Comparativo sem comparação: DKW Vemag vs. Chevrolet Onix na evolução do 1.0 3 cilindros


Desde a portaria de 1990 que possibilitou uma redução de 40% para 20% na alíquota do IPI vigente e viabilizou o lançamento do carro popular nos novos tempos, iniciou-se uma sadia guerra entre as fábricas, beneficiando os brasileiros, que passaram a ter carros mais acessíveis.
Nos dias de hoje, essa guerra tornou-se mandatória graças as exigências de Controles de Emissões cada vez mais rigorosos, a obrigatoriedade de controles eletrônicos de estabilidade e tração e testes de impacto lateral para a homologação dos automóveis vendidos no país, além da obrigatoriedade das luzes de rodagem diurna (DRL), indicação de cintos desfivelados e ajuste de altura dos faróis. Tudo isso reflete em benefícios aos proprietários, que tem carros mais modernos, eficientes e seguros, mas com um custo mais elevado.

O gosto do público consumidor está mais apurado. Exige motores superalimentados, híbridos ou mesmo 100% elétricos, além de carrocerias maiores e mais confortáveis, onde os SUVs surfam na onda por poderem oferecer tudo isso junto.
Os motores aspirados estão presentes nas versões de entrada, em grande parte com 1000 cilindradas. Eles passaram por uma evolução grande, e se popularizaram ao longo do tempo em busca de potência. Nos idos de 1990, o Fiat Uno Mille foi apresentado em nosso mercado com um 1.0 de 4 cilindros, 48,8 cv de potência a 5700 rpm e 7,4 kgfm de torque a 3000 rpm.

Em 1997 era apresentado o motor Hitork da VW, um competente 1.0 de 16v com 4 cilindros, 69,4 cv de potência a 5750 rpm e 9,4 kgfm de torque a 4500 rpm. Era mais veloz e econômico, andando junto com alguns concorrentes de 1500 ou 1600 cilindradas da época.

Três anos depois, em 2000, novamente a Volkswagen trazia outra novidade: o motor EA-111 1.0 16v Turbo. Agora, o 4 cilindros superalimentado desenvolvia 112 cv a 5500 rpm e 15,8 kgfm a 2000 rpm, e trazia balancins roletados para diminuir o atrito quando as válvulas de admissão e escape eram acionadas. Essa foi uma referência aos motores seguintes. Era ligeiramente mais potente que o AP 2.0 da época, que tinha 111,5 cv a 5250 rpm e 17,3 kgfm a 3000 rpm, e podia apresentar menor consumo.
A Ford trouxe em 2004 um motor 1.0 4 cilindros com compressor mecânico, intitulado Superchager. Com quase 30 cv a mais se comparado com o aspirado, o Fiesta Supercharger fornecia 95 cv de potência a 6000 rpm e 12,64 kgfm de torque a 4250 rpm. Acelerava praticamente junto da versão 1.6, de 98 cv a 5250 rpm e 14,37 kgfm a 4250 rpm.
Em 2005, novamente a Volkswagen apresentava o primeiro 1.0 bicombustível do mundo, o EA-111 Totalflex. Aspirado, tinha 4 cilindros e rendia 71 cv de potência a 6000 rpm com 9,1 kgfm de torque a 4500 rpm quando movido a gasolina. Com etanol, eram 72 cv a 6000 rpm e 9,2 kgfm a 4500 rpm.
A marca alemã fechou a “trinca” de pioneirismos nos motores em 2013, com a chegada do EA-211, primeiro 1.0 três cilindros com 12 válvulas do Brasil. Na ocasião, entregava 75 cv de potência a 6250 rpm e 9,7 kgfm de torque a 3000 rpm com gasolina, ou 82 cv a 6250 rpm e 10,4 kgfm a 3000 rpm com etanol (já era flex). Com um cilindro a menos, conseguia gerar mais torque graças aos pistões maiores, se comparados aos de um motor 1.0 de quatro cilindros, comuns até então.
Configurando esta nova tendência, as outras marcas seguiram a cartilha, e cada uma lançou a sua versão com pequenas alterações, variando entre número de válvulas por cilindro como os modelos da Fiat/Peugeot/Citroën ou versões turboalimentadas com injeção direta. Bom exemplo é o próprio EA-211 1.0 12v Turbo da Volkswagen lançado em 2015, capaz de gerar em sua primeira versão 101 cv de potência a 5000 rpm e 16,8 kgfm de torque a 1500 rpm queimando gasolina, ou 105 cv a 5000 rpm e 16,8 kgfm de torque a 1500 rpm a etanol. Após inúmeras evoluções (e configurações), ele segue em linha até hoje com maiores potência e torque.
Porém, o primeiro motor 3 cilindros nacional surgiu no primeiro carro fabricado no Brasil: o DKW Vemaguet de 1956. Lançado originalmente com 900 cm³ de cilindrada, esse motor possuía ciclo de dois tempos e era refrigerado a água por termossifão (sem bomba d’água). Tinha como característica possuir apenas 7 peças móveis, sendo elas 3 pistões, 3 bielas e 1 virabrequim. Nele, o óleo que lubrificava o motor era misturado à gasolina, emitindo uma espessa fumaça azul pelo barulhento escapamento. No Vemaguet, era instalado na dianteira.

Esse motor ganhou potência em 1959, quando sua cilindrada foi elevada a 981 cm³ (tornando-se 1000 cm³). Passou então para 44 cv de potência SAE a 4500 rpm e 8,5 kgfm de torque a 2.250 rpm. Na medida atual, ABNT, considera-se 16% menos de potência, e menos 8% de nossa “gasonol” (gasolina com 27% de etanol), sendo assim, falamos de aproximadamente 33,4 cv “práticos” impulsionando o carro.

Seu câmbio com acionamento na coluna tinha 4 marchas a frente, todas sincronizadas, e uma a ré. A DKW, inclusive, foi pioneira ao oferecer o primeiro sistema de embreagem automática do Brasil, intitulado Saxomat – com embreagem acionada por contrapesos a vácuo, mantendo a alavanca convencional e a transmissão manual.
Eram outros tempos, onde descer na “banguela” (ou ponto-morto) proporcionava uma redução no consumo de combustível, e para isso os Vemaguet e Vemag (perua e hatch, respectivamente) traziam roda-livre, um recurso que desligava a tração quando o motor não era exigido. Se acionado pelo condutor por cabo abaixo do painel, deixava o veículo sem freio-motor, descendo como se estivesse sem nenhuma marcha engrenada.

O Vemag 1963 das fotos, gentilmente cedido para um test-drive pelo proprietário Francisco Galindo, está em ótimo estado e com sua mecânica quase inalterada. Teve instalado, ao longo dos anos, apenas ignição eletrônica, eliminando os 3 platinados, além de bobinas mais modernas, para aumento da confiabilidade.
Essas evoluções possibilitam, inclusive, algumas aventuras como as corridas anuais do evento Pé Na Tábula (PNT), realizado anualmente na Fazenda Dimep em Itatinga-SP. Acredite, o carro vai e volta rodando, e, para Francisco, viajar com o Vemag é algo comum desde 1986. Na época, ele adquiriu o DKW ao custo equivalente de duas Mobilettes.

O veículo responde bem no trânsito, mas para sair em primeira marcha, deve-se elevar (e muito) a rotação, afinal, seu torque é baixo e o combustível de hoje já rouba uma parte dos poucos cavalos que o motor gera. O rodar é macio, o câmbio é de fácil manuseio, desde que você se lembre que a primeira e terceira marchas são para baixo (as demais para cima). Esticando bem as marchas, consegue-se acompanhar os veículos no trânsito de uma cidade como Ribeirão Preto/SP. Na estrada que liga a cidade ao distrito de Bonfim Paulista/SP, conseguimos atingir 120 km/h sem dificuldades.
Na subida, em quarta marcha, deve-se reduzir para a terceira na primeira oportunidade, a fim de se manter pelo menos 80 km/h de velocidade de cruzeiro, e, sim, com a rotação bem alta. De resto, é um carro com uma dirigibilidade muito similar à de um VW Fusca ou os primeiros Ford Corcel.
Sua porta dianteira teve, até 1964, abertura ao contrário, popularmente chamada de “suicida” ou mesmo de deixa-vê (em alusão as mulheres que entravam no veículo de saia). É uma experiência legal, mas pouco eficiente: em colisões, a porta abria com mais facilidade e projetava seu motorista (até então sem cinto de segurança) para fora do veículo. O espaço interno é limitado, mas comporta 6 passageiros, e seu porta-malas era espaçoso para os anos 60. Sim, eram outros tempos.

Hoje, mais de sessenta anos depois, a história é diferente. Um Chevrolet Onix tem, em sua versão 1.0 12v aspirada, 78 cv a 6400 rpm e 9,6 kgfm de torque a 4100 rpm quando movido a gasolina, ou então 82 cv e 10,6 kgfm com etanol (mesmas rotações). Um VW Polo entrega 2 cv mais usando etanol, e a evolução está longe de acabar.
Com câmbio manual de 6 velocidades, não há sofrimento nas ladeiras, e trafegar a 100 km/h numa subida de serra em 5ª marcha não é tarefa difícil. Confortável, a versão mais simples oferece 6 airbags, direção elétrica progressiva, sensor crepuscular, alarme, ar-condicionado, controles eletrônicos de estabilidade (ESP) e tração (TC), assistente de partida em rampas (Hill Holder), computador de bordo, volante multifuncional, piloto automático, rádio AM/FM com Bluetooth e MP3, freios ABS (antitravamento) com EBD (distribuição eletrônica de frenagem), vidros elétricos nas quatro portas, travas elétricas, rodas aro 14 com calotas e por aí vai.
A versão avaliada do hatch mostrou que a evolução é muito grande, graças ao baixo nível de ruído, potência suficiente para viagens longas (mesmo sendo naturalmente aspirado), baixo consumo de combustível e pouca vibração proveniente da mecânica. Além disso, o espaço interno e o porta-malas também evoluíram bastante, comportando 5 pessoas mais bagagens sem muito aperto.
Os futuros lançamentos como VW Tera, Fiat Panda e as novas gerações dos modelos que temos em produção ditarão as novas tendências a partir da linha 2026, ano que marcará os 70 anos de fabricação de carros no Brasil. Se falarmos das versões turbo, os modelos VW Nivus, Fiat Fastback, GM Tracker ou mesmo Citroën Basalt fazem escola com motores de baixa cilindrada e supereficientes em potência e baixo consumo. Afinal, o público mudou, e as leis também.