Foto de capa: Maurício Marinho/REUTERS
No dia 22 de dezembro, a Ponte Juscelino Kubitschek, sobre o rio Tocantins, ruiu enquanto era filmada por um vereador da região. Desde 1960, aquela obra de arte ligava os estados do Tocantins e do Maranhão. Eu mesmo passei por ela duas vezes vinte anos atrás.

Já houve outras denúncias nas mãos do DNIT desde 2019 e nada aconteceu. Ainda há desaparecidos e a probabilidade de que estejam vivos decai a cada dia de busca. A real causa do desabamento é que precisa ser desvendada. Ela está muito longe dali, mas tem endereço fixo e conhecido: Av. Faria Lima.

O plano Real, que muitos encaram como a redenção da moeda brasileira, trouxe efeitos colaterais, entre eles a queda da ponte em questão, por mais desconexo que possa parecer. É que o plano assentou-se num tripé: privatizações, âncora cambial e âncora verde. As privatizações deveriam suprir o Tesouro de recursos, reduzindo a dependência do constante lançamento de papéis da dívida pública para financiar o Estado. Não foi bem isso o que aconteceu e as privatizações acabaram financiadas, em grande parte, pelo BNDES.

A âncora verde foi uma aposta na estabilidade dos preços agrícolas como mitigador da inflação. Ela estava ligada umbilicalmente à âncora cambial, cuja função era controlar o preço do dólar para reduzir a sua influência sobre os preços internos. A âncora cambial visava, via altíssimas taxas de juros, a atrair dólares para manter as reservas e, ao longo do tempo, internalizar a dívida externa, que tinha sido a grande vilã da década anterior.

Nos anos seguintes, apesar de engasgos que não interessam no momento, a inflação manteve-se sob controle. A taxa de juros chegou, em alguns momentos, a 23% ao ano, sem que o Estado tivesse caixa para honrar esse ônus. Foi a passagem do desenvolvimentismo para o rentismo desenfreado. Empresas foram vendidas e os industriais tornaram-se rentistas com poder político para influir nas decisões do Banco Central. Isso tornou permanente o que deveria ser passageiro. Foi assim que nasceu a Faria Lima em seu sentido conotativo.

A internalização da dívida externa e a taxa estratosférica de juros tornaram os gastos estatais com financiamento numa bola de neve. Essas despesas cresceram muito mais rapidamente que a receita tributária e os déficits tornaram-se inevitáveis. Criou-se então um dilema: ou se baixava a taxa de juros e mantinham-se os gastos públicos, ou mantinha-se a taxa de juros e reduziam-se os gastos. Não é preciso ser um gênio para adivinhar qual decisão foi tomada. Começou pela Lei complementar 101, conhecida como de Responsabilidade Fiscal. Ela obrigava um superávit primário de 3% do PIB, ou seja, o Estado teria de fazer com o que pagar os juros.
Ora, como os impostos representam 36% do PIB e o superávit teria de ser o Estado teria de reservar, para pagamento de juros, 8,33% do que recebia em impostos. Mesmo assim, a dívida continuava crescendo porque os juros representavam 8% do PIB, cinco pontos percentuais mais do que o superávit de 3%. Isso já representou um golpe na capacidade de o governo investir e a construção de novas estradas tornou-se serviço de tapa-buracos já existente.

O segundo golpe na capacidade de o estado investir veio em 2016 com o a Emenda 95, conhecida como Teto de Gastos, ou a PEC do Fim do Mundo, que limitava os gastos públicos ao nível de 2016. Os únicos gastos preservados seriam os juros devidos à Faria Lima, condenando o aparelho público a esboroar-se, visto que não haveria recursos para a construção de um novo quilômetro de estradas no país.

Prova disso é que, somente em quilômetros asfaltados, o Brasil, que tinha passado de 8.000 km para 50.000 km entre 1960 e 1990, só teve 6.000 km asfaltados nos últimos trinta anos. Isso denota que os impostos pagos só serviram para realimentar a dívida pública e encher os bolsos dos rentistas da Faria Lima.
Mesmo com transformação do teto de gastos em arcabouço fiscal, o colapso dos serviços públicos não só e inevitável como eminente. Num país do tamanho do Brasil, as construções são igualmente gigantescas e ciclópicos são os gastos para manter toda essa infraestrutura. Não se podem abandonar equipamentos como a Ponte Rio-Niterói, ou estradas com a complexidade de uma Rodovia dos Imigrantes, com suas pistas suspensas a mais de 80 m. A manutenção e a modernização são imprescindíveis para manter vivo o país.

Quando 88% de nossas rodovias foram construídas, o cálculo considerava material rodante de até 45 toneladas. Hoje, não é raro encontrarem-se treminhões e bitrens atingindo 90t, de sorte que o que temos já não serve e está abandonado por conta dos juros que, há trinta anos, realimentam uma dívida que não se originou em investimentos públicos, mas numa política econômica num período determinado.

Aqui, um vídeo brilhante. Não são somente as pontes que começam a ruir como cartas de baralho, é o país.
A Coluna Carro Micro & Macro, bem como o conteúdo nela publicado, é de responsabilidade de seu autor, e não necessariamente reflete a opinião do Carros&Garagem.