A viagem na Rota 66 que quase virou um pesadelo

(Nesse episódio do Carros e Causos, uma homenagem ao protagonista dessa história, Josias Silveira, que faleceu tranquilamente na manhã do último domingo, dia 14 de novembro, enquanto dormia em sua casa, aos 75 anos de idade)

 

Esse “causo” é um fato ocorrido logo no início dos anos 2000. Os personagens foram meu grande amigo, o consagrado jornalista Josias Silveira, uma moto Harley-Davidson, um xerife norte-americano e sua potente e ruidosa viatura. O cenário era a famosa Rota 66, lá pelas bandas da costa oeste dos Estados Unidos. É um desses causos que, ao mesmo tempo, provocam preocupação com a vida humana, correria dignas dos filmes americanos pelas estradas e muitas gargalhadas no final.

Josias, além de um respeitado jornalista do mundo dos carros e das motos, também é chegado nessas aventuras motociclísticas. Nesse causo, ele tinha recebido o convite de uma agência de turismo que promovia passeios com motos Harley-Davidson pela Rota 66, rodovia que ficou famosa por sair de Chicago e chegar até Santa Mônica, em Los Angeles. Um verdadeiro sonho: sobre uma moto tipicamente americana, seguir por uma das mais conhecidas estradas dos EUA até Los Angeles. Um passeio inesquecível.

Nesse grupo heterogêneo, havia homens e mulheres de todas as idades, totalizando cerca de 15 motos, com um casal ocupando cada moto. Josias, que viajava só, tinha a função de ir atrás desse comboio, bem separado, para dar assistência a algum motociclista que tivesse problema mecânico com sua moto ou sofresse algum tipo de acidente.

Como, atualmente, a Rota 66 não é mais uma estrada única, pois restou dela apenas alguns trechos, o grupo saía de Los Angeles, percorria alguns segmentos da famosa rota e depois retornava ao ponto de saída pela rodovia que cruza o famoso Vale da Morte, uma região desértica, toda de sal e que se encontra a 600 metros abaixo do nível do mar. Segundo Josias, uma energia horrível marcava essa rodovia.

No comboio, eram cerca de 15 motos, cada uma com um casal (Foto: reprodução/rentalmotorbike.com)

Não deu outra! Rodando bons metros atrás do último motociclista do grupo, que estava acompanhado da namorada, Josias viu quando ele perdeu o controle de sua moto (talvez tivesse cochilado), saiu da estrada e bateu forte em um obstáculo, o que fez com que ele e a namorada fizessem um pequeno voo antes de caírem ao chão. Pronto, a confusão estava formada. O senhor que pilotava a moto teve apenas pequenas escoriações, mas sua namorada não teve a mesma sorte: havia suspeitas de uma trinca na coluna cervical e, por isso, ela só poderia ser removida por pessoas especializadas.

Nosso amigo jornalista, que se comunicava com o grupo por meio do rádio do celular Nextel, relatou o acidente e, imediatamente, os organizadores da aventura motociclística pediram ajuda às autoridades da região. Um helicóptero foi designado para prestar o socorro imediato, mas um problema o impedia de chegar ao local do acidente: uma tempestade de areia não permitia helicópteros na região. Então, uma ambulância foi designada para levar a vítima do local do acidente até a tal aeronave, distante cerca de 70 km.

Josias, para tentar apressar o socorro, partiu em velocidade rumo à pequena cidade onde estava o helicóptero, para tentar trazer o socorro mais rapidamente. Ao chegar lá, cruzou com o carro do xerife e a tal ambulância, explicou para eles o ocorrido, e a autoridade policial pediu para que ele os levasse ao lugar do acidente.

Acelerando a Harley-Davidson na Rota 66… E o xerife atrás

Josias não teve dúvidas e partiu acelerando tudo o que a moderna Harley-Davidson era capaz de dar: passou a trafegar na Rota 66 a cerca de 100 milhas por hora (pouco mais de 160 km/h). O carro do xerife ia atrás com a sirene e as luzes piscando, e a ambulância acompanhando essa doideira em alta velocidade. Uma loucura para socorrer a pobre moça ferida!

Em pouco tempo já estavam no local do acidente, e a vítima foi corretamente imobilizada para ser colocada na ambulância. Nesse momento é que aconteceu o inusitado: o velho xerife, com seu tradicional chapéu tipo cowboy, chamou Josias para uma conversa e foi logo dizendo: “O senhor tem consciência de que andou na frente de uma viatura de polícia com a sirene ligada e as luzes piscando a mais de 160 km/h, sendo que o limite dessa estrada é de pouco mais de 90 km/h?”.

Inicialmente, Josias pensou tratar-se de uma piada, uma brincadeira de mau gosto. Mas, vendo a seriedade com que o velho xerife tratava o assunto, começou a ficar preocupado. E o policial disse mais: “Não posso permitir que alguém ande na frente da minha viatura, na minha cara, em excesso de velocidade sem nenhuma punição. Por isso, vou deter o senhor e a motocicleta, e levá-lo a presença do juiz, onde o senhor deverá se explicar”.

Josias, claro, contra-argumentou: “Mas o senhor tem que entender que estávamos em uma missão humanitária, e que o salvamento da moça machucada, que estava com a vida em risco, era muito mais relevante que o meu excesso de velocidade. Quanto antes chegássemos à vítima, menor seria o risco de ela morrer. É isso que estávamos fazendo!”. O xerife pensou muito a respeito dos argumentos muito bem colocados por Josias e, depois de algum tempo refletindo, resolveu perdoá-lo por andar a 160 km/h na frente do carro de polícia com as sirenes ligadas. No fim, acabaram se entendendo e deram boas risadas sobre o assunto.

A brasileira ferida? Ficou internada em um bom hospital em Los Angeles por cerca de 15 dias. O “tombaço” que levou da moto não trouxe nenhuma sequela, e ela voltou a andar novamente, apesar de sentir formigamentos na perna logo após o acidente. Um final feliz: nem o Josias nem a sua moto foram presos, e nossa sortuda brasileira teve de volta a integridade de sua saúde.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.