Ferrovia Transcontinental, mais uma oportunidade perdida
Dando sequência às inúmeras matérias que esta coluna tem publicado sobre logística, especialmente na deste link, faz-se necessário fazer uma denúncia enquanto é tempo. Construir uma ferrovia transcontinental é a prova de que nosso país é avesso à inovação. A aversão à inovação é a prova mais cabal de que não se pretende transformar o país em motor, condenando-o ao papel de reboque por mais alguns séculos.
Esta coluna vem também explicando por que se optou pelo automóvel no Brasil e que isso não tem nada a ver com lobby da indústria de automóveis, mas com o relevo do país, assim como ao fato de não haver recursos para subsidiar o transporte ferroviário como se faz nos Estados Unidos e na Europa. Aí cabe a pergunta: por que investir numa obra de 5,7 mil km que, fatalmente, precisará ser subsidiada? O relevo do país não se alterou, os trens continuam necessitando de uma logística adjacente para viabilizar o transbordo e o fracionamento de cargas.
Ou seja, nada mudou e continuam-se usando vantagens inexistentes como um mantra para justificar um investimento que vem somando fracassos, como mostra o estado das ferrovias privatizadas nos anos 1990.
Uma ferrovia tira competitividade também por atender uma gama de produtos que tenham volume e peso suficientes para justificar o dispêndio com o transbordo. Esses produtos são forçosamente inerentes ao setor primário. São minérios, grãos e outros itens de baixo valor agregado. Ninguém imagina transportar celulares, drones ou robôs de trem.
A relação entre peso, volume e valor não justifica: é muito mais barato e prático levá-los de avião e, para a última milha, já com carga fracionada, fazer o transbordo para veículos destinados ao tráfego urbano. Assim, comboios graneleiros tendem a voltar vazios em alguns trechos, aumentando custos, visto que o tráfego vazio deverá ser remunerado pelas mercadorias transportadas.
Há ainda a questão ecológica a se considerar. Quanto menor for o movimento de terra, menor será o impacto da construção em si. Quanto menor for a interferência do tráfego, menor será o impacto da operação. Ferrovias interrompem o fluxo migratório da fauna por onde passam, ao mesmo tempo em que a manutenção das áreas de interferência interrompe a semeadura natural das espécies tombadas durante a obra.
Evitar o empreendimento também não resolve a questão porque as duas semanas a mais que as mercadorias passam a bordo dos navios, além de poder alterar suas características, reduzindo-lhes o valor, também têm enorme custo ambiental, mesmo que não exatamente par o Brasil.
A solução é construir rodovias segregadas pelo alto como já descrito por esta coluna, sempre usando carretas-plataforma destinadas ao frete por containers. A padronização do material rodante permite montarem-se comboios multiuso, otimizando a logística, haja vista que, atualmente, 45% dos grãos são transportados por container mundo a fora.
Fazendo uma resenha das matérias já citadas aqui, pode-se imaginar a situação a saber. As pistas de rodagem elevadas sobre pilares ou colunas reduzem brutalmente os custos com desapropriação, valor altamente relevante, considerando-se que são 5.700 km, com 4.500 km em território nacional, onde a maior parte da extensão a ser ultrapassada já tem dono.
Ademais, o relevo pode ser compensado pela altura das colunas, a exemplo do que ocorre na Rodovia dos Imigrantes, ou mesmo a que corta o Parque de Shenandoah no estado norte-americano da Virgínia, reduzindo substancialmente os gastos com movimento de terra, ao que a Natureza agradece. A gratidão vem de que não se interrompe o fluxo migratório e de semeadura do ecossistema local, preservando fauna e flora. Evita-se também a aglomeração humana ao longo das margens, o que fomenta a especulação imobiliária e costuma transformar as áreas de interferência em verdadeiras cidades, muitas vezes, inviabilizando o trajeto inicial.
Finalmente, substituindo-se a ferrovia anunciada por uma rodovia elevada, criam-se as condições para usar o transporte rodoviário autônomo com um grupo gerador sobre rodas que energiza uma série de carretas dotadas de motores elétricos que, por serem sobre pneus, podem se desacoplar do comboio e sair da pista segregada nos pontos de acesso e vice-versa, tal que a composição se possa alterar automaticamente ao longo do trajeto. Ser sobre pneus desobriga o investimento em estações de transbordo com seus tombadores e outros equipamentos específicos. As carretas podem sair diretamente das fazendas ou de centros de distribuição, bem como de portos secos, passando à condução autônoma, assim que se acoplarem ao comboio.
O conservadorismo típico dos países com muito a desenvolver induz o investidor a nunca arriscar em algo novo, sempre perguntando à partida “Quem já usa?” ou “Quem já fez?”. É justamente por isso que conservadorismo e subdesenvolvimento caminham lado a lado. Se for para fazer algo tão grandioso quanto uma estrada transcontinental, que se aproveite para mostrar ao mundo nossa capacidade de inovar.
A coluna Carro, Micro & Macro, bem como o conteúdo nela publicado, é de responsabilidade de seu autor, e nem sempre reflete os ideais e posicionamentos do Carros&Garagem.