A flexibilidade dos motores VW a ar

Foto de capa: Marco de Bari/Quatro Rodas

Contei aqui um pouco da história de um motor criado nos anos 30 pela equipe de Ferdinand Porsche. Arrefecido a ar, ele fazia parte do grande projeto encomendado pelo governo alemão que incluía um carro que servisse as necessidades e ao bolso dos trabalhadores alemães. Depois da guerra, o tal automóvel transformou-se em um sucesso mundial, batizado aqui no Brasil como Fusca, produzido pelo mundo por mais de 70 anos. A simplicidade e o conceito do seu motor de quatro cilindros arrefecido a ar garantiram, além do sucesso do “Besouro”, a consagração de um dos propulsores com projeto mais versátil e conhecido da história.  

Vamos mostrar um pouco do que foi feito com esse conceito dos quatro cilindros contrapostos arrefecidos a ar ao longo dessas sete décadas. Conhecido pelo grande público como “motor a ar”, nasceu com um 1.0 litro, ou cerca de 1000 cm³, produzindo parcos 20 cv de potência: o objetivo era economia de combustível, robustez e durabilidade para mover aquele novo carro do trabalhador alemão, isso tudo em um período crítico de saída de uma crise financeira. Mas, com o passar do tempo, ficou fácil perceber que um motor modular garantia a ele aumentos fáceis de capacidade cúbica, bastando para isso a adoção de novos conjuntos de cilindros e pistões de diâmetros maiores.  

Assim, era simples para os técnicos aumentarem a cilindrada do versátil motor para 1100 cm³ (1.1 litro). Anos depois, já em meados dos anos 50, foi feito um outro aumento da cilindrada de para 1200 cm³ (1.2 litro), configuração bastante popular nos VW vendidos no Brasil até 1966. Esse 1.2 era amplamente usado nos Fusca e Kombi, e motorizava o país de norte à sul. Sem dúvidas, uma contribuição com os esforços de Juscelino Kubitschek, que, desde o final dos anos 50, implantava em terras tupiniquins o desenvolvimento da indústria automotiva nacional.

Outro que popularizou os 1200 no Brasil foi o Fusca (Foto: VW/divulgação)

Em 1967, o mesmo conceito dos cilindros contrapostos com arrefecimento a ar ganhou uma nova geração, com importantes evoluções de projeto. Era praticamente um novo motor, com o qual a criatividade humana fez de tudo: instalou em quaisquer tipos de carros de pequena produção, aviões ultraleves, girocópteros, embarcações e geradores estacionários para bombas d’água em sítios e fazendas, sem contar o uso como motor de arranque em enormes máquinas operatrizes nos canteiros de obras.  

O fácil aumento da capacidade cúbica deles era incrível. Simplesmente adaptando-se novos cilindros e pistões, partia-se de 1.3 litro, cilindrada original mínima do propulsor, chegando-se até aos famigerados 2.0 litros. Aqui no Brasil, oficialmente, a VW fornecia esse motor com cilindradas de 1.3 e 1.5 litro, esses com carburação simples e cabeçotes de entrada única na admissão, chegando aos bons e valentes 1.6 litro, com cabeçotes de dupla entrada na admissão e carburação única ou dupla. Tudo dependia das necessidades e aplicações, mas, no geral, o mercado adotava cilindrada, comando de válvulas e sistema de alimentação mais adequados para cada caso. 

De tão adaptáveis, os motores a ar chegaram até no Gol: os primeiros utilizavam o 1300 do Fusca (Foto: VW/divulgação)

Nos usos aeronáuticos, por exemplo, utilizava-se a configuração 2.0 litros alimentada por um único carburador, com comando de válvulas de pouco cruzamento entre admissão e escape. Nesses casos, o motor deveria gerar grande torque a baixos regimes de rotações, enquanto a potência máxima não era assim tão importante (e geralmente vindo ao redor de 3.500 rpm ou menos). As baixas rotações asseguravam a confiabilidade exigida pelo uso aeronáutico, algo similar ao encontrado nas poucas aplicações marítimas desse motor: nesse caso, exigia-se o uso da ventoinha, que produzia o ar necessário para o arrefecimento. 

Nas competições automobilísticas, os preparadores fizeram verdadeiros milagres partindo desses motores a ar. A capacidade cúbica variava de acordo com o regulamento da categoria do carro em questão, mas o veneno era brabo: seus cabeçotes eram tão alterados e modificados que se tornavam novas peças, sem nada em comum com as originais. As câmaras de combustão ganhavam formato hemisférico, as válvulas de admissão e escapamentos tinham grandes diâmetros, os dutos eram retrabalhados e polidos, e os balanceiros substituídos por outros mais leves e resistentes.  

Havia também versões de virabrequim forjados que possuíam roletes nos munhões de bielas. Nos comandos de válvulas, perfis de cames permitiam um grande cruzamento entre as válvulas de admissão e escapamento, o que inviabilizava o funcionamento correto do propulsor abaixo dos 4 mil “giros”. E, na alimentação, eram figurinhas quase carimbadas os grandes carburadores, de até 48 mm. Tudo com o objetivo de reduzir o atrito e melhorar a performance nas corridas.  

Ferdinand Porsche jamais imaginaria que aquele seu projeto de carro barato com mecânica simples poderia gerar tanta história (Foto: VW/divulgação)

Certamente, Ferdinand Porsche ficaria de olhos arregalados se pudesse ver aonde chegou seu simples conceito de motor pequeno, econômico e durável para equipar um carro popular. E o legal de toda essa história é saber que os homens partiram de uma máquina básica, podendo tirar dela a máxima eficiência, tudo graças a um bom conceito básico original criado lá nos anos 30. Pena que ele não atenda mais as normas de emissão de poluentes há um bom tempo, e que seus níveis de consumo e ruído sejam altos para os tempos modernos. Caso contrário, provavelmente, estaria até hoje entre nós. 

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Jornalista na área automobilística há 50 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 69 anos, é casado e tem três filhos homens, de 22, 33 e 36 anos.