taxa de compressão substancialmente aumentada para aproveitar as características físico-químicas do etanol como combustível.

Apesar do natural aumento de potência quando o propulsor queima o combustível derivado da cana, esse 1.3 alcoolizado do Fiat teve suas rédeas puxadas: Inseguros com o que o álcool como combustível poderia causar a longo prazo, os engenheiros optaram por restringir sua potência em 60 cv, apesar do maior torque.

Com medo dos efeitos do etanol a longo prazo, a engenharia da Fiat baixou a potência do 147 a álcool para 60 cv (Foto: Fiat/divulgação)

Para isso, foi adotado um carburador de corpo simples e curva de avanço mais contida. Os técnicos sabiam que a menor potência garantia mais durabilidade ao motor, por isso tal solução para o então novo combustível. O carro foi vendido com relativo sucesso principalmente aos órgãos governamentais, que queriam mostrar à população a eficiência do etanol nacional como combustível automotivo.

1979 também foi um ano importante para o carrinho da Fiat, foi nessa época que ele ganhou sua primeira versão “luxuosa”: tratava-se da GLS (Gran Luxo Super), primeira a oferecer diversos equipamentos de conforto e segurança em um carro popular.

Novidades eram grandes em 1979: além do 147 a álcool, chegava a versão de luxo GLS com motor 1.3 (Foto: Fiat/divulgação)

Além disso, a nova versão também tinha certa vocação esportiva, já que trazia o mesmo motor 1.3 com carburador de corpo duplo e 72 cv de potência da Rallye, bem como o câmbio reescalonado com quatro marchas. Agora, a linha era composta pela versão Standard 1050 cm³, L (Luxo) 1050 cm³, GL (Gran Luxo) 1050 cm³, GLS (Gran Luxo Super) 1.3 e Rallye (sport) 1.3, uma gama bem completa.

Na virada da década, a linha do 147 já era bem completa (Foto: Fiat/divulgação)

Primeira reestilização

Em 1980, o 147 já caía em definitivo no gosto do consumidor brasileiro. E, depois de quatro anos de seu lançamento no mercado nacional, o pequeno Fiat passou por sua primeira e grande remodelação visual: A frente, agora alinhada a do 127 europeu (daí o apelido de “frente Europa”), ganhava novo conjunto óptico, grade e parachoques, mais moderno e harmônico. A traseira e interior também passavam por modificações diversas, sempre se baseando no carro vendido no Velho Continente.

Novo visual, alinhado ao do 127 europeu, era a grande novidade para 1980 (Foto: Fiat/divulgação)

Mas nem toda a linha seguia os mesmos passos: As versões Standard e Furgoneta mantinham o design de 1976, tanto interna quanto externamente, e só as superiores eram reestilizadas (L, GL, GLS e Rallye). Mecanicamente, não havia novidades: Motor 1050 ou 1.3, transmissão manual de 4 marchas e os mesmos componentes nos sistemas de freios, direção e suspensões.

Mesma mecânica e gama de versões, mas a Rallye 1300 estava ainda mais esportiva (Foto: Fiat/divulgação)

Comercialmente, nessa época dos anos 80, o Fiat 147 já começava a incomodar a concorrência, tanto que a Volkswagen, na época líder absoluta do mercado nacional, trabalhou de maneira apressada no lançamento do seu popular Gol, que ocorreu em 1980 e não por acaso com motor 1.3 a ar (desenvolvido pela Porsche).

Além disso, outros possíveis concorrentes também chegavam, a exemplo do GM Chevette Hatch com seu motor 1.4. Tudo era estrategicamente calculado para bater de frente com o 147.

Reestilizado e enfrentando concorrentes de peso: a vida do 147 no começo dos anos 80 (Foto: reprodução/Revista Quatro Rodas)

Não demorou muito para ainda mais novidades estrearem no popular da Fiat. Em 1982, o grande calcanhar de Aquiles do 147 foi finalmente resolvido: A transmissão de quatro marchas era inteiramente reformulada, com novo seletor de marchas na tampa da caixa, novos anéis sincronizadores para as engrenagens, além de um novo trambulador, que garantiam trocas mais precisas e suaves.

A grande reclamação do consumidor parecia ter sido resolvida com tais mudanças mecânicas, provando que o pequeno carrinho italiano estava cada vez mais adequado ao gosto e necessidades do brasileiro.

Apesar do visual interno parecido, mudanças na transmissão melhoravam a dirigibilidade (Foto: Fiat/divulgação)

Mas as novidades não paravam por aí, já que toda a gama de versões era renomeada: A configuração Standard saía de cena, e agora a porta de entrada para o 147 passava a ser a C (Comfort, antiga L), seguida da CL (Comfort Luxo, antiga GL), Top (referência ao topo de linha, antiga GLS) e Racing (esportiva que substituía a Rallye). Agora eram menos opções para facilitar o processo de escolha e venda.

Novo visual, versões renomeadas e até uma família parcialmente formada na década de 80 (Foto: Fiat/divulgação)

No mesmo momento, o 147 estreava tecnologias praticamente pioneiras no Brasil, como o sistema cut-off (que cortava o fornecimento de combustível assim que se tirava o pé do acelerador, economizando) e válvula Thermac (regulava o ar aspirado pelo motor e o misturava com ar quente do escapamento, para facilitar a mistura da combustão).

Spazio foi a última novidade antes do Uno

Em uma espécie de linha “premium” do 147, a Fiat lançava o Spazio, que já adiantava as linhas do sucessor Uno (Foto: Fiat/divulgação)

Definitivamente a Fiat não perdia tempo, e no ano seguinte, em 1983, já mexia novamente no seu 147. Agora era hora da estreia do Spazio (“Espaço” em italiano), uma linha mais luxuosa do pequeno popular de origem europeia que tinha elementos inéditos na frente, traseira e interior, já adiantando algumas das linhas que viriam posteriormente no Uno. Também eram característicos os acabamentos plásticos espalhados pela carroceria e as novas rodas com pequenas calotinhas centrais.

Frente, traseira e interior exclusivos eram padrão no Spazio (Foto: Fiat/divulgação)

Com linha própria, o Spazio (que perdia o nome 147) tinha até versão esportiva, a TR (Touring Racing), que substituía o antigo Racing, e inaugurava o novo câmbio de 5 marchas aliado ao motor 1.3 de 72 cv. Nessa linha “premium” também estavam presentes novos componentes para aperfeiçoar freios, direção, suspensões etc.

Interior era mais moderno e requintado, enquanto o câmbio ganhava a quinta marcha quando com motor 1.3 (Foto: Fiat/divulgação)

Mas não se engane pensando que não existiam mais opções baratas do popular: O Fiat 147, agora sempre com a frente Europa, se mantinha em produção nas versões de entrada, com motor 1050 cm³ e câmbio de quatro marchas, como opção mais em conta ao Spazio.

Pena que essas novidades duraram pouco tempo, já que em agosto de 1984 chegava ao mercado brasileiro o Fiat Uno, substituto direto do 147. Para não haver concorrência interna, a Fiat optou por “matar” a linha premium Spazio, abrindo espaço para as novas versões do Uno, enquanto a linha 147 se mantinha nas configurações básicas.

Logo chegou o Uno, e o Spazio saiu de cena, deixando apenas o 147 nas versões de entrada (Foto: Fiat/divulgação)

Em 1985, já como linha 86, a frente do Spazio se tornava padrão para toda a gama 147, composta por pouquíssimas versões e opções de acabamento.

A modernidade e tecnologia superior do Uno já canibalizavam o velho 147, que já beirava seus 10 anos de lançamento. E, além disso, havia outro enorme problema: O consumidor brasileiro dessa época, meados dos anos 80, estava em crescente ascensão financeira, ou seja, sempre que possível optava por carros médios e mais luxuosos (vide o sucesso do GM Monza ou VW Santana), deixando de lado a escolha de modelos mais baratos ou pelados.

Já prestes a sair de linha definitivamente, o pequeno 147 se tornou figurinha rara nas concessionárias (Foto: Fiat/divulgação)

Já figurinha rara na rede de concessionárias Fiat nos últimos meses e quase sempre deixado de escanteio nos showrooms, o pequeno 147 saía de linha oficialmente em dezembro de 1986. O Uno, cada vez mais vendido e com sucesso garantido, tomava agora o lugar de popular da fabricante italiana de forma definitiva.

Ainda assim, durante os 10 anos que esteve em produção, o 147 marcou e inovou o mercado brasileiro, sendo mais do que justificáveis as quase 710 mil unidades produzidas na planta de Betim (MG) durante esse período. Um pequeno notável ítalo-brasileiro.

Um pequeno notável ítalo-brasileiro (Foto: Fiat/divulgação)
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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.