A Cepal e a Indústria de Automóveis

Até 1969, não havia um Nobel de Economia, e antes disso os economistas eram premiados na categoria de matemática. Aqui, manteremos o foco em um grupo de economistas, um deles indicado em 1968. O tal grupo preocupava-se com o desenvolvimento econômico.

A Economia como ciência baseia-se em preocupações, então é natural que haja outros estudiosos com preocupações semelhantes que não estão no rol dos mais famosos e, consequentemente, dos mais lidos. O foco nesse grupo tem a ver com a indústria de automóveis, daí a escolha. Não que eles tenham escrito trabalhos enfocando o setor, mas porque de seu pensamento, indústrias expandiram-se pelo mundo a fora, enquanto outras simplesmente mudaram de lugar.

Cepal: criada no fim da década de 40, ela contava com economistas de todos os países da região estudada (Foto: Cepal/divulgação)

O primeiro a ser indicado ao Nobel foi o argentino Raul Prebisch, o mais conhecido membro da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) da ONU. Criada em 1948 e sediada primariamente no Chile, a Cepal contou com economistas de todos os países das regiões estudadas, incluindo brasileiros, sendo o mais famoso Celso Furtado. Foi esse conjunto de economistas que engendrou o modelo de substituição de importações como meio de os países, então chamados de subdesenvolvidos, queimarem etapas, aproximando-se dos países-centro, de onde supunha-se vir toda a inovação. Era o “Cinquenta Anos em Cinco” de Kubitschek.

Explicando melhor: Para os economistas cepalinos, o mundo econômico estava dividido entre centro, de onde se emanava o avanço tecnológico e periferia, cujo papel era suprir o centro com matérias-primas a serem ali processadas, voltando como bens industrializados e de muito maior valor agregado. Para Prebisch e companheiros, o Estado é que seria capaz de suprir de capital uma indústria nascente. Ela, por sua vez, levaria o país mais para perto da condição de centro. É que os empresários locais não teriam meios para dar o pontapé inicial em indústrias de grande porte.

E é claro que, quando se fala em ciências sociais, não existe um interruptor que ligue um fenômeno. Tudo é uma conjunção de fatos e fatores que convergem para uma dada situação. Em parte, os cepalinos tinham razão, pois, apesar de tentativas esporádicas como a de Preston Tucker, com o carro Carioca dos anos 1950, o Brasil só contava com montagem de veículos, iniciada em 1919.

O Tucker Carioca, automóvel com pretensões de produção nacional na década de 50 (Foto: reprodução)

O mercado era reconhecidamente grande e contava com produção de peças e partes por imigrantes europeus. Faltava uma concatenação, como queriam os cepalinos, e ela veio na figura do Geia (Grupo de Estudos da Indústria Automobilística) do governo Kubitschek. O papel desses economistas no nascedouro da nossa indústria de automóveis não é relegada a um segundo plano, mas sim simplesmente ignorado, como se o GEIA tivesse nascido da vontade de uma pessoa só.

O Geia só deu frutos porque já havia fabricação de componentes com tradição no país. Exemplos são a Grassi, que produziu carrocerias de ônibus e bondes desde 1908 até os anos 1970. Outro exemplo era a Auto Asbestos, que produzia sapatas de freio, amortecedores por atrito, discos de embreagem e, ainda antes da II Guerra, baterias. Só que nem tudo foram flores. O esforço por produzir carros aqui transformou-se em oportunidade subsidiada para fabricantes que minguavam no país de origem como a Willys, que trouxe o Jeep, a Rural e os carros da linha Aero, verdadeiros fracassos de vendas nos Estados Unidos.

Uma das fabricantes que entraram na onda dos incentivos para o crescimento da indústria automotiva nacional foi a Willys (Foto: Willys-Overland/divulgação)

A afirmação recorrente de que os fabricantes tradicionais descarregavam aqui os moldes obsoletos em seus mercados, como o Maverick da Ford, não pode ser generalizada. O Fusca, por exemplo, nasceu com as mesmas características que seu congênere alemão. O mesmo se pode dizer do Dauphine e do Gordini, produzidos pela Willys sob licença da Renault. Houve sim produtos absolutamente obsoletos em mecânica, como o Simca Chambord e seu motor V8 que equipara o Ford Modelo A nos anos 1930, só que o resto do carro era idêntico ao recém-lançado na França. Já o Ford Galaxie era outro exemplo, com a carroceria atualizada e o motor obsoleto, o mesmo usado na sua linha de caminhões.

Ford Galaxie mesclava o design contemporâneo com a mecânica obsoleta (Ford/Divulgação)

A falha das ideias cepalinas foi, ao nosso ver, não ter pensado em mecanismos que mantivessem a atualidade dos nossos produtos. O VW Sedan alemão, por exemplo, já tinha ganho suspensão McPherson na dianteira, por eixo arrastado na traseira e direção por pinhão e cremalheira, enquanto no nacional continuava com as mesmas características que nos anos 1950.

Nas décadas subsequentes, a Cepal foi mudando de foco, o que fica bem claro no livro “Cinquenta anos de Cepal”, de 1998. Aos poucos, principalmente depois da ascensão dos militares em toda a América Central e do Sul, a influência cepalina nos governos do Brasil em particular, e nos da América Latina em geral, diminuiu muito. Mesmo assim, podem-se encontrar traços de seu pensamento em fenômenos como o da substituição de exportações, que será estudada em outra oportunidade.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.