Em busca do Audi que Senna pilotou em Interlagos

Calma aí, não se afobe! O tal Audi a que me refiro no título já foi encontrado. Uma verdadeira joia rara, que só aqueles golpes de sorte e muitas coincidências são capazes de encontrar. Na realidade, acho que foi um presente dos Deuses que buscam carros raros que marcaram a história.

Um determinado dia, há algum tempo, conversava com meu amigo Cláudio Larangeira e ele me confidenciou que tinha muitas fotos dos 4 primeiros Audi trazidos pela Senna Import, logo nos primeiros dias de 1994.

As fotos de divulgação do modelo, feitas pelo experiente Cláudio Larangeira (Foto: Audi/divulgação)

Nesse pequeno lote de quatro veículos, a empresa, fundada pelo nosso tricampeão Ayrton Senna, trouxe para o Brasil um Audi 80, um Audi 100 (que eram os sedans mais tradicionais da marca), e, para completar o quarteto, vieram um Audi S4 e um S2, ambas versões esportivas dos modelos 100 e 80, respectivamente. Essa dupla esportiva era equipada com uma mecânica praticamente igual: o moderno motor 5 cilindros em linha, de 2.2 litros, turboalimentados, com duplo comando no cabeçote e quatro válvulas por cilindro, que geravam 230 cv com cerca de 0,8 psi de pressão, e, por cerca de 15 segundos, eram equipados com um Overboost, que fazia essa pressão de sobrealimentação chegar aos 1.2 psi, e a potência do motor subia para os 258 cv nesse curto período de tempo, permitindo ultrapassagens mais seguras e retomadas de velocidade e acelerações mais rigorosas.

O câmbio manual de 6 marchas completava a performance esportiva, e a tração integral Quattro garantia a estabilidade e aderência, mesmo nos pisos molhados ou em situações de neve, barro ou outras intempéries climáticas. Um sonho para quem curtia velocidade e tecnologia. Descobriram agora por que Ayrton Senna escolheu a marca Audi para representar no Brasil? O cara entendia do babado e sabia que essa tecnologia não era oferecida por Mercedes nem tampouco BMW, e acreditou que esse seria um enorme argumento de venda para uma marca praticamente desconhecida no nosso país. Além de pilotar muito bem, Senna tinha um belo faro comercial, que o tempo mostrou que ele estava certo: em um curtíssimo espaço de tempo, a Audi assumiu a liderança nas vendas de carros luxuosos, principalmente os badalados alemães.

Fotos: Acervo Pessoal/proprietário

Ayrton fechou um contrato com a Audi na Alemanha no segundo semestre de 1993, montou sua estrutura comercial e técnica de pós-venda por aqui e, no início de janeiro do ano seguinte, depois de investir mais de 5 milhões de Dólares, começou a trazer os Audi para o mercado brasileiro. Daqueles quatro primeiros que chegaram no início de janeiro, os esportivos S2 e S4 foram licenciados e receberam placas para serem utilizados pela Audi para a divulgação da sua marca junto a imprensa especializada e, claro, para a sua rede de concessionários, inicialmente pequena, com cerca de 8 revendas, e que cresceu rapidamente nos meses seguintes. Todo mundo queria vender Audi.

Pois bem, os dois primeiros esportivos começaram a rodar pelo país com a imprensa automotiva e concessionárias e, a partir do momento que já haviam sido alvo de divulgação pelo Brasil inteiro, passaram a ser utilizados pela diretoria da Senna Import e, posteriormente, foram vendidos ao mercado comum, como modelos usados. Vale lembrar que tanto o S2 quanto o S4 foram utilizados no evento de apresentação da marca Audi no Brasil, em março de 1994. Nosso tricampeão se divertiu levando os jornalistas automotivos que estavam no evento para conhecerem o circuito de Interlagos, tendo ao volante ninguém menos que Ayrton Senna da Silva. Nosso experiente piloto mostrava todas as qualidades dinâmicas de um Audi esportivo com tração nas quatro rodas. Um show!

Fotos: Acervo Pessoal/proprietário

Esses carros, depois de vendidos, desapareceram país afora. Voltando ao meu prezado amigo Cláudio Larangeira, pedi ao proeminente fotógrafo que imortalizou carros durante mais de 30 anos na revista Quatro Rodas, que buscasse junto às fotos de 27 anos atrás desses tais primeiros Audi, algum registro das placas de licenciamento deles. Bingo! Alguns dias depois, o Laranja, como ele é carinhosamente chamado, me ligou passando as placas justamente dos dois esportivos. A partir desse ponto, a busca passou a ser outra: com quem estariam essas verdadeiras joias raras? Foi nesse ponto que aqueles tais Deuses dos carros raros me ajudaram. Um amigo que trabalhava com carros de época contou-me que, em 2015, haviam oferecido pra ele um Audi S2 1994 que supostamente Ayrton Senna teria pilotado em Interlagos. Como o vendedor, um ex-diretor da Volkswagen, não tinha nenhuma foto comprovando a história, esse amigo desistiu da compra.

Mas ele teve um cuidado: fez várias fotos do S2 e guardou como lembrança. Em 2020, me contou esse episódio e lá, nas fotos que ele tinha tirado, estavam as mesmas placas que o Larangeira tinha me passado. Era mesmo o tal carro sumido que o Ayrton, cerca de 1 mês antes de sua morte, tinha pilotado em Interlagos com os jornalistas. Fiquei sabendo que o carro havia sido vendido para um colecionador, mas ninguém sabia quem. Nesse ponto, os Deuses voltaram a me ajudar: um outro amigo, fã da marca Audi, gostava de modelos antigos (incluindo os S2 e S4), e ele, coincidentemente, buscava uma unidade bem conservada para comprar. Buscou, procurou, vasculhou, e acabou achando um S2 que o dono havia comprado há menos de 1 ano, também adorava o carro e não estava interessado em vende-lo.

Fotos: Acervo Pessoal/proprietário

Meu amigo fã de Audi me pediu para interceder no negócio e fui conversar com o tal dono do S2. O proprietário me mandou fotos do carro, sempre deixando bem claro que não tinha a intenção de vende-lo. Aí vinha a surpresa: lá estava o elo perdido Audi, Ayrton Senna, Autódromo de Interlagos. Não acreditei na tremenda coincidência e, a partir dali, contei ao dono toda a história do seu carro. Se o Marcelo, seu atual proprietário, não tinha a intenção de vender seu queridinho Audi S2, quando soube da história, sacramentou: “agora que eu não vendo ele mesmo!”. Hoje, esse carro tem cerca de 100 mil km, está em perfeito estado de conservação e até mesmo recebeu upgrades que o deixaram ainda melhor: freios maiores e mais potentes, um novo sistema de injeção importado da Alemanha para substituir o Bosch Motronic original, rodas de 17 polegadas da famosa station Audi Avant RS2 (que foi desenvolvida pela Porsche) e por aí vai.

Esse carro foi utilizado pela própria Audi no lançamento do A4 2021, até porque, na realidade, o S2 é uma espécie de avô do A4 atual. Além de ser a primeira unidade importada pela Senna Import em 1994, a máquina esportiva foi pilotada por Senna e testada por toda a imprensa especializada, sendo alvo de muitas reportagens da época. A joia rara foi mostrada no evento do Novo A4, deverá ser utilizada como uma peça rara de museu e poderá circular por todo o país para ser exibido nas concessionárias da marca. Uma história muito bacana que teve um final feliz, principalmente por aqueles que preservam a história da nossa indústria automotiva e são amantes dos carros de época.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.