DKW-Vemag Universal 1956: seria esse o primeiro carro brasileiro?

Há controvérsias. Algumas pessoas afirmam que o primeiro carro genuinamente brasileiro foi o pequeno e compacto Romi-Isetta (leia sua história aqui), enquanto outros apostam suas fichas na perua DKW-Vemag Universal. Ambos foram lançados no segundo semestre de 1956, com uma diferença de apenas dois meses entre eles (setembro para o Isetta e novembro para o Vemag), portanto, se considerarmos as datas, temos o título de primeiro automóvel nacional para o Romi. 

Há quem diga que, na realidade, o primeiro carro nacional foi a camioneta DKW-Vemag Universal, depois chamada de Vemaguet (Foto: Vemag/divulgação)

Acontece que, pelo Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), criado pelo então presidente Juscelino Kubitschek em seu primeiro ano de governo, com o objetivo de implantar uma indústria de carros nacional, o Isetta não é considerado um carro. Eles descreviam um automóvel como tendo, pelo menos, duas portas e quatro lugares, exigências que não eram atendidas pelo pequeno carrinho, de porta frontal e dois lugares. O DKW-Vemag Universal já tinha três portas (duas laterais e uma traseira), e transportava com comodidade quatro pessoas, pelo menos.  

A camioneta DKW-Vemag cumpria s requisito do Geia para ser chamada de “carro”: levava quatro pessoas e tinha duas portas, mais uma terceira para carga na traseira. A da foto já é ano-modelo 1957, notando-se o friso na lateral e a pintura bicolor (Foto: Vemag/divulgação)

Por isso, fica a dúvida. Depende do ponto de vista de cada um, apoiando os regulamentos do GEIA ou não. De qualquer forma, o Romi-Isetta era 72% nacional em peso, enquanto a Universal não ia além de 54% de componentes brasileiros, com o restante vindo do fabricante alemão.  

Uma coisa é fato: em peso, o DKW-Vemag era 18% menos nacional que o Romi-Isetta (Foto: Vemag/divulgação)

A DKW era uma empresa sediada na Alemanha Oriental, e sua sigla significava “Dampf-Kraft-Wagen”, algo como “Carro Movido a Vapor” em um bom português. Há também quem considere “Deutsche Kleine Wunder” (“Pequena Maravilha Alemã”), termo que os alemães utilizavam na sua divisão que fabricava motocicletas. Aqui no Brasil, ficou mais conhecida como “Decavê”, se unindo com a Vemag, que já era uma junção de uma importadora de Studebaker’s norte-americanos (que depois montava caminhões Scania), com uma empresa de produtos e máquinas agrícolas. O nome “Vemag”, na realidade, era uma abreviação de “Veículos e Máquinas Agrícolas”.  

O nome DKW tem dois significados na história da marca alemã, mas aqui virou mesmo Decavê na linguagem popular (Foto: Vemag/divulgação)

A Vemag foi a primeira a aproveitar os incentivos do governo na criação de uma indústria de carros nacional. Foram ágeis, tanto que lançaram seu primeiro modelo em 19 de novembro de 1956, apenas cinco meses depois da criação do GEIA. Era o DKW-Vemag Universal, perua que os empresários julgavam como mais adequada à família brasileira. Na realidade, essa Universal feita no Brasil era praticamente idêntica a DKW F91 Universal vendida no mercado alemão, com sutis mudanças visuais. Para noção de referência, falamos de um veículo de porte e proposta que lembram as do atual Citroën C3 Aircross, ou Chevrolet Spin. 

A Universal nacional era praticamente igual à F91 Universal alemã (Foto: DKW/divulgação)

O veículo familiar da DKW-Vemag era equipado com um motor de três cilindros, dois tempos, 896 cm³ (0.9) e parcos 34 hp de potência líquida, que pecava pelo torque extremamente baixo, na casa dos 7 mkgf, para um carro de quase 950 kg. Com esses números modestos, o Universal não tinha a performance como uma de suas qualidades: demorava eternos 35 segundos para acelerar de 0 a 100 km/h e não passava de 110 km/h, claro que, nesses casos, vazio, com apenas o motorista a bordo. Como seu motor era dois tempos, a lubrificação era feita pela mistura de 1 litro de óleo diluído em um tanque com 40 litros de gasolina.  

O DKW-Vemag familiar não era potente, rápido nem ágil nas acelerações, porém sua fabricante enaltecia a proposta moderna e o baixo consumo nas publicidades da época (Foto: Vemag/divulgação)

Já imaginaram o quão era complexo era manter essa proporção de “40 pra 1” à medida que fossem necessários reabastecimentos com gasolina? Com menos óleo do que o recomendado, o motorista corria risco de travar seu motor, enquanto, com óleo demais, o Universal trafegava fazendo uma enorme fumaceira. A vida não era fácil para os donos dos carros produzidos pela DKW-Vemag na época: além da perua, também faziam um sedan (chamado de Grande DKW-Vemag) e o Jipe (que depois se tornou Candango). 

O carro tinha algumas particularidades na manutenção: poucos mecânicos sabiam regular seus três platinados independentes, e muitos proprietários erravam na proporção da mistura gasolina/óleo (Foto: DKW-Vemag/divulgação)

Mas, voltando a perua Universal, seu conceito não era dos mais modernos. Ainda usava a construção com chassi separado da carroceria, e não era reforçada como deveria: suas longarinas não iam além do eixo traseiro, ou seja, todo o peso do porta-malas era sustentado apenas pela lataria e soldas. Com as nossas condições de piso e malha viária da época, sem contar a qualidade construtiva bem inferior à dos veículos atuais, o resultado prático disso eram várias peruas com a traseira “caída” ao longo dos anos. Só foram corrigir esse problema em 1966, dez anos depois!  

As Universal tinham o problema das longarinas que não seguiam até o final do carro: sua carroceria podia se deformar na parte traseira, caso muito peso fosse levado lá (Foto: Vemag/divulgação)

Outra curiosidade, não muito positiva, do primeiro familiar brasileiro era que suas portas laterais se abriam no sentido oposto, estilo conhecido como “portas suicidas”, já que eram fáceis de se abrir e difíceis de fechar com o carro em movimento. O fator segurança ficava em segundo plano, assim como a comodidade (essas portas eram mais difíceis de serem fechadas e complicavam o movimento de entra e sai). Por outro lado, devemos lembrar que falamos do início de tudo, quando técnicos e engenheiros brasileiros ainda estavam, literalmente, aprendendo na prática como era a tal arte de fabricar carros. Não eram erros, mas sim experimentações que foram sendo corrigidas.  

Como foi o primeiro, literalmente, a Universal tinha erros hoje perdoáveis: nossa engenharia ainda estava aprendendo a arte de fabricar carros. Na foto, unidades 1956 novinhas, saindo da fábrica (Foto: Vemag/divulgação)

Na próxima semana, daremos continuação nessa história da DKW-Vemag Universal, a perua familiar que muita gente considera como o primeiro carro brasileiro.  

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Jornalista na área automobilística há 50 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 69 anos, é casado e tem três filhos homens, de 22, 33 e 36 anos.