Carro elétrico: dá para ser barato?

Existe uma crença de que o limitante para o preço do carro elétrico seja o custo das baterias. Esse é um limitante sim, mas não o único. Aprendi isso na própria pele quinze anos atrás. Na empresa em que trabalhava, estávamos desenvolvendo uma máquina de cortar grama baseada no que havia de melhor no mundo de então.

A inspiração era a Toro 5800, que corta uma faixa de 5,8 m, a 7,2 km/h. Em linha reta, isso significa 41.760 m²/h. Contando as manobras, a Toro 5800 fazia um campo de futebol em doze minutos. Isso a deixa muito longe de uma mera máquina de cortar grama. Nossa intenção era fazer algo muito maior para atender extensas áreas gramadas, ou até mesmo fazendas de grande porte.

Nossa ideia partia das grandes máquinas de aparar grama da Toro (Foto: Toro/divulgação)

Partimos de um trator New Holland TM110 com uma bomba hidráulica na tomada de força dianteira e um sistema hidráulico semelhante ao da Toro para acionar os cortadores. Como não conseguimos eliminar uma vibração incapacitante, passou-me pela cabeça substituir o conjunto por outro baseado em motores elétricos. Não chegamos a testar na prática porque o sistema de controle inviabilizava economicamente a empreitada.

Quando lançaram os carros elétricos, a primeira coisa que passou pela minha cabeça foi o quão alto seria o custo do sistema de controle. Na experiência acima, lidávamos com um conjunto de 15 hp trabalhando em rotação quase constante. Como seria então a unidade de controle para acionar o motor de um carro elétrico de, por exemplo, 150 hp?

Nossa empreitada, que seria feita em um trator New Holland, foi inviabilizada pelos custos do sistema de controle (Foto: New Holland/divulgação)

Basta abrir o capô de um Nissan Leaf ou de um JAC E-JS4, por exemplo, para observar que aquele bloco metálico não é o motor. Trata-se da unidade de controle de extrema complexidade para um conjunto dez vezes mais potente do que o do nosso exemplo.

Está certo que a escala de produção automobilística é infinitamente maior do que a que pretendíamos aplicar. A complexidade, no entanto, chega a ser assustadora. Um monumento à engenharia. Hora o motor age como propulsor, hora funciona como gerador; há a inversão de marcha, bem como a permanente variação de rotação para se enquadrar no trânsito urbano e rodoviário.

Aquilo visto debaixo do capô de alguns elétrico é, na realidade, o tal complexto sistema de controle (Foto: Lucca Mendonça)

Quando os aviões vão decolar, tudo o que não for imediatamente necessário é devidamente desligado para não roubar potência dos motores, que se deve destinar toda a acelerá-lo e erguê-lo do solo. Da mesma forma, nas fazendas que usam pivôs de irrigação, cujas bombas consomem 250 hp, bem como nas indústrias com suas casas de força, por onde entram – digamos – 380 v e 100 A, ou aproximadamente 190 hp, há um banco de capacitores para amortecer o pico de corrente para que as luzes e sistemas de ar-condicionado não se desliguem devido aos picos de corrente.

Tanto nas fazendas como nas indústrias, o consumo é mais ou menos constante e os picos de corrente são relativamente raros. Num automóvel, que pode chegar aos 1.000 hp, em uso urbano, os picos de corrente são sucessivos, mesmo que não requeiram tanta potência cotidianamente. É por causa disso que grande parte dos modelos de automóveis elétricos à venda mantém baterias de 12V, redes de baixa tensão e corrente contínua independente.

Por essas e outras que as baterias de 12V também são itens padrão nos carros elétricos (Foto: reprodução/Shutterstock)

Eles acionam faróis, limpadores de para-brisas, equipamentos de áudio, instrumentos e tudo o que se espera não vir a competir com o motor. Sem essa separação, ao acelerar-se um carro elétrico um pouco mais fortemente, muitos dispositivos apagariam, quando não se danificariam. Resumindo: nem desse custo adotar a eletricidade como meio de propulsão a indústria estaria livre.

Tudo leva a crer que a forma como se têm encarado o peso das baterias no valor dos automóveis esteja equivocada. Hoje, as baterias são, isoladamente, o maior custo na produção de um carro elétrico, só que é preciso encarar o conjunto. Todo ele dependente de inovação, todo ele dependente de escala. Essa dependência de escala contraia as palavras do presidente do Grupo CAOA, Mauro Correia, quando diz que não mais será comum um modelo ter mais de cem mil unidades produzidas ao ano.

A dependência de escala contraria aquilo dito pelo CEO do Grupo CAOA, que afirma que carros de alta produção não existirão mais (Foto: Caoa/divulgação)

Por tudo o que se discutiu aqui, cabe a pergunta: carro elétrico, será que pode ser barato? Pode ser que sim, mas só quando ele realmente nascer para ser elétrico, deixando para trás os termos em que o compartilhamento com a tecnologia tradicional é obrigatório.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.